Quando falamos em grupos de moda, os primeiros nomes que vêm à mente são os conglomerados LVMH e Kering. São eles os detentores dos maiores nomes do mercado: Louis Vuitton, Dior, Gucci, Balenciaga e por aí vai. Ambos surgiram no final do século 20, em um momento em que a indústria começava a tornar o luxo uma commodity, de olho nas altas cifras que o setor indicava poder gerar sob uma gestão focada em lucro e crescimento rápido.
Deu certo para muita gente. Principalmente para os chefes, no caso, as famílias Arnault (LVMH) e Pinault (Kering), e outros acionistas das holdings. Já para os estilistas e fundadores das marcas vendidas, a história pode ser um tanto diferente. Muitas vezes, os modelos de negócios, focados exclusivamente em números e retornos quase imediatos, anulavam o potencial criativo e sobrecarregavam os profissionais envolvidos. Os resultados dessa equação, como se sabe, podem ser trágicos.
Não deveria ser surpresa, então, que toda uma geração de estilistas e empresários esteja de olho em outras formas de gerir uma empresa de moda. Para quem cria, não se trata apenas de vender a qualquer custo. Para quem provê, é mais sobre uma construção saudável e a longo prazo de um negócio comercial, mas nem tanto. Ou pelo menos cheio de particularidades. É o caso das holdings New Guards Group, twentyfourseven e Tomorrow.
Os dois últimos nomes mencionados acima, por exemplo, nasceram como showrooms, mas logo perceberam que podiam ir além. Inicialmente, passaram a oferecer uma série de benefícios para as marcas que representam em seus espaços, como consultoria financeira e de marketing, contatos de fornecedores e mentorias. Não demorou para esse pacote se expandir. Hoje, ambas empresas trabalham com licenciamento de distribuição, produção terceirizada e pequenos investimentos.
“Mais do que um showroom, nós apoiamos ativamente a nova geração de superestrelas da moda”, lê-se no site da twentyfourseven. “Nós investimos diretamente em negócios jovens, tornando o talento cru e a visão em marcas do futuro.” Collina Strada, Supriya Lele e Charlotte Knowles são alguns nomes financiados pela holding. Já o Tomorrow fechou há pouco tempo um contrato com Martine Rose. Além de participação na label, a estilista também conta com ações do grupo.
É uma postura e modelo bem diferente daqueles que se tornaram quase uma regra nos últimos anos.
Segundo a especialista, consultora de moda e professora de fashion business Katherine Sresnewsky, um grande motivo para a organização em holdings, tal qual as conhecemos, é o lucro. Uma das principais formas para se crescer uma empresa e aumentar sua rentabilidade é por meio da ampliação de portfólio – de marcas ou produtos. Acontece que há um limite nessa operação, ainda mais quando se fala do mercado de luxo. Então, para garantir crescimento, os grandes grupos passaram a investir cada vez mais na aquisição de grifes já bem consolidadas, com expertise no assunto e produção própria.
Um bom exemplo foi a compra da Tiffany & Co. pela LVMH. O grupo de Bernard Arnault já possuía algumas joalherias em seu portfólio, mas precisava aumentar a lista para não perder espaço para seus correntes na área. Por se tratar de um nome conhecido e respeitado, com boa estrutura por trás do negócio, o risco da transação era consideravelmente baixo. Situação bem diferente de quando esse contrato acontece com um nome emergente.
Como esse tipo de empresa necessita de mais recursos e estruturação, a conta nem sempre fecha aos olhos dos acionistas e analistas. Muitos consideram o investimento em um nome em ascensão uma distração do real objetivo: lucrar.
É aí que entram os novos players
Novas formas de gestão e administração de marcas começaram a ganhar notoriedade a partir dos anos 2010. Um dos nomes mais bem-sucedidos dessa geração é o New Guards Group, fundado em 2015 por David de Giglio e Marcelo Burlon – ambos estiveram por trás do lançamento da Off-White, em 2012, ao lado de Virgil Abloh. Hoje, a holding é responsável por marcas como Heron Preston, Ambush, Palm Angels e Opening Ceremony.
Os modelos de negócios variam entre as etiquetas representadas pelo grupo. Atualmente, dado o sucesso comercial da empresa, a compra majoritária de ações é a transação mais comum, mas nem sempre foi assim. Muitos dos nomes administrados pela NGG começaram se associando à companhia ou cedendo os direitos de venda, produção e distribuição.
