O que é ser #aesthetic?

No TikTok e no Instagram, a maquiagem, a roupa e até aquele vaso no canto da foto podem dizer muito a respeito de alguém. Fique por dentro do termo que tomou conta das redes sociais.

“Isso é tão aesthetic.” A frase ganhou popularidade na internet ao se referir a um look, um visual ou até uma decoração cuja leitura dos seus elementos seja harmoniosa dentro de um estilo determinado. Vestidos florais de tecidos naturais e fotografia ensolarada, por exemplo, são meio cottagecore (camponesa), enquanto calças de cintura baixa e looks anos 2000 são Y2K (Year 2000).

Aesthetic é o termo em inglês para estética, palavra originária do grego “aisthésis”, que significa o ato de perceber, de notar. Na filosofia da arte, a estética é um ramo que estuda a essência da beleza e do que é belo, seja natural ou artística. Ela também investiga o sentimento que coisas belas proporcionam ou despertam dentro de cada ser humano.

Maíra Zimmermann, historiadora e professora de moda na Faap e na Faculdade Santa Marcelina (Fasm), diz que, ao longo do tempo, o termo ganhou outro significado. “A gente acaba usando a ideia da estética quase como um sinônimo de visualidade, aspecto”, afirma. É que, de acordo com a especialista, no século 20 houve uma mudança muito grande nas vanguardas artísticas. “Não faz mais sentido a ideia de belo da Antiguidade. Começamos a questionar os padrões de beleza. A ideia de bom gosto, do glamour, começa a perder terreno com o surgimento da cultura juvenil, muito mais ligada à atitude.” Ter uma posição forte sobre o mundo, passando principalmente pelo visual, é exatamente o que os “aesthetics” querem.

Rodrigo Barbosa, community manager do TikTok no Brasil, aponta que a hashtag #aesthetic tem mais de 7,1 milhões de vídeos na plataforma no mundo todo. “Nos últimos meses, conseguimos notar que houve um crescimento no uso da tag em perfis relacionados à moda, com dicas de roupas e acessórios”. Atualmente, o termo possui 35,4 bilhões de visualizações. Outra hashtag popular é a #myaesthetic (minha estética).

Hilaine Yaccoub, doutora em antropologia de consumo, percebe que a busca por uma aesthetic é “um movimento de construção de identidade”. “É como se, através da cor do cabelo ou das unhas, eles expressassem uma espécie de código de valores socioculturais, uma expressão estética que emite uma mensagem antes mesmo de você abrir a boca. É a primeira camada de uma expressão identitária”, fala.

De tumblr girl a e-girl

Em 2007, foi lançado o Tumblr, uma plataforma de blogging que permitia que usuários publicassem fotos, textos e, principalmente, GIFs. Como a maioria de seus usuários, os posts podiam ser bem pretensiosos: fotos conceituais em dias chuvosos, uma xícara de café com uma citação de um filme indie. Em sintonia com esse cenário, as mulheres nessas imagens costumavam usar vestidos românticos, um toque vintage no look, meia-calça colorida. Eram garotas que pareciam ter saído de películas do cinema independente, como 500 Dias com Ela e Ruby Sparks. Elas eram as tumblr girls.

De acordo com a criadora de conteúdo Talitah Sampaio, cujos posts e vídeos falam sobre tipos de estética, essa foi a primeira combinação harmoniosa de elementos a ganhar o selo de aesthetic – e, por muito tempo, foi considerada praticamente a materialização do termo. “Virou uma referência. Todo mundo que era alternativo fez as mesmas coisas”, conta ela. Se você não queria ser “mainstream”, acabava indo para a estética Tumblr. Mas o jogo virou e o leque se abriu quando surgiu o TikTok. “Algumas pessoas perceberam que não se identificavam com esse estilo. Queriam ser algo diferente. Foi quando surgiu a estética e-girl (semelhante ao emo) e depois a soft-girl (uma versão mais fofa da e-girl)“. Tudo isso aconteceu entre 2017 ou 2018.

Hoje, aesthetic não se refere a apenas um estilo. É um termo guarda-chuva para centenas de outros mais nichados. Em uma wiki colaborativa, há listados mais de 450 tipos de aesthetics, incluindo algumas mais conhecidas, como o cyberpunk e o vaporwave.

