Nunca fui chegado à ideia de otimismo tal qual nos foi desenhada nos últimos tempos. Aquela obrigação obsessiva em só olhar o lado bom das coisas, sempre na espera do melhor, como se tudo que fosse ruim não merecesse atenção. Nem mesmo nossos sentimentos mais dolorosos. Ok, ninguém quer viver de sofrência o tempo todo, mas, para se sentir bem, precisamos permitir e entender emoções menos agradáveis. Na moda não é diferente.
Quando começamos a pensar nesta edição, ainda era 2021. Estávamos na reta final do ano em que a vacinação da população finalmente aconteceu e derrubou os números de novos casos e mortes em decorrência da covid-19. Estávamos animados, 2022 se desenha promissor, um tanto mais leve do que os últimos 365 dias e ainda com a possibilidade de uma grande virada nos rumos do país.
Daí surgiu a vontade de fazer uma edição pautada por sentimentos positivos. Após um janeiro exclusivo para beleza, fevereiro é só sobre moda. Quer dizer, não só, mas principalmente. Na ELLE, nunca abordamos moda como algo isolado, existente em um vácuo. O que torna nosso tema principal interessante é justamente as conexões e os desdobramentos com outras áreas da vida e do mundo – mesmo quando tudo isso não é muito animador.
Assim, depois de dois anos de caos pandêmico (infelizmente ainda em curso), já dá para perceber algumas mudanças na maneira como se faz, vende, consome e veste moda. Uma das principais transformações está na liberdade. Parece que, no período em que muitos passaram isolados ou com contato social reduzido, uma série de convenções e regras sobre o vestir veio abaixo. Elas perderam sentido, relevância. E a gente vê isso em ruas, passarelas, redes sociais e nos eventos que já podem acontecer.
O ato de colocar uma roupa deixou de ser tão preocupado com o outro para agradar e respeitar mais o próprio corpo. Se sentir bem na própria pele e nas próprias roupas é algo irrevogável. E aí vale tudo: explosão de volumes, glamour sem limites, formalidades ao extremo, básicos dos mais confortáveis e tudo que você bem entender e quiser. A única regra é a diversão. De pressões e opressões, já bastam as que ainda teimam em limitar nossas existências. Nossos guarda-roupas definitivamente não precisam disso.
Com isso, uma série de transformações começa a ocorrer no mercado e na indústria. De olho nos comportamentos dos consumidores, novos investidores e donos de empresas já entenderam que os modelos de negócio padrão já não fazem tanto sentido – nem geram tanto retorno. Da parte dos criadores e estilistas, o lucro deixou de ser a única preocupação. Até o que serve de base para a produção de roupas assumiu novas formas, com uma boa ajuda das tecnologias mais avançadas no setor têxtil. E tudo isso você lê nas páginas a seguir.
Neste fevereiro, ainda comemoramos os 100 anos da Semana de Arte Moderna, aquela de 1922, que institucionalizou uma série de transformações na produção cultural do Brasil já em curso há alguns anos e para muito além de São Paulo. Como arquitetura e design, a moda foi deixada de escanteio na historicidade do evento. Porém, como as roupas mantêm uma relação importante com a forma com que indivíduos se apresentam ao mundo, o que alguns dos fundadores e membros da escola modernista vestiam diz muito sobre o que pensavam. O livro O guarda-roupa modernista, sobre o qual falamos nesta edição, joga um pouco de luz sobre o tema.
Cem anos atrás, um dos ideais dos modernistas era o rompimento com as tradições vigentes. Se deu certo ou não, é questionável (e sobre isso recomendo muito o livro Modernidade em preto e branco, de Rafael Cardoso). Mas é no mínimo curioso como hoje o mesmo desejo segue vigente – e ainda mais urgente.