Era setembro de 2021 e o MTV Video Music Awards celebrava os 40 anos da rede. Olivia Rodrigo, uma das atrações da noite, cruzava o tapete vermelho usando um vestido de cetim pêssego coberto por tule rosa. Era um Versace, só que, ao contrário do que se espera de grandes eventos, não era um modelo recém-desfilado. A peça vinha direto do arquivo da marca italiana, mais especificamente da coleção de verão 2001 de alta-costura, lançada antes mesmo do nascimento da cantora. Naquela mesma noite, Tinashe, Bretman Rock e Madison Beer também optaram pelo vintage. Nascia aí uma tendência, mas não só.
“Quem você está vestindo?” é a pergunta-padrão, repetida ad infinitum em praticamente todo evento. Para quem assiste de casa, parece bobagem, como se aquela celebridade tivesse apenas aberto seu closet, escolhido um look e posado para fotos. Acontece que, de alguns anos para cá, o red carpet virou uma indústria.
Por sua beleza, por exibir alguém através de uma nova perspectiva, por enviar uma mensagem ou por iniciar uma conversa, um momento no tapete vermelho pode ser tão importante quanto a premiação em si. Se os segundos de holofote forem bem aproveitados, a celebridade poderá sair dali com o seu nome em todas as manchetes, alguns milhares de seguidores a mais nas mídias sociais e portas abertas na indústria da moda. Vimos isso acontecer, ao menos, algumas vezes. E, para as marcas de moda, é uma publicidade inestimável.
1. Olivia Rodrigo usa Versace, verão 2001 de alta-costura, no VMA 2021.
2. Bella Hadid usa Jean Paul Gaultier, verão 2002 de alta-costura, no Festival de Cannes 2021.
3. Zendaya usa Roberto Cavalli, inverno 2000, em première de “Homem-Aranha: sem volta para casa”.
Já há algum tempo, as pautas que se desenrolam em um tapete vermelho indicam direções. É que há essa estranha capacidade de olhar para alguma produção icônica e captar uma mensagem. Pense em Britney Spears e Justin Timberlake combinando os seus looks jeans, no AMAs 2001, ou nos incontáveis visuais pretos vistos no Globo de Ouro 2018 para denunciar os abusos e assédios sofridos por mulheres na indústria do entretenimento. Você, instantaneamente, se lembrará dos maiores nomes, tendências, hábitos e, às vezes, até dos problemas enfrentados naquele tempo. Ou seja, não pode ser uma mera coincidência que, agora, tantas peças antigas estejam ganhando um segundo fôlego no red carpet.
Desde o tributo a Jean Paul Gaultier, realizado por Bella Hadid em Cannes, até o renascimento de peças esquecidas de Roberto Cavalli, oferecido por Zendaya nas pré-estreias de
Homem-Aranha: sem volta para casa, o vintage está entre nós. Alguns poderiam argumentar que sempre esteve, afinal, não foi a primeira vez que vimos artistas vestindo peças de décadas passadas.
Em 2001, por exemplo, Julia Roberts subiu ao palco do Oscar usando um Valentino de 1992. A atriz estava renunciando à tradição de ter um vestido novo feito sob medida para o evento. Na verdade, para cada novo evento. Na época, a escolha pareceu um tanto polêmica, a ponto de a peça ganhar o seu próprio perfil na Wikipedia. É que ela estava ali quebrando uma espécie de regra não dita. Depois, algumas poucas artistas se arriscaram a repetir os seus passos, como Reese Witherspoon, no Oscar de 2006 com o Dior de 1957, Natalie Portman, no Oscar de 2012 também de Dior, esse de 1954, e, mais recentemente, Cate Blanchett, com seu Alexander McQueen de 2001, no Festival de Cinema de Veneza de 2020.
A última tem sido um nome importante nessa conversa. A stylist de Cate, Elizabeth Stewart, criou em 2020 o movimento It’s Chic to Repeat, incentivando suas clientes, que incluem Viola Davis, Sandra Bullock e Gal Gadot, a repetir peças de seus próprios guarda-roupas. “É necessário se livrar dessa noção ridícula de que peças de roupa não podem ser usadas várias vezes”, disse ela, em entrevista à ELLE, em março do ano passado. “Uma roupa deveria durar a vida toda, mas estamos enchendo os aterros sanitários.”
1. Laura Dern usa Armani Privé em after party do Oscar 2020. / Laura Dern usa Armani Privé no Sheba Humanitarian Awards 1995.
2. Cate Blanchett usa Alexander McQueen, verão 2001, no Festival de Cinema de Veneza 2020. / Cate Blanchett usa Alexander McQueen, verão 2001, no Bafta 2016.
À primeira vista, o crescente compromisso com a natureza pode parecer um bom motivo para que essas situações esporádicas tenham se tornado um movimento. Nos últimos anos, a conscientização sobre o impacto ambiental da moda chegou ao mainstream. Isso quer dizer que todos – estilistas, editores, celebridades, influenciadores e os próprios consumidores – estão mais cientes quanto à significativa contribuição do mercado para as mudanças climáticas.
