Formafantasma inaugura mostra sobre lã
Em entrevista à ELLE Decoration Brasil, Andrea Trimarchi, da dupla italiana, fala sobre a exposição e a importância do design para um futuro mais sustentável.
Eles não param. E não podem ser definidos apenas como designers. Andrea Trimarchi e Simone Farresin, os nomes por trás do Formafantasma, são designers e muito mais. A agenda da dupla já entrega essa multidisciplinaridade. Peças de mobiliário, luminárias, utilitários, instalações, palestras, consultorias e um bom tempo dedicado à pesquisa. Em qualquer um de seus projetos, o aspecto forte é o olhar para o meio-ambiente, seja do ponto de vista de busca de materiais, seja pela preocupação com a construção de um futuro sustentável. Eles também são responsáveis há dois anos pela curadoria dos seminários Prada Frames, realizados durante as semanas de design de Milão, em dobradinha com a grife italiana de moda – e sempre com esse recorte. No de 2022, chamado On Forest, o foco foi a relação entre o design, a natureza e a indústria madeireira. Este ano, em Materials in Flux, levantaram um debate sobre o aproveitamento de resíduos.
Não importa o tema, a reflexão é sempre intensa. Foi assim com a instalação Cambio, que fizeram para a Serpentine Galleries, em Londres, em 2021, quando levantaram as etapas da produção, da extração e da distribuição da madeira. A ideia é explorar além das fronteiras, buscando as ramificações sociais, políticas e econômicas de cada assunto. É o que a dupla faz agora com um tema aparentemente inusitado (ou pouco frequente) para o design: lã. A nova pesquisa fundamenta a exposição Oltre Terra. Why wool matters, que estreou em maio e segue até outubro no Museu Nacional de Oslo, na Noruega.
Nela, o estúdio buscou entender a delicada relação, de mais de 11 mil anos, entre pastores e seus rebanhos. A mostra terá vários itens ligados à criação de ovelhas e a indústria da lã, além de pinturas, tecidos, fotos e vídeos. Entre os itens mais preciosos, uma túnica de 1.700 anos e máscaras rituais. O aspecto sensorial não foi esquecido. Um enorme tapete desenvolvido pela cc-tapis, com lã de 12 espécies diferentes de ovelhas rústicas italianas que usualmente seria descartada, é um convite para os visitantes deitarem e rolarem.
A nova mostra mergulha na relação entre pastores e seus rebanhos de ovelhas. Foto: Alessandro Celli
A exposição investiga como a produção de lã mudou biologicamente os carneiros ao mesmo tempo que influenciou a jornada dos humanos, fornecendo alimento e vestuário e orientando sua caminhada sobre a Terra. A colaboração de profissionais de diferentes áreas, como pastores, fazendeiros, designers, artistas plásticos, antropólogos e biólogos, reforça o caráter interdisciplinar e garante uma visão abrangente. Para completar, seis raças diferentes de ovelhas ganham reprodução em tamanho natural num diorama ampliado, que exacerba os que se veem nos museus de história natural.
Nascidos em Florença, na Itália, onde também estudaram, Trimarchi e Farresin fundaram o estúdio em 2009 e desde então vêm colecionando sucessos. Sediados em Milão e com um braço em Roterdã, na Holanda, eles têm trabalhos incluídos nas coleções de alguns dos museus mais importantes do mundo, como o MoMA e o Metropolitan Museum, em Nova York; o Victoria and Albert Museum e as Serpentine Galleries, em Londres; e o Centre Pompidou, em Paris, entre outros. Nesta entrevista exclusiva à ELLE Decoration Brasil, Andrea conta mais detalhes sobre a nova exposição e fala dos planos para o futuro.
Por que o tema lã atraiu vocês?
Na verdade, foi a curadora do museu de Oslo, Hanne Eide, que nos convidou para desenvolver a exposição. No início, nos perguntamos como poderíamos nos conectar com o assunto, porque não conhecíamos a fundo a produção de lã, mas achamos interessante porque a proposta ampliava o que havíamos feito para a Serpentine. Era uma oportunidade de falar sobre a complexa relação entre nós, humanos, e os animais.
Oltre Terra é uma expressão ligada ao deslocamento do gado de um lugar para outro, em uma relação íntima com a terra. Vocês têm experiência pessoal com esse tema?
Oltre Terra é a tradução italiana de transumanos, ou terrenos de pastagens. Ou seja, fala dessa peregrinação em busca de pasto verde para os animais. Gostamos do título porque, de alguma forma, a exposição cruza diferentes campos e disciplinas. Não tínhamos uma conexão pessoal com o assunto, mas, no decorrer do trabalho, seguimos dois grupos de pastores, um deles nos Alpes, no norte da Itália, uma experiência extremamente bonita. Embora a mostra não romantize essas práticas, é interessante perceber que o pastoreio nômade teve um papel importante no desenvolvimento da paisagem, na ecologia e na cultura. As trilhas criadas por eles foram a base para as primeiras estradas ligando países.
