Feel-good Fashion: uma ode ao otimismo em meio ao caos

Misturando diversas referências que passam pelo retrô e pelo kidcore, o estilo traz cores e formas lúdicas para os universos do design, da moda e da beleza. Seria a tendência uma manifestação sintomática de otimismo ou uma vontade escapista contra tempos sombrios?

Entre todas as palavras que poderiam ser usadas para falar sobre o último ano, “otimismo” parece ser a mais incabível e improvável delas. Afinal, o panorama que nos cerca, ao completarmos neste mês de março de 2021 um ano da declaração de calamidade pública feita pelo governo brasileiro devido à pandemia do coronavírus, parece esticar para ainda muito longe nossa tão esperada luz no fim do túnel. Somando mais de 260 mil mortes no Brasil e ultrapassando a marca de 2,5 milhões no mundo, o caos, o medo e a incerteza se tornaram parte da nossa rotina diária.

Por isso, é um tanto inesperado constatar que, em meio a tempos sombrios, a tendência que mais ganha força em nossas telas é colorida, lúdica, divertida e tem sido chamada por alguns de feel-good fashion, “a moda do sentir-se bem”. Talvez você não a conheça por esse nome, mas certamente já deu de cara com tapetes multicoloridos no seu feed do Instagram, velas com formatos improváveis (e estranhamente satisfatórios) no Pinterest, looks e maquiagens com diversas informações gráficas, formas abstratas e smileys ao scrollar pela For You Page no Tiktok e assim por diante.

Com desdobramentos no universo da decoração, passando pela beleza e atingindo as passarelas e looks do dia, a estética reúne diversas referências – da cultura pop à escolas de design – e parece ser uma resposta vibrante e direta ao zeitgeist de nossos anos 20. “É paradoxal que estejamos reagindo com otimismo a uma fase tão sombria”, aponta Lydia Caldana, consultora sênior na WGSN Mindset NAM & LATAM. “Mas é compreensível quando entendemos as possibilidades que o mundo conectado nos abre, tanto de perceber que outras pessoas estão passando por situações piores quanto de explorar soluções por meio de nossa imagem ao sermos influenciados por inúmeras culturas e estéticas.”

Verdade seja dita, a “cultura do bem-estar” já faz parte de nossos hábitos e rotinas de consumo há um bom tempo. Assuntos como saúde mental, autocuidado e wellness tomaram o centro das conversas on e offline e assumiram, inclusive, um caráter aspiracional. Durante a pandemia, não foi diferente: a busca por canais de acesso a uma vivência mais leve e feliz apenas aumentou. “A Universidade de Yale adicionou um curso online no Coursera chamado ‘A ciência do bem-estar’, que teve 1,5 milhão de inscritos”, Lydia acrescenta. “Compreendendo que felicidade e otimismo são um espectro, as pessoas passaram a entender que precisam ativamente buscar essas habilidades e ferramentas para conseguir ter ondas de felicidade de forma mais constante”, diz.

Devido ao processo de estreitamento de nossas realidades, que agora se limitam a quatro paredes, chamadas por Zoom e uma selfie ou TikTok aqui ou ali, parece que estamos tentando encontrar válvulas de escape por meio desses canais de autoexpressão, que, embora limitados, são vastamente acessíveis na era pós digital. A forte identificação com a feel-good fashion, suas cores suaves e formas abstratas, portanto, pode, sim, indicar um movimento comportamental em busca do conforto, otimismo e bem-estar agregados à moda, à beleza e aos nossos ambientes domésticos.

Mas até que ponto esses elementos externos têm poder para injetar positividade em nós?

Gabriela Cristina Maximo, psicóloga com especialização em autoimagem e formação em psicanálise, acredita que, apesar de terem correlação, a dicotomia estética e bem-estar não pode ser vista de maneira simplista. “Pensar nas cores, formas e referências dessa tendência é também pensar no que elas transmitem de forma singular para cada sujeito”, diz. “Um período sombrio como o pandêmico precisou de um movimento de cores suaves, que demonstram ludicidade, alegria e remetem quase a um sentimento infantil que não cessa em nós. Mas trazer ou não bem-estar vai depender de como cada um significa esses elementos a partir da sua construção e constituição”, explica.

