Conheça o que está por trás do movimento de colar adesivos na rua

A sticker art, vertente artística oriunda do grafite, vem ganhando cada vez mais adeptos, que utilizam a prática como manifestação de arte e de pensamento, desenhando uma nova paisagem urbana.

Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro. É sexta-feira à noite e os artistas Felipe Veríssimo, Lara Gemellaro e Leonardo Castilho se encontram para colar adesivos pelo bairro. Munidos de muitos stickers (como chamam os adesivos em inglês) e olhar apurado, exploram o local a pé, quase sempre olhando para o alto e para os lados. Veem uma oportunidade, lançam mão do extensor (equipamento para colar os adesivos em lugares mais altos), quando necessário, e marcam a cena urbana com arte composta de ideias, caneta, tinta, papel e cola. Arte democrática, arte de todos e para ser vista por todos, que faz da rua a sua plataforma de expressão.

Sem prévia curadoria, sem censura, colam não apenas desenhos próprios, como também de outros artistas, que conhecem ou não pessoalmente. É que um dos pilares do movimento do sticker art, que finalmente tem crescido no Brasil, é o senso de comunidade.

“Uma coisa muito legal do adesivo é que rola uma comunidade mesmo. A gente troca carta, envio pack meu e de artistas daqui do Brasil para artistas de outros países. Aí o meu adesivo é colado em outro lugar, sem que eu esteja lá. E então eu colo aqui no Rio adesivos dos artistas de outros lugares, inclusive de fora”, conta Cast (@castleornardo), nome artístico de Leonardo, que tem sua arte colada em países como EUA, Canadá, Espanha e República Tcheca, uma espécie de intercâmbio cultural. “Eu acho que isso não acontece com nenhum tipo de arte.”

Os artistas compartilham o envio para outros países. Eles reúnem os stickers em uma só remessa, dividem o custo e aí a arte voa, aumentando a sua exposição. Mas a experiência de trocar carta também acontece em nível nacional. Os adesivos têm a vantagem de se espalharem com facilidade, diferente do grafite, movimento que originou o sticker art. A ideia é ter mais arte do que propaganda na rua. Não à toa, costumam encher por completo elementos como caixas e a parte de trás de placas com adesivos diversos, sem deixar espaços à mostra. É o chamado “combo”, item-chave da cultura do sticker art e que possibilita a sua popularização.

 

A prática é cercada de nostalgia e os stickers – como são conhecidos os artistas – ainda têm pastas onde colecionam as artes que trocam, símbolos do imaginário de quem foi criança nos anos 1990.

A maneira como fazem os stickers é tão interessante quanto o conceito do movimento: geralmente, eles combinam o trabalho manual do desenho à impressão na gráfica, mas também há aqueles artistas “old school”, que utilizam a técnica de serigrafia, processo de impressão em tela em que, com a ajuda de uma espátula, a tinta é espalhada no papel para formar os desenhos que, depois, são recortados um por um.

É o caso do VRSM (@vrsm_art), nome artístico de Felipe Veríssimo. O processo de criação dele é bem artesanal, para resgatar o valor do que é feito à mão: “Tenho a ideia, jogo no papel, desenho. Eu desenho muito no free hand, à mão livre mesmo, direto no papel vinílico. Depois, acerto detalhes de contraste no computador e aí imprimo na gráfica ou pelo processo de serigrafia. O processo é bem manual, e eu gosto de participar de todos as etapas”.

Cada arte do Felipe ganha um desenho diferente dentro de um mesmo tema – na maioria das vezes, inspirado nos livros “1984” e “A revolução dos bichos”, ambos do escritor inglês George Orwell.

“Tenho esse personagem, vamos dizer, que são as mãos. As mãos sempre tendo destaque nos meus trabalhos.”

Felipe é artista plástico e trabalhou por muito tempo para galerias, até sentir a necessidade de voltar com a sua arte para a rua (ele pichava na adolescência): “Dei uma enjoada dessa coisa de arte dentro de galeria, concentrada na mão de poucas pessoas. Acho que a arte tem de estar nas ruas, para que um número muito maior de pessoas tenha acesso. Assim, vi o sticker como uma fonte de expressão e de divulgação do meu trabalho”.