O que podemos esperar desta exposição?
Do ponto de vista visual, uma maneira diferente de apresentar o material reunido. A ideia é aproximar a mostra da realidade. Por exemplo: nunca vemos incluídas outras espécies e criaturas que contribuem tanto quanto nós para a criação dos objetos. Também queremos retirar as fronteiras entre o que se vê em museus de história natural e o que propõem os museus de design. Por isso, trouxemos reproduções de materiais orgânicos de sete topologias diferentes, itens que vieram de museus e outros que colecionamos no decorrer da pesquisa e da montagem.
A lã bruta, recém-tosqueada, também pode ser vista na exposição. Foto: Alessandro Celli
Quais são os itens mais significativos que o visitante encontrará?
Vamos expor ferramentas e questionar como influenciaram a evolução dos animais. Também teremos pinturas que revelam formas diferentes de representar esses bichos e sua relação com o meio ambiente. Vamos mostrar lã na sua forma bruta, assim que é cortada de uma ovelha. Além disso, uma empresa da Toscana, da cidade de Prato, que recicla suéteres, enviou dois fardos enormes para que os visitantes possam ver o aspecto que tomam depois de processados. A mostra vai incluir ainda reproduções de plantas e árvores e documentos históricos relacionados à colonização da Austrália pelo Império Britânico, que introduziu os rebanhos de ovelhas, dando a largada para a criação intensiva de merinos no país, que se transformou em um dos maiores exportadores de lã do mundo.
Como o comportamento humano (e sua relação com a natureza e os animais) se conecta ao design?
De muitas formas diferentes. Por mais que possamos olhar para objetos e materiais como se fossem criados do nada, tudo o que produzimos tem uma intersecção com a natureza e com o meio ambiente. Se você pensar no iPhone que estou usando neste momento para falar com você, ele é produzido com materiais extraídos em diferentes partes do mundo e do continente africano, cruzando muitas comunidades de humanos e não humanos. Até mesmo a internet, que percebemos apenas como uma infraestrutura, é extremamente invasiva. Então não há como não interferir na natureza. Por isso, acreditamos que a exposição Oltre Terra pode oferecer uma forma diferente de discutir design e entendê-lo em uma ecologia mais ampla. Não se trata apenas de refinamento de materiais e transformação em produtos, mas de incluir na narrativa como esses materiais são extraídos, de onde vêm, quais são os processos e que pessoas estão trabalhando nas comunidades, com quais animais, plantas e outras espécies. Precisamos destas contribuições ou estamos escravizando para produzir? É isso que a exposição aborda.
Neste momento, precisamos abordar o que é ecológico e tentar provar que o design não é só parte do problema, mas também parte da solução.
Natureza e meio ambiente são temas constantes no Formafantasma. Na sua opinião, quais são as causas mais urgentes relacionadas a esse assunto? Você está otimista ou pessimista sobre isso?
Não quero pensar se somos otimistas ou pessimistas, apenas queremos fazer. Estamos interessados em pesquisar essas complexidades. Todos devemos fazer a nossa parte e essa é a chance de o design mostrar seu potencial. O design industrial ganhou força depois da Segunda Guerra Mundial e se mostrou fundamental para a reconstrução e para o bem-estar das pessoas. Neste momento, precisamos abordar o que é ecológico e tentar provar que o design não é só parte do problema, mas também parte da solução.
A mostra inclui ainda máscaras usadas em rituais. Foto: Ina Wesenberg
Você acredita que o design pode impactar positivamente a relação do homem com a natureza, ajudando a encontrar soluções mais ecológicas e sustentáveis?
É preciso lembrar que o design também funciona por comissões (encomendas de empresas aos profissionais), o que pode levar ao desenvolvimento de novos produtos que são completamente sem sentido. Portanto, há muitas maneiras diferentes de o design operar. O design não é uma disciplina que se envolve apenas com forma e processos, mas pode participar de decisões mais estruturais. É inútil desenvolver produtos ecológicos sem fazê-lo por meio de processos igualmente ecológicos, que atinjam da produção à distribuição e à reciclagem, pensando do primeiro ao último dia de vida da peça. O designer deve ser chamado como consultor com mais frequência, especialmente por empresas que não contam com um setor de sustentabilidade. Queremos provar que podemos conduzir pesquisas e pensar sistematicamente – e não apenas no nível de produto.
O trabalho multidisciplinar sempre foi o foco central do Formafantasma. Quais são seus próximos projetos? Quais temas vocês ainda não abordaram e querem explorar no futuro?
Queremos desenvolver produtos ou estratégias de design que protejam a sobrevivência de plantas ou animais. É algo que adoraríamos fazer e que levanta muitas questões sobre quem somos nós para decidir sobre as necessidades dos animais, mas acho que é um assunto interessante e desafiador. Muitas pessoas já estão fazendo isso de maneira intuitiva, muitos cientistas e ativistas estão trabalhando nesse nível, mas também gostaríamos de ajudar levando o design para esse contexto.
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