LAR DOCE LAR

Thatiana Mazza, além de jornalista e redatora publicitária, recentemente tornou-se dona da marca de decoração Estúdio Pasta. Inspirada pela internet e também pelo desejo de resgatar fazeres manuais durante a quarentena, ela acredita que a decoração é uma extensão daquilo que somos, mas também do que queremos sentir. “Podemos materializar alguns desejos em determinadas partes de nossas casas”, diz. “Trazer formatos inusitados e cores divertidas é um caminho para, de alguma forma, transformar o nosso ambiente e, consequentemente, mudar o nosso estado emocional.” A marca paulistana produz velas artesanais com formatos fluidos e abstratos em cores suaves e há quem se sinta mais tranquilo só de admirar seu feed por alguns minutos. “Muitos de nós passamos o dia olhando para a tela do computador e do celular. Em um momento de descanso no olhar, de pausa, é bom ter outro tipo de estímulo visual”, diz sobre o potencial de seus objetos.

No design, a feel-good fashion coleciona referências organicamente, misturando elementos históricos a sentimentos contemporâneos: notam-se principalmente pitadas do estilo Memphis, criado por um grupo de designers e arquitetos italianos em 1981, dentre os quais o mais famoso foi Ettore Sottsass, responsável por um espelho ondulado cor-de-rosa que voltou a ser amado no Instagram recentemente; influências de formas curvas e agradáveis aos olhos provenientes do minimalismo escandinavo; trabalhos manuais de tapeçaria inspirados nas padronagens e na fusão de cores dos anos 1970; elementos kitsch e referências à cultura pop.

O perfil Home Dreaming, por exemplo, que acumula mais de 137 mil seguidores no Instagram, faz uma curadoria de imagens de espaços confortáveis que parecem gerar em nós o famigerado quentinho no coração. Aqui no Brasil, marcas como a Futuro, que trabalha com upcycling e tapeçaria artesanal, e a Casa Esquisita, que também produz suas peças manualmente, começam a ganhar popularidade com seus espelhos e tapetes inusitados – mas muito divertidos – que exploram a estética.

Montar refúgios de bem-estar, mesmo que com poucos elementos, também é uma resposta comportamental à incerteza do momento. Segundo Lydia, “a busca pela organização – vide o sucesso da Marie Kondo e a decoração DIY (faça você mesmo) – são formas de repensar um mesmo espaço com poucos recursos”. Além disso, tirar um tempo para ficar longe das telas e se dedicar a uma atividade manual é também uma maneira de escapar do caos e do bombardeio de informações que recebemos diariamente. “Acho muito importante resgatar esses fazeres, que exigem uma presença física total, como uma forma de ‘desconectar’. Acredito que aconteça uma conexão entre essas atividades e o nosso estado emocional”, acrescenta Thatiana.

LOOK DO DIA: SEROTONINA

Do design colorido, fantasioso e onírico dos vestidos volumosos de Tomo Koizumi às apresentações divertidas e pouco convencionais da Collina Strada, na moda, a estética feel-good também ganhou representação. Além da presença nas passarelas internacionais, marcas populares no Instagram, como Paloma Wool, Lisa Says Gah! e Lazy OAF, embarcaram na tendência trazendo em suas coleções estampas geométricas de tons pastel, padronagens de flores, smileys, corações e gradientes multicoloridos, em peças igualmente confortáveis e interessantes.

Por aqui, não foi diferente. Impulsionadas pelo resgate do fazer manual e pela vontade de injetar cor e otimismo no dia a dia de suas comunidades, etiquetas como Alexandre Pavão, com bolsas e sapatos policromáticos, A.ROLÊ, com conjuntinhos leves em padronagens divertidas, Guels, com anéis imperfeitamente interessantes de cerâmica, e muitas outras criam com elementos lúdicos, na esperança de alegrar, de alguma forma, quem as usa.

