Acordar às 5 da manhã, meditar, tomar suco verde, fazer uma longa rotina de skincare e praticar yoga. O visual para isso? Maquiagem natural (para deixar à mostra a pele “perfeita”), cabelo liso, sem volume ou frizz, e roupas e acessórios minimalistas. Essa estética, batizada de “clean look” e que tem as modelos Hailey Bieber e Bella Hadid como imagem central, dominou as redes sociais nos últimos tempos e veio de mãos dadas com o crescimento do movimento wellness. Este, por sua vez, fala sobre priorizar o autocuidado a qualquer custo – ideia que dentro de moldes autoritários e ideais inalcançáveis, acabou se tornando tóxica. Como um ato de rebeldia frente a essa busca pela perfeição, entra em cena o “party girl look”, visual que é quase a sua antítese.
Para entender o que é essa estética, basta fazer uma viagem no tempo aos anos 2000 e reviver as fotos de paparazzi de celebridades como Lindsay Lohan e Paris Hilton saindo de alguma festa com o cabelo bagunçado e a maquiagem meio borrada. Esse visual, de acordo com a pesquisadora de tendências Nina Grando, também tem tudo a ver com essa onda do Y2K e o revival do indie e do emo. Podemos citar ainda as “Tumblr Girls”, as jovens descoladas que faziam sucesso na rede social quase duas décadas atrás. O look de garota festeira de hoje é basicamente o resultado da mistura de todas essas referências.
A Digital Fairy, agência digital especializada em cultura jovem na internet, chama a trend de “night luxe” (luxo noturno) e coloca como parte do lifestyle sair para beber até tarde da noite e comer comidas consideradas gordurosas. “É uma estética que conversa muito com os jovens da geração Z, que, com a pandemia, perderam anos da juventude presos em casa e agora sentem essa vontade de festejar como se não houvesse amanhã. É como se estivessem querendo recuperar o tempo perdido”, explica Nina. Não dá para não mencionar também a influência de Euphoria nesse revival. A série da HBO mostra abertamente a experiência adolescente com festas, álcool e drogas.
E a beleza?
Aqui, o visual é menos polido e mais despretensioso e tem o olho preto como estrela principal – como visto nos últimos desfiles internacionais de marcas como Versace, Roberto Cavalli e Schiaparelli, entre muitos outros. “Acho que o ‘clean look’ se tornou um pouco tedioso, principalmente depois do fim do lockdown. O ‘party girl look’ tem tudo a ver com o desejo reprimido de poder ir em festas e dançar até se acabar. Passa a mensagem de ‘eu quero me divertir muito e me preocupar pouco'”, comenta Katia Araujo, maquiadora nacional da MAC. Para a expert, ele transmite aquela energia de “saí da festa, dormi maquiada, acordei borrada e está ótimo!”.
Para conseguir o look descolado das gatas festeiras, você não precisa encher a cara e voltar para casa às 5 da manhã todos os dias. A dica de Kátia é usar um lápis preto estilo kajal, que é bem macio, pigmentado e esfuma facilmente. “Eu começaria com ele, envolvendo toda a raiz dos cílios superiores e inferiores, contornando todo o olho, mas deixando as pálpebras superiores livres. Depois, usando os dedos ou um pincel médio, esfumaria a linha para ela ficar mais desconstruída, levando a cor para fora. Aliás, levá-la em direção às têmporas deixa o olhar mais sexy e alongado”, ensina a maquiadora. Vale ainda lançar mão de sombras metalizadas, glitters e pedraria para finalizar. A dica é não se preocupar tanto e se divertir.
A quebra com o bem ordenado chega também ao skincare. Se os movimentos de autocuidado incentivaram o uso de máscaras faciais, rotinas de cuidado superelaboradas e prateleiras cheias de produtos, novas marcas de cosméticos surgem com o lema de encarar a vida como ela é: imperfeita. A estadunidense Bad Habit, da influenciadora Emma Chamberlain, tem como slogan “you don’t have to be good all the time to have good skin all the time” (“você não precisa ser boa o tempo todo para ter uma pele boa o tempo todo”). Todos os produtos levam frases como essa em seus rótulos, brincando com mandar mensagens na madrugada (e se arrepender depois), faltar na academia ou ficar com o ex.
A também estadunidense 4AM tem como slogan “no sacrifices, just skincare” (“sem sacrifícios, apenas skincare”). De acordo com o próprio site da marca, a missão deles não é acabar com os “hábitos ruins”, mas ajudar a pele a evitar as consequências deles. Ambas as marcas, além de quebrarem os moldes de perfeição que cercam o cuidado com a pele, têm como objetivo descomplicar a rotina de skincare, tornando-a mais prática e rápida com produtos multifuncionais. Vale aqui ressaltar a diferença na proposta dessas marcas, que tem como público-alvo principalmente a geração Z, e da recém-lançada SKKN by Kim, de Kim Kardashian, que é direcionada aos millennials e reforça a longa rotina de cuidados com a pele, cheia de passos.
O outro lado
Como todas as tendências que ganham força na internet, essa também navega por uma linha muito tênue entre propor uma nova forma de compor um visual e criar mais um padrão de beleza tóxico. Isso porque o conceito da garota festeira conversa também com uma possível volta do “heroin chic” (falamos sobre o assunto aqui), estética que preza pela magreza extrema e romantiza o abuso de álcool e drogas.
Apesar de a pressão estética e social continuar alta sobre os jovens, Nina acredita que o impacto não será tão grande quanto foi nas gerações passadas. “A gen Z tem muito mais acesso a informações e, em geral, é bem mais consciente sobre essas questões. Eles valorizam muito mais imagens reais do que fabricadas. Acredito que a maioria deles vai abraçar essa estética da ‘party girl’ sem necessariamente cair na loucura das drogas e dos padrões estéticos”, opina Nina.
Com essas ressalvas feitas, é importante dizer que todos nós nos beneficiamos desses contrapontos estéticos – algo que, com a obsessão pelo “clean look” e pela cultura do wellness, havia tempo estava faltando. Afinal, quem é que quer se sentir pressionado a estar sempre perfeitamente arrumado?