Fato: é antiga e quase simbiótica a relação entre o mercado de beleza e o universo das celebridades. Uma coisa quase não respira sem a outra. Quem inaugura essa ponte é um polonês que passou a maior parte de sua vida nos Estados Unidos, Maksymilian Faktorowicz, mais conhecido como Max Factor. Entre seus principais feitos, está a criação da maquiagem para o cinema, que conquistou os principais diretores hollywoodianos do século passado. A fórmula delicada de seus produtos para a pele (ele é o inventor da base líquida) funcionava muito melhor do que as opções teatrais da concorrência na época (bem mais carregadas e que não demoravam a craquelar ou derreter com as luzes dos estúdios). Assim, ele virou uma espécie de protomaquiador-das-estrelas: pintou os rostos icônicos de Judy Garland, Bette Davis, Joan Crawford, Rita Hayworth e Ava Gardner. Já na década de 1920, a empresa vinha com o slogan “A maquiagem para as estrelas – e para você”, que tal? Daí por diante, o sucesso da marca foi tanto que, quando Max Factor morreu, em 1938, a revista The Economist comparou seu nível de fama ao do magnata Henry Ford.
Esse modelo de marca capitaneada por maquiadores bem-quistos pelo circuito das celebridades se repetiu à exaustão depois de Max Factor. Nos anos 1990, foi a vez do atualmente tão reverenciado estadunidense Kevyn Aucoin (Janet Jackson, Whitney Houston, Cindy Crawford, Madonna e Cher eram algumas das suas amigas/clientes). Hoje, Mario Dedivanovic – claro discípulo do estilo esculpido (“contornado”) de Aucoin – é o nome da vez. Maquiador oficial de Kim Kardashian, ele ajudou a socialite a compor os itens de sua KKW Beauty e acaba de lançar a sua própria marca: MAKEUP by Mario, um sucesso instantâneo.
Quando essa relação entre marcas e celebridades acontece de maneira natural e espontânea, como ocorreu nos casos acima, o resultado (quase invariavelmente) é lucro. No entanto, por muito tempo, o mercado de beleza manteve-se fixado na ideia da garota-propaganda cuja imagem e estilo de vida resumem a ideologia de uma empresa. “Nesse modelo antigo (eu pago e você me elogia), não raro as marcas caem no erro de trabalhar com alguém que não acredita no que está dizendo. Não dá mais para fazer o consumidor de bobo. A sua clientela tem senso crítico e o que eles procuram, mais do que nunca, é uma relação verdadeira, honesta”, explica o estrategista de cultura digital e futurólogo Felipe Teobaldo.
A era pós-Fenty Beauty
“Muito do sucesso por trás de marcas lideradas por celebridades tem a ver com o sentimento legítimo dos fãs, que agora acreditam nessa empresa como acreditam no seu ídolo”, diz Bruna Ortega, a expert em beleza do bureau de tendências WGSN. “Com o advento das comunidades digitais e a possibilidade de feedback imediato, isso só se agrava.” Segundo ela, o mercado mudou drasticamente nos últimos anos pelo fato de que os ditos influenciadores perceberam que podem ganhar muito mais dinheiro fazendo seus próprios produtos do que emprestando a sua imagem para que outras empresas gerem lucro a partir dela. “É o corte de atravessadores”, resume Felipe. “Por exemplo, temos marcas de bebidas alcoólicas que contratam um diretor criativo – ou seja, não precisam mais das agências clássicas de comunicação. O mesmo ocorre na beleza.”
O maior exemplo desse fenômeno, evidentemente, é a marca de cosméticos fundada pela cantora Rihanna em 2017, a Fenty Beauty. “Antes de montar a sua própria empresa, vale lembrar, a Rihanna fez uma parceria com a MAC, que também foi um sucesso. Será que a inspiração veio dali?”, indaga o maquiador brasileiro Dindi Hojah. “Todas as marcas fundadas por celebridades que vieram depois dela, certamente, só aconteceram devido ao sucesso da Fenty e a mudança de paradigmas que a empresa incitou no mercado de beleza.” De acordo com ele, a questão da inclusão e da diversidade se tornou pré-requisito para qualquer investida nesse business devido aos esforços da popstar. “Se hoje a Bruna Tavares (blogueira e empresária brasileira) está com 30 tons de base em sua marca, é porque, lá atrás, a Rihanna chegou com seus 40 tons de uma vez só nas lojas da Sephora do mundo todo.”
E, como se não bastasse, o produto é bom. Foi-se o tempo em que marcas de beleza criadas por celebridades eram um truque para multiplicar dinheiro que nem sempre levava em consideração a qualidade dos itens à venda. “Tive a oportunidade de trabalhar com KKW Beauty e me surpreendi com a performance da maquiagem. É bem impressionante. Tendo acompanhado o processo de desenvolvimento de alguns desses produtos de perto, consegui entender como os lançamentos são tão assertivos: é sobre coesão e utilidade. Não tem segredo”, retoma Dindi, que assinou a beleza do Sunday service de Kanye West (uma série de pocket-shows com temática gospel que virou até apresentação no Coachella) e trabalhou junto da equipe criativa do então casal, em Los Angeles.
Ou seja, ao mesmo tempo que Rihanna revitalizou as parcerias entre maquiagem e celebridades, ela também elevou a régua do jogo. A expectativa para o lançamento da HAUS Laboratories, de Lady Gaga, por exemplo, em parte se deu pela expectativa de que ela causaria o mesmo frisson da Fenty Beauty. Não rolou: ainda que a marca da ítalo-americana tenha trazido algumas fórmulas inovadoras, o resultado visual causado por seus produtos fica aquém da imagem de moda tão conceitual que ela, por anos, cultivou. Não à toa, a maioria das resenhas disponíveis no YouTube desse lançamento não é lá muito positiva… Com Alicia Keys, aconteceu algo parecido: a comunidade digital de beauté recebeu com certo alívio a notícia de que sua Keys Soulcare seria feita em parceria com a E.l.f., empresa reconhecidamente vegana. Considerando o estilo de vida da cantora, que há poucos anos deu adeus a produtos de maquiagem que cobrem o rosto, como bases e corretivos, era importante que sua empreitada na beleza não ignorasse seus princípios. Entre os principais itens da Keys Soulcare estão massageadores faciais, velas aromáticas e cremes para a hidratação.
A sensação é de que, a cada anúncio de alguma celebridade se lançando no mercado de beleza, há a expectativa de renovação no mercado na era pós-Fenty Beauty. “A gente precisa lembrar que, mesmo com os muitos avanços que têm rolado nos últimos anos, as grandes empresas de beleza ainda são muito conservadoras”, explica Dindi. Vale lembrar que são apenas sete os conglomerados que detêm a maioria das marcas que você vê na farmácia e nas multimarcas espalhadas pelo mundo. Juntas, L’Oréal (França), Johnson & Johnson (EUA), Shiseido (Japão), Estée Lauder (Estados Unidos), Unilever (Reino Unido), Coty (Estados Unidos) e Procter & Gamble (Estados Unidos) somam 187 delas. De acordo com Felipe, esse sentimento se baseia na série de mudanças sociais que só ocorreram devido à insistência dos públicos das redes sociais que, levantando-se contra a ideologia das empresas monopolizadoras, exigiram mais representatividade em diferentes mercados. “Não é mais sobre alcançar um padrão de beleza. É sobre reinventar que normas são essas”, desafia.