Inspiração, homenagem ou cara de pau?

De Led Zeppelin a Adele, relembre acusações de plágio famosas na música e seus desfechos nos tribunais.

Desde que o mundo (da música) é mundo, vez ou outra surgem casos de acusações de plágio em canções. E isso não quer dizer simplesmente fazer uma versão de uma música que já existe sem as devidas autorizações, dessas em que é fácil identificar a canção original. 

Há casos em que ouvidos menos treinados podem nem perceber a semelhança, mas, ao chegar aos tribunais, os embates são acalorados. Quem poderia imaginar, por exemplo, que o compositor de “Mulheres”, sucesso na voz de Martinho da Vila, acusaria a britânica Adele de plagiar a canção? “A figura do plágio tem mais a ver com uma espécie de usurpação. É como se eu declarasse que sou criador de algo, compositor, sem ser”, explica Tiago Barbosa, advogado especialista em direito autoral. “A gente consegue aferir se é efetivamente um plágio comparando um conteúdo com outro. Se houver uma coincidência dos sinais distintivos, que são as características que tornam determinada criação única, aquilo que traz o DNA dela, temos um caso. E pode ser tanto um pequeno trecho de um instrumental quanto um grande. Quanto maior o uso, maior a caracterização do plágio”, completa o advogado. 

Para o produtor musical João Marcello Bôscoli, as linhas são muito tênues e vêm mudando ao longo do tempo. “Historicamente, o que sempre determinou se é um plágio ou não é a melodia. São as 12 notas da escala cromática. Então, por meio dos intervalos, da melodia em si, você tinha uma decisão. O que mudou recentemente foi um ganho de causa da família do Marvin Gaye contra o Robin Thicke e Pharrell Williams por ‘Blurred lines’.” (Leia mais abaixo.) 

O caso abriu uma nova jurisprudência porque os herdeiros de Gaye alegavam cópia sem citar a melodia, segundo Bôscoli. “Aí entrou numa blurred line (linha borrada) mesmo. Eles diziam que o clima, a atmosfera do arranjo, o conjunto de decisões da área rítmica, os timbres, tudo aquilo, embora não tivesse a melodia, parecia a música. Lá (nos EUA) o peso da jurisprudência é muito grande. Aí virou uma loucura, abriu a porteira. Porque até então era ‘se a melodia é parecida, beleza; se a melodia não é, não temos um caso’”, explica.  

Outro episódio que virou notícia e chegou ao fim recentemente também envolve uma canção de Marvin Gaye, mas, dessa vez, quem saiu vitorioso foi Ed Sheeran, processado por plágio. O britânico chegou a dizer que abandonaria a carreira caso perdesse nos tribunais, pois o que a acusação alegava ser cópia eram progressões muito básicas, presentes em qualquer música. “O Ed Sheeran realmente tem um ponto, até porque ele é um cara muito competente musicalmente. Chega uma hora em que é difícil não esbarrar em algo que já foi feito”, avalia Bôscoli.  

Barbosa tem opinião semelhante. “As pessoas usam referências, têm estéticas parecidas, coisas que trazem uma semelhança muito grande. Isso não exclui a possibilidade de haver coincidência. Não quer dizer que necessariamente exista a intenção de observar o outro criador para poder reproduzir na sua criação aquilo que o outro fez. O problema reside no uso do conteúdo da obra plagiada, e não efetivamente na criação do plágio”, afirma. 

Ou seja, mais do que o plágio em si, o uso que se faz dele é que acaba por ter mais peso na Justiça. “Enquanto a pessoa está criando, gravando, fazendo algo que tem a ver com o uso de conteúdo de terceiro, nós estamos no campo da criação. Se o uso desse material for, por exemplo, acadêmico, institucional, alguma coisa assim, acho que começa a criar uma nuance de prejudicar menos o detentor. Quando a gente fala de uso comercial, ou seja, distribuição nas plataformas de streaming, sincronização em cinema ou publicidade, aí já me parece que a ideia é fazer dinheiro não remunerando os detentores. E começa a aumentar o problema”, completa o advogado. 

A seguir, conheça casos famosos de plágio e tire suas próprias conclusões. 

Adele x Martinho da Vila

Em 2021, Toninho Geraes, compositor de “Mulheres” (1995), sucesso na voz de Martinho da Vila, acusou Adele de copiar 88 compassos – o equivalente a 87% de seu hit – na faixa “Million years ago” (2015). A música é uma parceria da britânica com o produtor Greg Kurstin, e Geraes reivindica o crédito como coautor, o recebimento de royalties e uma indenização por danos morais. Kurstin diz em suas redes sociais ser um estudioso da música brasileira e saber tocar berimbau. Duas notificações extrajudiciais já foram enviadas, mas não houve resposta, e o caso ainda não teve uma definição. 