Ele busca fazer os passantes refletirem, embora nenhum de seus desenhos tenha, de fato, uma mensagem direta: “Quando a pessoa vê a minha arte e aquela arte passa alguma coisa pra ela, seja positiva ou negativa, mas gera na pessoa um processo reflexivo, acho que já faz sentido. As pessoas andam anestesiadas, nada mais chama a atenção delas. Por isso escolhi o sticker como uma forma de trabalhar na rua. Para o adesivo ser visto, ele tem de ser reparado, ele fica numa placa ou em lugares em que a pessoa tem que ter uma percepção para chegar até ali, olhar. Toda arte é política. Se você faz uma arte e bota na rua, pra mim, é político. Não faço uma arte panfletária, mas você pode interpretá-la de várias formas”.

O sticker art não figura na mente das pessoas como um movimento artístico, com intenção e propósito. Ou melhor, não figurava. Graças a essa nova safra de artistas dispostos a divulgar a prática, formar coletivos e propagar os adesivos como manifestação de pensamento, essa vertente da arte de rua tem ganhado visibilidade e força.

O grande número de placas, postes e caixas de luz tomados por adesivos aponta esse crescimento do movimento no Brasil, mas a história da sticker art é antiga e bem consolidada lá fora. É difícil dizer quem a criou e como ela se propagou, porém, muitos atribuem o início aos anos 1980, com o multiartista estadunidense Shepard Fairey.

Quando ainda era aluno da Rhode Island School of Design, Fairey desenhou, em 1989, adesivos com a imagem do lutador André, o Gigante, e a frase “Andre The Giant Has a Posse” (“André, o gigante, tem uma gangue”). Tratava-se de uma piada interna dirigida ao hip-hop e à subcultura do skate, da qual o artista fazia parte. A turma com quem andava chamava a si mesma de “The Posse”, expressão emprestada pelo hip-hop – estava em hits de grupos como Public Enemy e NWA e do rapper Ice-T.

Fairey distribuiu os adesivos pelas comunidades do grafite e do skate e rapidamente eles estavam colados em várias cidades dos Estados Unidos.

 

Imagem e edição: José Eduardo Pachá e Érica Modesto

Em terras tupiniquins, a prática começou a se destacar em São Paulo, por volta dos anos 2000, quando começou a sair da marginalidade e a ganhar o status “cool”. Vimos essa transição acontecer com o grafite, que sempre foi bem visto, no exterior, pelos brasileiros, que posavam e tiravam fotos em frente a murais, enquanto que no País, esse tipo de arte era objeto de preconceito. Agora temos referências nacionais conhecidas e aclamadas internacionalmente, como o Kobra.

Diretamente ligada à busca pela liberdade de expressão, a arte de rua torna-se viva no momento em que é colocada no espaço urbano e acontece a interação com outros artistas e com o público. Os adesivos contam com elementos de estilo pessoal e as pautas se debruçam nas vivências dos interventores.

A apreciação de Lara Gemellaro (@gemellart) pela arte, por exemplo, tem a ver com a sua necessidade de externar. E, para ela, a rua é o veículo fundamental para esse fim.

“Eu vejo a arte como um ato de desabafo e uma busca por coletividade. A rua é um espaço democrático, de fácil acesso, com uma visibilidade gigantesca. Temos uma cidade rodeada de prédios, muitas vezes com uma atmosfera hostil que limita seu acesso a certos lugares o tempo todo. Então, você usa esse espaço para se expressar, se indignar, passar uma mensagem ou um sentimento. A rua é a nossa galeria, é o meio no qual nos expressamos e somos ouvidos.”

Os layouts de Lara usualmente fazem referência às mulheres e a tudo que as envolve como seres políticos no mundo, embora passem longe de clichês de representações femininas.

Há artistas que apostam na mensagem política nua e crua. É o caso de Pezão (@pezãobh), que faz parte do coletivo BH Sticker e aposta em adesivos de Lula e Bolsonaro, esses últimos com a frase “Fora Bolsonaro Genocida”.

“Eu sou alguém que está na luta das ruas contra o sistema e minha forma de protesto é colar os stickers pelas ruas”, diz o artista.

Já a mensagem “Arte de rua contra o ódio. Viver e deixar viver”, que emoldura o sticker “Fora Bolsonaro Genocida”, vem do projeto No Hate Family, de oito artistas de rua de Colônia, Alemanha. Através de um link doGoogle Drive, eles disponibilizam o template em inglês, português, turco, russo, persa, polonês, italiano, grego, hebraico, francês, espanhol e – ufa! – alemão, para ser baixado de graça e, assim, incentivam a participação de artistas para espalhar o amor pelos quatro cantos do mundo. Que tal aderir?

Viva a sticker art!