A polêmica dos xampus sulfatados

Os sulfatos não têm boa fama no mundo da beleza. Ainda assim, alguns dermatologistas defendem o seu uso. Entenda por quê.


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A trajetória do sulfato no mundo da cabeleira é digna de filme. Ele foi de presença VIP a inimigo declarado, especialmente entre pessoas cacheadas e crespas. Até fama de cancerígena a substância ganhou.

No entanto, apesar de ter caído em desgraça pública, ele nunca sumiu completamente dos rótulos de xampus. Aliás, se você for em uma perfumaria, ainda encontrará vários rótulos estampando um sodium laureth sulfate, sodium lauryl sulfate ou ammonium lauryl sulfate. Ou mais de um no mesmo produto.

Apesar do reinado low e no poo – técnicas de limpeza que, respectivamente, usam sulfatos mais leves ou o substituem por outros limpadores – , eles seguiram cumprindo a função para a qual foram designados: limpar e higienizar o couro cabeludo, afinal, são moléculas capazes de fazer a água e o óleo se misturarem. É uma ação detergente, ou tensoativa, como chamam os estudiosos.

Isso faria de todo sulfato um mocinho, culpado apenas por limpar demais? Vamos com calma.

A saga do (ex-)vilão

Parte da demonização deste detergente veio de boatos de que ele não apenas detonaria o cabelo como, ainda, poderia causar um desastre na saúde, incluindo câncer.

Para que se tenha ideia, uma substância chamada 1,4-Dioxano – encontrada em fórmulas de xampu com sulfato – sofreu grande alarde por ser, supostamente, cancerígena. No entanto, ela tem o mesmo potencial de causar a doença do que o café. Já o sulfato em si sequer entra na lista de carcinógenos da Sociedade Americana de Câncer.

“A ideia de que sulfatos são tóxicos e perigosos para o ser humano não se sustenta. As evidências que possuímos é que, para o uso externo, de enxágue, os sulfatos não são um problema. Se você os ingerir, eles serão, mas eles não são formulados para esse fim”, diz Victor Infante, doutor em Ciências pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP) com ênfase em medicamentos e cosméticos.

Em suma, a ciência não apoia a ideia de que usar sulfatos no couro cabeludo faz mal ao corpo – e preferimos acreditar que ninguém anda bebendo xampu por aí.

“Uma combinação adequada pode fazer com que mesmo um xampu sulfatado seja hidratante”, Fabiane Mulinari Brenner, dermatologista

O que se sabe é que algumas pessoas podem, sim, ser mais vulneráveis à substância, especialmente quem já tem um couro cabeludo sensível ou sensibilizado, com dermatite atópica, rosácea, psoríase e outras doenças no couro cabeludo, assim como recém-nascidos. Nestes casos, é melhor conversar com um dermatologista, que liberará ou não o uso.

Quanto à alegação de triturar os pobres fios, talvez fique difícil de defender. O que pode-se afirmar é que, da mesma forma que acontece com remédios e venenos, a quantidade faz toda a diferença.

“As fórmulas contam com diferentes graus de concentração e, dependendo da característica do cabelo e do couro cabeludo para qual o produto foi desenhado, você tem uma detergência diferente”, explica a tricologista Carol Coutinho, do Rio de Janeiro

Para determinar o potencial de ressecar – ou não – o fio, é preciso levar em consideração a quantidade de sulfato no produto, o tipo de sulfato, os ativos que acompanham o detergente na fórmula e o pH do produto.

“Uma combinação adequada pode fazer com que mesmo um xampu sulfatado seja hidratante”, aponta Fabiane Mulinari Brenner dermatologista, professora de dermatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do Departamento de Cabelos e Unhas da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

Por exemplo, se o produto tiver pouco sulfato, contar com agentes hidratantes e um pH chamado fisiológico – próximo ao do couro cabeludo e do fio, que seria em torno de 5 e 5,5 –, seu potencial de provocar frizz ou ressecamento a cada lavagem é bem menor.

“O lauril éter sulfato de amônio (ammonium lauryl sulfate) é pouco agressivo, frequentemente usado em xampus infantis e pode ser usado nos casos de contraindicação. Vale lembrar, porém, que este sulfato limpa menos que os outros, fazendo com que haja necessidade de lavagens mais frequentes”, exemplifica Brenner.

E aí, usar ou não usar xampu com sulfato?

Para Coutinho, todos que vivem no Brasil deveriam usar um xampu sulfatado. “O nosso clima é muito mais quente e úmido do que o dos Estados Unidos e da Europa, onde as pessoas podem tranquilamente lavar o cabelo uma ou duas vezes por semana com um produto low ou no poo. A gente acaba transpirando mais, o que deixa o couro cabeludo mais oleoso. Então, os xampus formulados para cá precisam ter um teor de remoção de sujeira e oleosidade um pouco maior”, defende.

Inclusive pessoas cacheadas, crespas, tingidas e com toda sorte de fios ressecados por algum motivo? Sim. Ou você acha mesmo que passaria impune pelo ritual de limpeza, mesmo enchendo o cabelo de leave in na finalização?

Isso não significa que o sodium laureth sulfate será seu novo melhor amigo. Considere-o um mal necessário, um aliado de guerra que você pode confiar, desde que ele esteja bem acompanhado.

Aliás, não precisa nem abandonar o no poo ou low poo: Coutinho defende que basta usar um xampu com sulfato uma vez por semana, tomando as medidas de proteção para que o produto não leve a hidratação natural do cabelo para o ralo.

“A pessoa pode fazer uma umectação com um blend de óleos naturais antes de lavar ou usar um pré-xampu, que é aplicado nos fios 20 minutos antes de lavar. Aí, na hora da limpeza, usa o xampu só no couro cabeludo, respeita o tempo de pausa e retira depois. Assim, promove a limpeza do que precisa e protege a fibra capilar”, aconselha a tricologista. Ah, e nos dias que o sulfato cantar, capriche na etapa de hidratação ou nutrição.

Já a hora de escolher o melhor limpador sulfatado para o cabelo como um todo pede investigação.

Infante indica que o primeiro passo é entender seu fio: ele é ressecado e/ou tem química, como descoloração ou alisamento? Depois, pense no couro cabeludo. Ele é mais seco ou oleoso? “Então busque um equilíbrio entre tudo isso. O que posso deixar de mais precioso é: leia as indicações na embalagem, pois quem formulou levou isso em consideração”, ensina.

Aliás, o rótulo traz informações muito importantes. Ao conferir a fórmula, veja em qual posição está o sulfato. “Se um determinado composto consta logo no começo da lista de ingredientes, significa que ele é um dos principais componentes do produto; se consta no final da lista, significa que está presente em menores concentrações”, orienta a dermatologista Carla Albuquerque, de São Paulo, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e International Fellow da Academia Americana de Dermatologia (AAD).

É bem verdade que o mercado conta com um sem número de opções para todas as cabeleiras. Então, para aumentar o índice de acerto, Infante dá a dica: “O melhor é fazer pesquisa. Buscar por marcas confiáveis, pessoas que façam resenhas sinceras e tenham o mesmo tipo de cabelo e couro cabeludo que o seu.”

Na dúvida se vale a pena incluir ou não o sulfato na rotina, comece pensando nele nem como vilão, tampouco como mocinho. No final das contas, usar quando, como, em qual quantidade – ou mesmo não usar – é uma escolha sua.

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