“Vários estudos apontam que os adolescentes e jovens adultos estão sentindo que seus objetivos estão cada dia mais inalcançáveis e, com isso, buscam se abastecer emocionalmente de coisas ‘simples’ que podiam fazer ou sonhar na época pré-pandemia.” Lydia Caldana, consultora sênior

“Achamos que o bem-estar pode estar, sim, ligado às cores”, diz Ana Cristina Agra, CEO e diretora criativa da SRI, marca carioca que carrega em seu DNA a estética feel-good. “Na situação atual que todos estamos experienciando, vemos uma busca por tons pastel, modelagens confortáveis, tecidos e texturas aconchegantes”, acrescenta. Além do aconchego, a nostalgia – canalizada recentemente por meio do estilo kidcore – é um dos pilares estéticos da tendência. “Não é surpreendente que ela (nostalgia) esteja sendo ativada para lidar com esse momento. Vários estudos apontam que os adolescentes e jovens adultos estão sentindo que seus objetivos estão cada dia mais inalcançáveis e, com isso, buscam se abastecer emocionalmente de coisas ‘simples’ que podiam fazer ou sonhar na época pré-pandemia”, explica Lydia.

Muito bem explorada pela marca paulista Mnisis, responsável pelos famosos acessórios de gummy bears que bombaram no Instagram recentemente, a nostalgia prova ter um espaço especial em nossos corações nesse momento. “A tendência feel-good é a própria Mnisis!”, conta, rindo, Marina Costa, que é diretora criativa da marca. “Trabalhamos para que as nossas criações sejam divertidas, ‘desfashionizadas’ e leves, com o frescor da infância.” Além dos colares, brincos e pulseiras, a Mnisis também produz beachwear e itens de décor que seguem a mesma linha divertida e nostálgica. “Mas acho importante também ter uma dosagem porque queremos que esse otimismo seja verdadeiro e não tóxico”, ela reflete.

POSITIVIDADE TÓXICA?

Mas em meio a circunstâncias tão adversas e desanimadoras, é importante refletir sobre a real eficácia de nos rodearmos desses elementos estéticos em busca de otimismo, afago e tranquilidade. “Usar uma roupa colorida só por usar, pensando que aquele look magicamente trará alegria ou bem-estar simplesmente por ser colocada no corpo, pode ser frustrante”, comenta a psicóloga Gabriela Maximo. “Penso que essas roupas podem compor um sentimento, uma atitude ou uma vontade que já vem desse sujeito que se propõe a vestir as peças ou decorar o ambiente dessa forma.” Nesse sentido, é preciso entender que cuidar de nossa saúde mental é o primeiro e mais importante passo de uma jornada em direção a um estilo de vida mais feliz – e que canalizar esse desejo em bens materiais é apenas uma parcela do processo. “É muito mais sobre o sentido atribuído àquela peça, e sobre como a pessoa construiu uma narrativa sobre esses elementos, do que um ditame social do que é dito como feliz ou o que significa estar bem de modo geral”, diz.

De modo geral, é preciso estar atento porque a demanda por positividade a todo momento pode nos impedir de acessarmos e darmos espaço para que sentimentos como tristeza, ansiedade e descontentamento sejam sentidos, vocalizados e digeridos de forma saudável. Há na feel-good fashion, apesar de tudo, uma força de escapismo que deve ser dosada e levada em consideração. “Existe essa imposição de negar sentimentos desconfortáveis, sofrimentos e a realidade em que vivemos”, completa Gabriela. “Pode ser uma forma de mascarar a realidade? Pode! Mas também pode ser uma forma de conviver com a dureza desse momento de uma forma mais leve, trazendo para a vida cores, movimentos e formas lúdicas que tragam leveza para o cotidiano das pessoas”, conclui.

Assim como em tudo, é difícil, cansativo e desgastante encontrar um equilíbrio. A moda, a beleza e o design de nossos espaços – que muitas vezes se tornam refúgios de autoexpressão, identidade e reconhecimento em um mundo tão incerto são, sem dúvida, canais relevantes para a manutenção da sanidade, da felicidade e do otimismo de muitos de nós. Na medida certa, com as prioridades certas, nos é permitido – e que bom que ainda nos resta isso! – “reimaginar realidades, brincar, explorar, misturar coisas que não necessariamente fazem sentido, tomar uma decisão e voltar atrás, viver alternativas. Tudo isso serve para projetarmos um futuro melhor do que o presente difícil que estamos vivendo”, termina Lydia Caldana.