Clicar na hashtag de uma dessas aesthetics é como abrir um feed perfeitamente organizado, em que os filtros são muito semelhantes e as paletas de cores, harmoniosas. É uma linha do tempo pasteurizada. O perfil Shit Bloggers Post mostra bem o que acontece quando as criadoras de conteúdo trabalham todas sob uma mesma estética: acaba quase todo mundo igual. No entanto, isso não se restringe às aesthetics.

Ik7dynih image 6

Perfil @shitbloggerspost, que reúne imagens de diferentes perfis criando uma “estética” única.Reprodução

Sabe quando você desce o feed de uma pessoa e percebe logo todos os símbolos? O chão de taco, a camisa florida aberta no peito, a samambaia, o gato deitado no sol, o tapete de tapeçaria… Você pensa: “Ah lá o santa-cecilier”. Na internet, é fácil perceber quando uma pessoa mora em Santa Cecília, bairro central de São Paulo. A decoração da casa e suas roupas entregam o estilo de vida que a pessoa leva. Por isso, a aesthetic não é exatamente uma novidade – e também não é coisa de adolescente.

Tivemos os punks e hippies nos anos 1970. O new wave e os góticos nos anos 1980. O grunge e os clubbers nos anos 1990. Movimentos que entregavam o que gostavam e como viviam suas vidas pela forma como se expressavam visualmente. “A gente tem que ponderar que essa vaidade, essa expressão imagética, praticamente toda expressão de moda, também tem isso. Esse apelo estético não é exclusivo dos aesthetics. Eles, na verdade, utilizaram o nome certo. Estética é o que todas essas modalidades e expressões de moda sempre privilegiaram”, fala Hilaine.

A diferença entre os grupos que existiram no passado e que se vestiam de forma parecida, normalmente ao redor de um estilo musical, e a juventude atual é que os millennials e a geração Z têm uma relação muito forte e natural com a fotografia. Enquanto antes registrávamos apenas momentos especiais, hoje em dia nós tiramos fotos o tempo todo. As novas gerações cresceram com essa linguagem imagética, como se fosse um idioma nativo. “São pessoas que articulam, se expressam, com figuras e imagens mais do que com texto”, fala Hilaine. A essa habilidade incorporada desde a infância, some o efeito potencializador das redes sociais. Afinal, no Instagram, o seu visual é um branding. E, mesmo já tendo tantos verbetes, a lista na wiki de aesthetics sempre pode aumentar.

Em busca da sua estética

Diante de tantas estéticas, a busca por uma para chamar de sua toma um bom tempo de alguns jovens. Talitah Sampaio tem uma série de vídeos especificamente sobre os diversos tipos de aesthetics e como descobrir a sua própria. “Os jovens são bem intensos, então eles gostam de criar esses termos. E, de início, é bom estar dentro de um estilo, porque você vai experimentando até descobrir quem você é”, diz.

Se por um lado há um exercício de autoconhecimento nessa procura – e na validação dessa escolha por seus pares –, por outro ela levanta o questionamento sobre os efeitos das redes sociais na saúde mental de jovens e adolescentes (leia mais sobre o assunto na reportagem O Dilema do Momento).

Maíra Zimmermann evita ser categórica no assunto. “É preciso entender que há uma narrativa que criamos na internet que não condiz com o que somos na realidade.” Querer ter uma aesthetic nem sempre é querer estar dentro de um padrão de beleza, mas indica uma tentativa de encaixe. “Usar a hashtag tem, sim, a ver com um padrão, porque são elementos visuais facilmente reconhecíveis. É como uma gíria, que eles usam para se relacionar como comunidade. Mas há também movimentos como o body positive e o do corpo livre, que estão dentro dessa narrativa”, pondera Maíra.

De qualquer forma, por mais que haja esse interesse em querer adotar uma estética (ou parte dela) no visual, a geração Z também não quer se limitar a uma caixa. Um levantamento feito pela Dazed Media, com dados colhidos por meio de sua audiência, chamou o momento atual de a “Era do Monomass”, em que as pessoas vão transitar facilmente entre universos aparentemente contraditórios. Uma soft girl também pode ser e-girl, e vice-versa. “Eles estão abertos a experimentar, não têm medo de ‘trair o movimento'”, fala Talitah Sampaio. Encontrar uma gaveta é apenas o primeiro passo, diz ela, que incentiva as pessoas a, em algum momento, saírem de suas caixas e misturarem cottagecore com Y2K, por exemplo. Por que não? “Gosto de falar que, no futuro, todo mundo vai ter sua própria estética.”