Com um modelo operacional extremamente eficiente – especialistas de mercado o chamam de fast-fashion do luxo – e uma estratégia de marketing e comunicação direcionada à geração Z, o New Guards Group transformou a maneira como se administra, se comunica e se vende luxo. Diferentemente das grandes empresas do setor, a ideia é funcionar como uma plataforma para a saúde financeira e gerencial de novas marcas A holding foi uma das primeiras a sair do calendário tradicional de lançamento, bem antes da pandemia. No lugar, implementou uma estratégia de drops, direcionada pelo seu core de marcas de streetwear. A ação foi particularmente popular com as novas gerações, mais voláteis em suas relações com labels que admiram e consomem.
Deu tão certo que até a Farfetch quis entrar no jogo. Em 2019, o NGG foi adquirido pela plataforma de e-commerce em uma transação de 675 milhões de dólares. “O New Guards Group tem sido extremamente bem-sucedido em desenvolver novas marcas e nós queríamos usar o conhecimento do grupo para desenvolver os nomes com que trabalhamos”, conta Giorgio Belloli, chefe comercial e de sustentabilidade da Farfetch. “É quase como uma estratégia Netflix, em que o NGG é capaz de desenvolver marcas exclusivas que estarão disponíveis no marketplace. Ao mesmo tempo, a Farfetch pode oferecer uma aceleração digital para essas marcas com nossa expertise”, continua ele.
Segundo dados publicados durante a transação, o New Guards Group gerava a receita de 345 milhões de dólares anualmente, com lucro de quase 100 milhões e um crescimento significativo de mais de 50% ano após ano. Para a Farfetch, o valor do New Guards Group vai além do seu portfólio de marcas. É também a habilidade de detectar, construir e acelerar novos talentos da moda.
“O grande brilho nos olhos que os investidores veem nesses novos negócios é o fato de serem empresas e etiquetas nativas digitais e terem fundadores muito envolvidos nos processos. Esses grupos querem o capital intelectual, os CEOs desses negócios, além de um portfólio bem curado de marcas inovadoras”, afirma Sresnewsky.
“Um dos maiores benefícios de fazer parte de um grupo, como o NGG, é que você se aproveita de uma estrutura já pronta, que tem sido usada, testada e provada”, afirma Belloli. “Você se beneficia de um modelo já estruturado e vemos também que os novos designers conseguem contribuir para o desenvolvimento geral do modo de trabalho. Eles podem contribuir com todo o grupo e não apenas com sua marca própria”, continua o executivo.
Show me the money!
Com os novos grupos de moda, as possibilidades de investimento e aquisições são diversas e menos engessadas. “Na Farfetch e com o NGG, nós normalmente adquirimos os negócios, pois acreditamos que, dessa forma, podemos agregar mais a eles”, diz Belloli. “Mas no caso da Off-White, por exemplo, temos o licenciamento da operação, que é uma maneira interessante de gerenciar uma marca sem necessariamente se tornar proprietário dela.”
Belloli e Sresnewsky frisam que tudo é decidido caso a caso, e quase sempre de acordo com a situação financeira da grife. “Dificilmente esse dinheiro é embolsado pelos fundadores”, afirma a consultora e professora. Normalmente o capital é todo revertido em investimentos. Por exemplo, caso uma marca possua dívidas, parte do valor da transação é destinada para a quitação dos débitos. O restante pode ser alocado para a abertura de novas lojas, contratação de profissionais, presença digital e uma série de outras ações importantes para o crescimento da etiqueta.
O investimento também não precisa ser realizado todo de imediato, bem como a aquisição. “A maioria das holdings se reserva o direito de realizar a aquisição completa de uma marca após algum período. Dificilmente se fecham contratos sem essa cláusula” afirma Srenewsky. Mesmo que não adquiram a maior parte das ações, as holdings podem, após alguns anos, realizar a aquisição completa. Isso acontece por dois motivos: para a proteção em caso de discordância com os fundadores ou por não haver capital livre para realizar 100% do negócio.
É o que aconteceu, por exemplo, com o New Guards Group e a Palm Angels. O grupo comprou 60% das ações da Palm Angels em julho de 2021, com uma cláusula que garante a aquisição dos 40% restantes até 2026. Além disso, o NGG também completou 100% de propriedade sobre a operação da marca, isto é, processos de produção, logística e distribuição, que anteriormente eram de 69%.
Bem como as marcas emergentes, os novos grupos de moda têm se tornado competidores cada vez mais representativos na indústria da moda, chamando a atenção de outras holdings e investidores. Ao oferecer acordos mais flexíveis e diversas possibilidades, grupos como New Guards, 247 e Tomorrow têm feito um trabalho importante no fomento financeiro e estrutural de jovens talentos sem comprometer sua criatividade.