O namoro entre a alta-costura e a perfumaria vem de longa data. O francês Paul Poiret – estilista decorativista, que representava a antítese do visual minimal de Coco Chanel – é creditado como o primeiro dos couturiers a apostar no universo das fragrâncias. Em 1911, ele lançou o Parfum de Rosine, em homenagem à sua filha, e, ao lado dela, abriu uma empresa dedicada 100% à iniciativa aromática. Ao longo da história, essa troca entre a moda e a perfumaria foi bastante prolífica. Muitas casas de alta-costura, inclusive, só fecham no azul atualmente porque podem contar com os lucros dos famosos frascos vendidos no mundo inteiro a preços muito mais amigos do que suas peças de roupa multimilionárias.
De acordo com Patrícia Diniz, professora de negócios e marketing de luxo na ESPM, essa estratégia é muito eficaz porque atinge um cliente especial: o aspiracional. “É quem, via de regra, não consegue comprar uma peça de roupa, uma bolsa ou um sapato das grandes labels, mas deseja pertencer a esse mundo”, define. Por que, então, demorou tanto para que as grifes de luxo investissem na maquiagem, além de perfumes?
Batom da Hermès no icônico tom de laranja que representa a casa francesa.Foto: Divulgação
Foi somente nos últimos anos que mais marcas transcenderam a bolha da perfumaria na beleza e expandiram o seu portfólio para batons, bases, blushes, iluminadores e paletas de sombras. Hermès, Gucci, Valentino, Dries Van Noten, Christian Louboutin, Carolina Herrera, Burberry e Jimmy Choo são algumas. Antes disso, contudo, o território do make contava apenas com Chanel (a mais antiga, lançada em 1924), Dior e Yves Saint Laurent.
Parte da explicação do fenômeno pode ser contada em números. No ano passado, o mercado de maquiagem estava avaliado em 77 bilhões de dólares, segundo um estudo divulgado pela Fact.MR, uma empresa irlandesa especializada nesse tipo de pesquisa. No mesmo estudo, ela aponta para um futuro ainda mais lucrativo: estima-se que, até 2031, esse número salte para 131 bilhões de dólares. A NPD, outra companhia expert em coleta de dados mercadológicos, divulgou que as vendas de maquiagem de luxo aumentaram em 229% no Reino Unido nas duas semanas que sucederam a reabertura de lojas e restaurantes depois do isolamento social devido à pandemia. Ou seja, o ambiente da maquiagem está mais atraente do que nunca para os negócios.
Em sentido horário, batom vermelho da Burberry Beauty, batons com case intercambiável do belga Dries Van Noten, batom e base cushion da italiana Valentino e batom da britânica Jimmy Choo.Fotos: Divulgação
A democratização do varejo via e-commerce também ajudou muito nessa movimentação. Segundo Bruna Ortega, especialista de beleza do bureau de tendências WGSN, havia consumidores que ficavam intimidados ao entrar nas lojas de maquiagem de luxo. Hoje, no entanto, eles contam com o anonimato online para fazer suas compras sem constrangimento. “Na última edição da pesquisa Beauty Survey, conduzida anualmente pela Euromonitor, 34% dos entrevistados se consideram ‘consumidores digitais de cosméticos’, e esse comportamento promete sobreviver ao fim da pandemia”, aponta.
Ainda assim, fica a pergunta: em um mercado tão saturado quanto o de maquiagem – com marcas e coleções sendo lançadas todos os dias –, há mesmo espaço para o fortalecimento das maisons? “Esse é um mercado dinâmico, em que não existe fidelidade por parte dos clientes. Eles querem testar coisas diferentes e conhecer as novidades que viram na internet. As grifes ainda têm a vantagem de ter o nome conhecido pelo grande público. O segredo é conseguir se conectar com o consumidor mais jovem através das redes sociais, além de manter um portfólio moderno e que converse com as necessidades desse público”, finaliza Patrícia.
Cases de batom desenhados pelo estilista belga Dries Van Noten para sua nova linha de beauté.Foto: Divulgação