Adele

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Martinho da Vila

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Ed Sheeran x Marvin Gaye

Ed Sheeran venceu em maio deste ano o processo movido contra ele e “Thinking out loud” (2014) pelos herdeiros de Ed Townsend, coautor de “Let’s get it on” (1973) com Marvin Gaye. Eles alegavam haver ritmos e progressões de acordes semelhantes nas duas canções. Durante o julgamento, o britânico tocou no violão, cantou “Thinking out loud” e afirmou que abandonaria a carreira se perdesse o caso. Outra faixa de Marvin Gaye, “Got to give it up” (1977), também esteve envolvida em um processo em 2015, quando seus herdeiros ganharam uma briga nos tribunais e 7,3 milhões de dólares de Pharrell Williams e Robin Thicke, acusando-os de copiá-la em “Blurred lines”, de 2013. 

Ed Sheeran

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Marvin Gaye

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Led Zeppelin x The Spirit

O riff da abertura de “Stairway to heaven” (1971), um dos maiores sucessos do Led Zeppelin, motivou uma briga nos tribunais que começou em 2014 e só teve fim em 2020, com vitória da banda de Jimmy Page e Robert Plant. O administrador dos bens de Randy Wolfe, do grupo estadunidense The Spirit, acusava os britânicos de terem copiado um trecho da canção “Taurus” (1968), faixa composta por Wolfe. Ele alegava que o Led Zeppelin teria feito um show de abertura para o The Spirit em 1968, mas Page afirmou não se lembrar de ter ouvido a música à época, e o júri concluiu que as faixas não eram parecidas. 

Led Zeppelin

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The Spirit

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Rod Stewart x Jorge Ben Jor 

Um dos mais famosos casos da indústria – e talvez evidentes, mesmo aos ouvidos mais leigos – envolveu “Da ya think I’m sexy” (1978), de Rod Stewart, e o hit “Taj Mahal” (1975), de Jorge Ben Jor. Em 1979, o brasileiro acusou o escocês de copiar a melodia de sua canção, mas desistiu do processo quando Stewart anunciou que doaria o lucro da faixa para a Unicef – e até hoje não aparece nos créditos da faixa. Em 2012, o próprio Stewart admitiria em sua biografia um “plágio involuntário”, pois veio ao Brasil no Carnaval de 1978, época em que “Taj Mahal” havia sido relançada e fazia sucesso. Segundo ele, a melodia “se alojou” em sua memória.   

Rod Stewart

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Jorge Ben Jor 

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The Verve x Rolling Stones 

Levou 22 anos, mas teve reviravolta e final feliz a batalha entre The Verve e Rolling Stones pelos direitos de “Bitter sweet symphony”. Lançado em 1997, o sucesso do The Verve tinha em seu início um sample de “The last time”, de 1965, dos Stones, mas em uma versão orquestrada de Andrew Loog Oldham, a quem o grupo pediu autorização. Faltou, no entanto, a liberação da banda de Mick Jagger. Vocalista do The Verve, Richard Ashcroft perdeu a briga nos tribunais e foi obrigado a repassar 100% dos direitos da canção, em seu auge, a Mick Jagger e Keith Richards. Em 2019, no entanto, os membros dos Stones anunciaram que estavam devolvendo a Ashcroft os direitos autorais da canção e retirando seus nomes dos créditos. Vale lembrar que a própria “The last time” foi inspirada em “This may be the last time”, de 1956, do grupo The Staple Singers.  O suposto plágio do plágio também acontece.

The Verve

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Rolling Stones 

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The Staple Singers

 

Radiohead x Lana Del Rey 

No início de 2018, Lana Del Rey afirmou publicamente que estava sendo processada pelo Radiohead, que pedia 100% dos direitos autorais da faixa “Get free” (2018), da cantora, alegando que era um plágio do megassucesso “Creep” (1993). Os britânicos, no entanto, rebateram que não havia processo, mas sim uma conversa. Alguns meses depois, a cantora, por sua vez, ao introduzir a faixa durante um show, comentou que o processo havia terminado, sem esclarecer os termos. Com ou sem briga nos tribunais, o fato é que o próprio Radiohead perdeu uma batalha após uma acusação de que a mesma “Creep” seria cópia de “The air that I breathe” (1974), do grupo The Hollies, e foi obrigado a incluir os autores nos créditos da faixa.   

Lana Del Rey 

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Radiohead

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The Hollies (o próprio Radiohead por sua vez foi acusado por essa banda de plágio em “Creep” e teve de incluir os autores nos créditos)

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Manu Dibango x Michael Jackson e Rihanna 

Uma referência mundial do afrojazz, o saxofonista camaronês Manu Dibango procurou a Justiça por mais de uma vez reivindicando direitos pelo uso indevido de sua composição “Soul Makossa” (1972). Primeiro foi Michael Jackson, pelo trecho “mama say mama sa, ma ma kossa”, que encerra “Wanna be startin’ somethin” (1982). Tudo parecia resolvido quando os dois chegaram a um acordo sem precisar de julgamento. Em 2007, no entanto, Dibango voltou a reclamar pelo mesmo motivo, dessa vez incluindo Rihanna em sua ação: Jackson a autorizou a usar um trecho de “Wanna be startin’ somethin” em “Please don’t stop the music” (2007), mas o camaronês não foi procurado. Ele morreu em 2020 e até hoje seu nome não aparece nos créditos das faixas.   

Michael Jackson

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Manu Dibango

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Rihanna (Michael liberou a música para ela, e aí o Manu reclamou de novo)

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