Quem acompanhou o Brasil inteiro torcendo por Rayssa Leal, a fadinha de rodas que competiu pelo país nas Olimpíadas de 2021, talvez nem imagine que o skate foi proibido de ser praticado no Parque do Ibirapuera, em 1986, por Jânio Quadros, então prefeito de São Paulo. De lá para cá, a coisa mudou bastante. E a inclusão do esporte no rol olímpico é só um sinal do que estamos falando.
Os números estão de prova: depois de manobrar pelas pistas de Tóquio e trazer a medalha de prata para casa, Rayssa bateu recorde de menções e foi o nome mais citado no Twitter, ultrapassando até a ginasta estadunidense Simone Biles. No quesito moda, o impacto não foi diferente. Em julho, a Nike brasileira recebeu milhares de perguntas sobre o look e o tênis usados pela atleta nas pistas, e o Netshoes reportou um aumento de 80% de vendas em itens de skate. Assim nasceu uma tendência – e não só por aqui. Nos Estados Unidos, as vendas de equipamentos para a prática aumentaram 80% em relação aos primeiros nove meses de 2021, de acordo com o Action Watch.
Não se trata de um movimento novo, mas sim de um pico (ou repique) de interesse. Já faz algum tempo que a moda cai de amores e surrupia elementos da cultura do skate. Uma das maiores referências – e acontecimentos – dessa paixão foi a parceria entre Louis Vuitton e Supreme, em 2017. A coleção misturava o vermelho clássico da marca de streetwear com o monograma da maison francesa.
Lucien Clarke para Louis Vuitton, 2021Fotos: Divulgação
Já em agosto de 2020, Virgil Abloh foi além e fez história: assinou um contrato e tornou Lucien Clarke o primeiro skatista patrocinado pela Louis Vuitton. Em novembro do mesmo ano, o jamaicano colaborou com a etiqueta na criação de um tênis profissional, chamado de A View. Em 2021, a grife lançou um case e um shape, que custavam pouco menos de 60 mil dólares.
Hermès, verão 2022.Fotos: Divulgação
Clarke também tem contrato com a Palace e, em dezembro do ano passado, lançou um vídeo em parceria com a famosa marca de skate, enquanto fazia manobras dentro da loja de departamentos de luxo Harrods, em Londres. Outras labels também já mergulharam nesse universo: Celine, Gucci e Saint Laurent têm suas versões de shape, a Hermès fez uma bolsa com um deck como base e a Lanvin lançou um tênis com cabedal alto e largo, cadarços grossos, não muito diferentes dos usados na prática do esporte.
No entanto, apesar do flerte de longa data, a relação entre moda e skate nem sempre é recíproca. “Acho pouco o quanto as marcas nos ajudam em comparação com o quanto pegam de nossas referências”, fala o skatista e designer Felipe Oliveira. “É massa que a Louis Vuitton tenha desconstruído a história do esporte e da moda e patrocinado um moleque preto, que é referência. Mas é só um”, continua ele, que também tem uma marca de roupas, a WorldXit, e já produziu conteúdo para a Converse.
Karen Jonz.Foto: Josias Lunkes
Para a tetracampeã mundial Karen Jonz, esse sequestro de códigos não traz de volta o tanto que rouba. “Para o skate, acaba não sendo revertido financeiramente, não tem uma conversão direta. Nós temos os campeonatos, o lance de patrocinar skatistas, os vídeos. Isso faz com que a cultura se sustente, que crie um estilo de vida que depende disso. Quando as marcas raptam essa imagem e criam um tênis de 20 mil reais que ninguém vai usar para andar de skate, isso não nos traz benefício nenhum.”
Dora Varella.Foto: Marcos Duarte.
Dora Varella, que estreou nas Olimpíadas de Tóquio de 2021 na categoria park, engrossa o coro. “Quando as etiquetas decidem entrar para esse mundo, não podem só querer ganhar com isso. Tem que investir, com patrocínio ou até com ações sociais para incentivar as pessoas a andar”, comenta.
Roupa de skate para não-skatistas
Há ainda uma contradição quando falamos de marcas de luxo fazendo roupas inspiradas nesse universo. O estilo dos skatistas, sejam eles profissionais ou não, faz parte do show. “A roupa que uso influencia minha performance. Se estou com uma roupa que me sinto style, as manobras ficam melhores, eu ando melhor. Todo mundo fala isso. E isso acontece mesmo com uma roupa apertada, na época que eu curtia, ou com looks mais largos, como hoje”, reitera Karen.
Por ser um esporte que começou na rua, não há um uniforme padronizado do skate. E é isso que torna o estilo de quem pratica tão único e copiado. Mas, ao criar, é preciso levar em consideração as demandas e necessidades de quem anda sobre rodas. “Gosto muito de estar sempre com o look combinando, mas tem que ser confortável, a calça precisa ser de um material resistente. Isso é o principal. Gostamos de usar calças largas, mas também estilosas e que deixem os movimentos mais bonitos”, fala Dora.
WorldXit, marca de Felipe Oliveira.Foto: Divulgação
Para Felipe Oliveira, esse é só o começo de uma relação mais saudável e recíproca entre os dois mundos. “Alguns dos melhores skatistas do mundo não estão envolvidos com moda, não têm patrocínio, não ganham bem e acabam não entrando nesse meio porque as pessoas chegam a eles da maneira errada. Mas tem também uma geração mais nova que está tentando desencanar um pouco disso e achar outras saídas”, explica. “Estamos no começo de uma coisa legal que vai acontecer. É o início de uma construção massa, e não acho negativo. A galera do skate tem uma coisa bairrista. A gente se sente diferente. Sabemos o que é bom e o que faz sentido para a gente.”