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Depois da era das parcerias entre celebridades e marcas de beleza, o mercado dos cosméticos passou a se dedicar com mais afinco à sua relação com artistas, coletivos de arte e museus.

Quando a Gucci decidiu criar uma conta no Instagram para sua então recém-chegada linha de beleza, em 2018, suas primeiras postagens no feed foram uma série de obras de arte que, em alguma medida, se prestavam a relembrar a história da beleza ao longo dos séculos. A curadoria em questão funcionava quase como uma resposta ao ponto de vista branco e excludente que solidificou os padrões hegemônicos que ainda nos perseguem. O que se via por ali era uma seleção plural, que ia desde figuras do antigo Egito e xilogravuras japonesas do começo do século passado até o trabalho de artistas contemporâneos, como o do ganês Amoako Boafo.

A ideia, segundo a marca, era mostrar que a beleza, em vez de estar encapsulada em uma definição sólida ou única, na verdade, é uma troca de experiências multiculturais, um diálogo complexo sempre em andamento. Depois de sustentar um argumento como esse com a ajuda do mundo da arte, era natural imaginar que a Gucci não abandonaria essa relação tão cedo. Até hoje a marca continua lançando mão do crossover entre as pinturas de tela e de rosto. Um dos exemplos mais recentes é a campanha do perfume Bloom Acqua di Fiori, inteiramente ilustrada por jovens artistas independentes. Além disso, a etiqueta italiana também apoia financeiramente instituições importantes, como o Museu Zeitz de Arte Contemporânea, na Cidade do Cabo, África do Sul – dedicado à diáspora da população do continente.

Essa movimentação, contudo, não é exclusiva da Gucci. Nos últimos anos, cada vez mais marcas de beleza têm estreitado laços com museus, galerias, coletivos de arte e artistas independentes. Em junho do ano passado, por exemplo, a marca de skincare de luxo suíça La Prairie organizou uma iniciativa de mentoria para artistas mulheres chamada Women Bauhaus Collective. A ideia era ajudar a reescrever a história do movimento que teve seu auge no começo do século 20 e que, na época, não deu o devido destaque ou reconhecimento às mulheres que o integravam. O projeto rendeu uma exposição virtual e ainda foi apresentado na feira de arte internacional Art Basel, da Suíça.

Grandes museus também têm se beneficiado da parceria com o mundo dos cosméticos. O gigante Metropolitan Museum of Art, de Nova York, já acumula um extenso portfólio de colaborações com empresas como Estée Lauder e celebridades de beauté como a supermaquiadora britânica Pat McGrath. Entre as últimas estão as parcerias com a J Hannah – ao lado da marca de joias, eles criaram uma série de esmaltes com tons inspirados em obras do acervo – e a Le Labo – com quem desenvolveram uma vela que traduzia em aroma a beleza do quadro Underneath the cork oaks, pintura inacabada do francês Henri-Edmond Cross, de 1908. Para instituições que viram suas receitas serem brutalmente reduzidas devido à pandemia – em 2020, o número de visitantes caiu 77% segundo uma pesquisa do The Art Newspaper –, o licenciamento tem sido um horizonte possível no enfrentamento da crise. Mesmo antes da dissipação global da Covid-19 – que obrigou o mundo todo a ficar dentro de casa –, essa estratégia já vinha sendo aplicada com algum sucesso. Em 2018, por exemplo, o Museu do Palácio, em Pequim, lucrou 222 milhões de dólares com suvenires inspirados nas obras que ele resguarda em seu acervo.

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A especialista em aromas Le Labo fez jus a seu status cult e fez uma collab com o Metropolitan Museum of Art Foto: Divulgação

Para as marcas de beleza, essa é uma maneira de renovar seu argumento de venda em um mercado saturado e ultracompetitivo. A Nars, inclusive, faz isso há anos – Andy Warhol e Man Ray já foram tema de coleções em 2012 e 2017, respectivamente. O trabalho da fotógrafa Sarah Moon também já esteve no cerne de uma linha de sombras, blushes, esmaltes, delineadores, cílios postiços e batons – as embalagens desses produtos eram decoradas com os cliques da francesa. “É um desafio nadar contra a maré e trazer nomes não tão conhecidos do público internacional como ela. Mas é por isso que sabemos que a relação da Nars com a arte é tão genuína”, explica Rafaella Crepaldi, embaixadora da marca no Brasil. São trabalhos como esses que abriram caminho para uma nova geração de neo-brands, que nascem com o elo artístico em seu DNA. É o caso da Pleasing, fundada pelo pop star Harry Styles. Em setembro do ano passado, eles anunciaram uma parceria com o designer brasileiro Marco Ribeiro – nascido em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e radicado em Paris. Na collab, as cores e formas de seus objetos vestíveis, que ganharam o mundo, são o ponto de partida para um set de esmaltes, um moletom, um gloss e uma paleta de pigmentos prensados.

Por fim, o futuro reserva um fator tecnológico somado a essa relação entre arte e make. Talvez o melhor exemplo contemporâneo disso venha da MAC. A mais recente edição da Viva Glam – uma iniciativa que apoia mulheres em situação de vulnerabilidade, a população LGBTQIAP+ e as pessoas que convivem com HIV/aids – homenageia Keith Haring e, além dos batons, também vende uma coleção de NFTs. Nesse caso, elas vieram em forma de ilustrações animadas, que unem os produtos da marca a alguns dos trabalhos mais reconhecidos do artista, que é um dos mais célebres personagens da arte queer estadunidense. 

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A NARS já fez coleções inspiradas em gênios da pop art como Andy Warhol e Keith Haring Foto: Divulgação