Há quem acredite que, em 2022, as grandes estrelas de Hollywood teriam ganhado um novo desafio antes de encarar os flashes de um tapete vermelho. Quando a sustentabilidade ainda era uma pauta quase marginal, bastava uma peça bem ajustada à silhueta para atrair os holofotes. Agora, no entanto, os artistas devem garantir que o seu visual seja também o mais ecológico possível.
Embora haja desinformação, divergências e greenwashing em torno da suposta roupa sustentável, podemos concordar que vestir peças de segunda mão é uma escolha positiva de consumo. Mas será mesmo que só isso está por trás do movimento?
Acordos secretos e muitos dólares
Desde que o primeiro Oscar foi entregue, há mais de 90 anos, a arte e o comércio nunca estiveram totalmente desmembrados. Acontece que, ao longo da última década, a forma como acompanhamos a moda de Hollywood se transformou. Stylists ganharam o selo de celebridades, vieram as Kardashians, políticas de exclusão foram denunciadas e, claro, as mídias sociais reviraram todo o jogo. Não era mais só sobre as listas das mais e menos bem vestidas. Era sobre clique, e clique custa caro. Foi aí que a tal pergunta repetida a cada tapete vermelho, “quem você está vestindo?”, aos poucos foi silenciosamente substituída por “quem te pagou para usar isso?”.
“Quando uma marca diz ‘não pagamos celebridades para nos usar’, na maioria das vezes, é uma grande mentira. Alguém, em algum lugar, está sendo pago”, revelou a stylist Elizabeth Saltzman, em entrevista ao Business of Fashion, em 2015. Sua lista de clientes inclui Gwyneth Paltrow e Sandra Oh.
1. Kylie Jenner usa Jean Paul Gaultier, verão 1987, no Parsons Benefit 2021.
2. Cardi B usa Thierry Mugler, inverno 1996, no Grammy 2019.
Para uma artista, seja por meio de contratos de longo prazo, seja por acordos pontuais, dar uma volta no tapete vermelho pode custar caro. Para uma etiqueta, embora seja um investimento arriscado, a escolha certa de garota, vestido e evento pode render alguns milhares de dólares. Hollywood sempre foi sobre ilusões e essa talvez seja uma daquelas que ninguém deseje perturbar. Mas, à medida que o dinheiro se torna a prerrogativa número um, tem quem esteja em busca de imprimir um pouco mais de pessoalidade nesse negócio.
Hoje, se uma estrela precisa escolher entre uma peça de alta-costura recém-desfilada ou uma da Les Tatouages, a coleção de verão 1994 de Jean Paul Gaultier, ela provavelmente irá com a segunda opção. A Dior de John Galliano (1996-2011), a Gucci de Tom Ford (1990-2004) e a Versace de Gianni (1978-1997) também estão entre os pontos fracos (na verdade, nada fracos) de muitas.
Como você já pode imaginar, entra aí o fator nostalgia, a recente obsessão pelos anos 1990 e 2000, a crise existencial oferecida pela pandemia. Está tudo meio associado. Mas não é só isso. Diante de uma era em que o digital monetiza e satura o tapete vermelho, surge a vontade de protagonizar um momento verdadeiramente único. Para isso, a exclusividade seria um agente notável – como sempre foi. Porém, convenhamos, vestir uma peça recém-desfilada já não é mais tão exclusivo quanto reviver algo que não foi visto nos últimos 15 anos.
Desencadeando outro patamar da exclusividade, o vintage é mais raro, mais inusitado e mais difícil de ser copiado. Em um tapete vermelho, não haverá outra artista vestida como quem escolhe uma peça de arquivo. Em seis meses, não haverá centenas de réplicas espalhadas ao redor do globo. Sem contar num coeficiente importante: a personalidade. Escolher uma peça antiga indica conhecimento, pesquisa e todo um alinhamento, além de um simples contrato.
Veja Cardi B, no Grammy 2019, vestindo um conjunto escultural do inverno 1996 de alta-costura da Mugler. O seu visual não era apenas bonito ou sustentável, era também prestigioso. Quando se usa vintage, há essa espécie de troca cultural em jogo. Aquela tal peça pode ter solidificado a carreira de um designer ou indicado uma linguagem de moda mais profunda. É como uma obra de arte, um artefato do tempo, que, depois de esquecido em um arquivo, volta à vida e brilha novamente. Quando acontece, a artista em questão não está vestindo uma marca, mas sim uma história.
Diante de uma nova temporada de premiações prestes a ser iniciada, há a oportunidade de ressuscitar mais peças icônicas. Ela, certamente, não será desperdiçada. Embora a moda busque incessantemente pelo “novo”, o passado sempre encontra o seu caminho de volta.