O que explica o corte de cabelo pós-término?

O fenômeno aponta para um possível paralelismo entre as mudanças externas e internas pelas quais passamos. Aqui, investigamos o que de fato está por trás dessas movimentações.


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Ilustração: Mariana Baptista



Parece que não dá para seguir em frente depois de um término sem cortar ou fazer qualquer mudança que seja no cabelo, não é mesmo? Uma busca rápida pela hashtag #breakuphair no TikTok e no Instagram revela uma série de vídeos que provam que esse hábito continua entre nós e não dá sinais de que vai desaparecer tão cedo. Na cultura pop, o tal rito de passagem já ganhou muitas interpretações. “Uma coisa é dizer que você vai deixar o passado para trás. Outra coisa é fazer isso de verdade”, é o disse a atriz Keri Russell no papel da protagonista da série Felicity antes de trocar os longos cachos por um pixie curtinho. Sob outra perspectiva, em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), Clementine muda os fios conforme sua relação com Joel se transforma – as cores funcionam como um guia para entender em qual momento eles estão do relacionamento.

Isso sem falar no mundo das celebridades. Katy Perry aderiu ao raspado após o término com Orlando Bloom, Cameron Diaz foi do loiro ao castanho escuro depois de Justin Timberlake, Khloe Kardashian terminou com Tristan Thompson e passou a tesoura. Selena Gomez, Halle Berry, Gigi Hadid, Reese Witherspoon, Jennifer Aniston, Demi Lovato – a lista é interminável. Lembra quando a Princesa Diana cortou os fios após o fim do casamento com o Príncipe Charles?

Por propiciar uma mudança drástica e rápida ao ser cortado ou pintado em uma tarde no salão, o cabelo é que costuma ser o alvo das transformações pós-término. No entanto, essas mudanças, muitas vezes, também atingem outros terrenos da beleza. Há quem aposte em uma nova tatuagem, quem troque o seu perfume de assinatura, quem desista de usar maquiagem ou passe a usar muito mais… O importante é passar uma leitura diferente de quem é você para o mundo.

Mas o que explica esse fenômeno?

De acordo com a psicóloga Ana Volpe, para superar um luto, seja ele qual for, muitas vezes sentimos a necessidade de sair um pouco do abstrato e de se apegar a algo concreto. “O ser humano é muito identificado com o mundo material e com os cinco sentidos que o traduzem. O que ele vê no mundo representa grande parte do seu repertório de significados, crenças, opiniões e associações. Desta forma, as pessoas muitas vezes acreditam que mudando sua percepção externa, ela irá curar ou aliviar um desconforto emocional interno”, complementa Mariana Nahas, mentora de desenvolvimento pessoal.

Existem alguns motivos que levam a este movimento. Um deles é a necessidade de exercer algum controle sobre a própria vida. Parte das mudanças que acontecem com a gente não são escolhas nossas e nos colocam em situações em que não temos poder de decisão, como levar um fora ou ser demitido, por exemplo. Tanto que não são somente os términos que alavancam transformações como estas. A nossa aparência é algo que, em boa parte, conseguimos ter algum controle, então é uma forma simples de dizer “pelo menos aqui, a escolha é minha e eu faço o que quiser”.

“Essas mudanças já estão dentro da gente. Muitas delas já estão acontecendo há anos em nós e de repente elas aparecem na superfície. Quando acontece algum evento externo, elas ganham força, como uma maré, e aí a gente muda” Dimas Mietto.

Por outro lado, quando somos nós que decidimos mudar, temos uma sensação de independência enorme. Romper com algo que nos faz mal ou que simplesmente não nos traz mais felicidade, pode ser um desafio. Esse ato de coragem pode vir como dominós caindo um em cima do outro, ou seja, ela nos leva a uma série de transformações que vão além daquela original. “Essas mudanças já estão dentro da gente. Muitas delas já estão acontecendo há anos em nós e de repente elas aparecem na superfície. Quando acontece algum evento externo, elas ganham força, como uma maré, e aí a gente muda”, explica o psicanalista Dimas Mietto.

Ainda, existe a necessidade de se livrar do passado, que possivelmente causou algum tipo de dor, e começar do zero como alguém novo. “Quando acontece alguma mudança significativa em nossas vidas, sentimos a necessidade de ver isso expresso também na aparência, uma vez que deixamos de encontrar coerência com a antiga imagem, que carrega as associações com a vida que já não nos inserimos mais”, explica Mariana.

Esse movimento representa uma quebra com o que fomos para nos tornarmos aquilo que queremos ser. “É um comportamento primitivo e supernatural que chamamos de objeto transicional. Nesse momento de sensibilidade, uma tatuagem nova, um procedimento estético ou até um novo corte de cabelo, representam um processo de transição entre um estado e outro”, complementa Ana. É como se disséssemos “a partir de agora, eu estou seguindo em frente”.

A questão da autoestima também tem peso nesse processo, principalmente quando falamos sobre o fim de um relacionamento. Por isso, é natural buscarmos aquilo que faz com que nos sintamos mais bonitos. “O único ponto de atenção é sobre fazer algo que você nunca faria na vida apenas para causar ciúmes, por exemplo. O problema é quando você faz a mudança voltada para o outro e não para você”, aconselha Dimas.

Ainda de acordo com o psicanalista, essas mudanças costumam ser positivas e fazem parte do processo natural e saudável de cura e superação. Porém, fazer mudanças drásticas no calor do momento, também pode gerar arrependimentos. O segredo aqui, então, é a auto-observação. “Precisamos nos atentar ao desdobramento dessas reações: existe uma linha que divide a superação das nossas fragilidades ou a exposição delas”, finaliza Ana.

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