O que os especialistas dizem sobre o tal do “mewing”?
Profissionais alertam sobre riscos de exercícios faciais, sem acompanhamento especializado, em busca de mudanças estéticas.
Enquanto cresce a busca por procedimentos estéticos em consultórios ao custo de milhares de reais, uma tendência do tipo “faça você mesmo” circula pelas redes sociais. Chamada de “mewing”, e sem comprovação científica, essa técnica consiste em exercícios com a língua, de mastigação e postura, e promete melhor definição do rosto e mandíbula sem intervenções cirúrgicas ou procedimentos invasivos. Entre tutoriais espalhados pelo YouTube e TikTok, o exercício mais comum é o de posicionar e pressionar a língua inteira contra o céu da boca, mantendo lábios fechados.
Mewing (originalmente chamado de “orthotropics”) foi criado nos anos 1960 pelo ortodontista britânico John Mew, que o aplicava em caso de dentes tortos, principalmente em crianças. Junto ao filho, o também ortodontista Mike Mew, ele defende que exercícios específicos com a língua e mudanças posturais, na dieta, respiração e mastigação, por exemplo, podem corrigir o maxilar – em alguns casos, após anos de tratamento –, para melhor acomodação dos dentes, e em qualquer idade. Eles também trabalham com um aparelho dentário removível chamado Biobloc. Essas abordagens, alegam, dispensariam certas intervenções cirúrgicas, remoções dentárias e alguns tratamento ortodônticos convencionais e, de quebra, resultariam também em mudanças de ordem estética.
Mew perdeu a licença em 2017 por divulgar indevidamente informações sobre dois pacientes. No ano seguinte, Mike afirmou em seu canal no YouTube ter sido expulso da British Orthodontic Society devido à sua conduta nas redes sociais. Pois é nas redes sociais que o “mewing” se prolifera como dica acessível para melhorar a definição facial. Há quem diga que pratica o tal exercício há anos, outros que experimentaram por 30 dias e fazem fotos dos lados do rosto, em quadros de “antes e depois”. Os relatos variam entre pessoas que não viram diferença e outras que alegam melhorias na respiração e definição facial.
@allyoucanface Fix your tongue posture = fix your breathing = improve how you look #mewing ♬ original sound – Hope Schwing
“Fazer exercícios musculares em paciente que tem um potencial genético para ter uma desarmonia da parte esquelética não vai impedir que o caso seja cirúrgico”, afirma Luis Antônio Aidar, cirurgião-dentista, especialista em Ortodontia, do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP). “É fato que, quando você tem uma musculatura trabalhando normalmente, mastiga direito, respira pelo nariz, coloca a língua na posição correta, você tem um meio ambiente a favor de um crescimento mais favorável, mas tem o fator genético, e se o paciente herda da mãe ou pai a parte esquelética que não o agrada, a gente não vai conseguir só pelo meio ambiente mudar o padrão facial. Não existe trabalho científico que comprove isso”.
“No adulto, ossos não crescem mais, eles se remodelam, mas não numa capacidade de preencher, levar queixo para frente, isso não acontece”, Silmara Pavani, fonoaudióloga
O cirurgião-dentista destaca a importância de consultar um especialista, como ortodontista, fonoaudiólogo e otorrinolaringologista para diagnósticos e tratamentos. Assim, será possível investigar causas e possíveis soluções para problemas de respiração, deglutição, mastigação e fala. “Pedir para o paciente respirar pelo nariz [como é proposto em um dos exercícios de mewing] não é tão simples assim, ele precisa ter vias aéreas desobstruídas”.
O especialista também ressalta sobre a dificuldade em fazer modificações no rosto, sem cirurgia, entre adultos, quando completo o crescimento dos ossos. Entre homens isso pode ocorrer na faixa dos 18 anos e, entre mulheres, aos 16, após a primeira menstruação.
“No adulto, ossos não crescem mais, eles se remodelam, mas não numa capacidade de preencher, levar queixo para frente, isso não acontece”, reafirma a fonoaudióloga Silmara Pavani, vice coordenadora do Departamento de Motricidade Orofacial da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. “Quando o fonoaudiólogo seleciona os exercícios para língua, mastigação e deglutição, faz isso com uma avaliação especializada e com diagnóstico”, pontua. “Ao fazer exercícios aleatoriamente para a língua eu posso gerar outras alterações musculares, porque na face tudo funciona com compensação”.
A profissional também destaca que não é possível, mesmo com exercícios indicados por fonoaudiólogo, mudar o ângulo da mandíbula ou da maxila. “O que vai mudar é o tônus da musculatura, que fica melhor”, disse. “Por exemplo, se eu tenho um lábio que não está trabalhando bem, ele pode estar com tensão em volta, causando rugas, ou estar molinho, deixando a boca aberta. São coisas totalmente diferentes que eu vou fazer para esse lábio que não está bem”.
Ela também alerta para exercícios que envolvem a mastigação constante, presentes no “mewing”, como forma de hipertrofia dos músculos do rosto. “Podem forçar a articulação temporomandibular e isso gera dor”, disse. “Exercício demais para esse músculo [masseter] não é indicado porque ele é de fibra branca, fadiga facilmente e a gente usa só para mastigar, tanto que as pessoas com bruxismo, que apertam o tempo todo, têm dores”.
“Fazer o que se vê na internet sem orientação correta é complicado. É como começar uma dieta em que ninguém te pesou, viu sua condição clínica”, disse a fonoaudióloga Tereza Loffredo Bilton, professora associada do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC-SP. Ela explica que, apesar da fonoaudiologia estética conseguir melhorar aspectos da face, é limitada a diferentes fatores.
“O fonoaudiólogo, antes de resolver acúmulo de gordura abaixo do queixo, precisa avaliar suas funções respiratória, mastigatória, deglutição, e a própria fala. A hereditariedade também tem peso”. Tereza ressalta que, casos de pessoas com alterações de oclusão, por exemplo, as que têm a maxila maior que a mandíbula, precisam ser corrigidos com ortodontia. “[Apenas com exercícios faciais] não é possível, não dá. O paciente que é Classe 3 (tem a maxila maior que a mandíbula), e não corrigiu quando criança, tem que fazer cirurgia ortognática e precisa da fonoaudióloga para trabalhar musculatura. Mexer com o osso, não dá”.
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