Em fevereiro de 2021, quando a Becca Cosmetics, marca estadunidense de maquiagem, anunciou que fecharia suas portas no final do ano, ela surpreendeu toda a comunidade de beleza.
Com duas décadas de história e conhecida por seu portfólio de iluminadores poderosos, havia a sensação de que ela havia atingido a estabilidade no mercado. De acordo com o anúncio divulgado no Instagram, a razão do encerramento das atividades foi “o acúmulo de desafios, juntamente com o impacto global da Covid-19”.
Nos anos seguintes, outras marcas seguiriam os seus passos. É o caso da Tati Beauty, da YouTuber Tati Westbrook, e da Makeup Geek, da também criadora de conteúdo Marlena Stell. A Bite Beauty, uma das primeiras marcas de make vegano a alcançar o mainstream nos Estados Unidos, também anunciou o fechamento das portas.
E, no ano passado, a Forma Brands, a empresa mãe da Morphe, famosa por lançar coleções de maquiagem em colaboração com influenciadores, declarou falência e avisou que não haveria mais nenhuma loja da marca até o final de 2023. O grupo também era dono da R.E.M. Beauty, da cantora Ariana Grande, que conseguiu comprá-la de volta no começo deste ano.
O último anúncio a chocar o setor foi a de que o grupo Amyris também havia declarado falência e encerraria as atividades de duas de suas marcas de beleza: a Costa Brazil, fundada pelo brasileiro Francisco Costa, ex-designer da Calvin Klein, e a Onda Beauty, da atriz Naomi Watts.
A empresa, que é também dona da famosa Biossance e tinha planos de ser o primeiro grande conglomerado de beleza natural do mundo, viu suas vendas despencarem de 175,5 milhões de dólares, em 2022, para 59 milhões, em 2023. Suas outras marcas, como a Rose Inc, da modelo Rosie Huntington Whiteley, e a JVN Hair, do cabeleireiro estrelado Jonathan Van Ness, foram colocadas à venda.
Os sinais de que o mercado está passando por transformações não param por aí. De acordo com o Bloomberg, a influenciadora Kylie Jenner estaria estudando comprar de volta a Kylie Cosmetics, que em 2020 teve 51% de suas ações vendidas para a Coty por 600 milhões de dólares. A notícia surge um mês depois dos rumores de que sua irmã Kim Kardashian também estaria planejando fazer a mesma coisa com a SKKN, a sua linha de skincare.
Com todos esses acontecimentos, é impossível não se perguntar: será que o mercado de beleza está em crise?
Essa não é uma pergunta simples de responder. Apesar dos encerramentos citados, desde 2020 também temos visto um número recorde de marcas surgindo – a maioria delas associada a nomes conhecidos do entretenimento.
De acordo com um levantamento realizado pela revista The Cut no ano passado, existem mais de 60 marcas de beleza fundadas por celebridades só nos Estados Unidos. Talvez seja justamente aqui more a resposta à nossa dúvida.
“Acredito que a taxa de encerramento hoje seja proporcional à quantidade de marcas que estão nascendo. É uma matemática mais simples do que a gente imagina: por exemplo, quando você tem 100 marcas e uma taxa de fechamento de 15% em até dez anos, isso quer dizer que 15 delas vão fechar até o fim desse período. Quando aumentamos o número para mil, a quantidade de encerramentos aumenta proporcionalmente”, pondera Carla Ramalho Panicio, especialista em negócios e marketing de beleza. Um parênteses aqui: ainda não existem estudos concretos que apontem que o fechamento de marcas aumentou para além da porcentagem já esperada.
A expert reflete ainda que, como a nossa relação com o universo de beauté tem se tornado mais íntima e intensa, principalmente por causa das redes sociais e das figuras famosas atreladas às marcas, acabamos sentindo ainda mais o encerramento de algumas delas.
“Sem contar que, com o maior acesso à informação, somos impactados por essas notícias com maior frequência”, adiciona. Tudo isso aumenta a sensação de que estamos em um período sensível no mercado como um todo, o que, por enquanto, ainda não parece ser uma realidade.
O que podemos dizer com confiança é que esse é sim um setor cada vez mais competitivo e, diferentemente do que os mais otimistas dizem, não existe espaço para todo mundo. Cases de sucesso, como Fenty Beauty, de Rihanna, e Rare Beauty, de Selena Gomez, criaram a sensação de que abrir um negócio de beleza era a garantia de lucro e estabilidade, fazendo com que novas marcas surgissem dia sim, dia não, tornando o mercado saturado.
“O mercado de beleza é, acima de tudo, sobre o produto. Sobre cheiro, textura, duração. Sobre o resultado. Se o produto não for bom, não interessa quem você é.”
Iza Dezzon
Muitas delas, aliás, são lançadas sem visão clara de negócio ou planejamento adequado – isso explica por que, por exemplo, a Le Domaine, de Brad Pitt, tem baixado radicalmente os preços de seus produtos (um sérum que custava 385 dólares agora está à venda por 275) e a Haus Labs, de Lady Gaga, precisou passar por uma reformulação total.
“Elas chegam ao mercado desatualizadas em relação à concorrência e acreditando que o consumidor aceita qualquer coisa em termos de performance. Existem ainda marcas financeiramente inviáveis, com produtos tão caros a ponto de se tornarem impossíveis de serem consumidos pelo público ao qual se destinam”, opina Carla.
Quando questionamos a pesquisadora de tendências Iza Dezzon sobre o futuro das marcas de celebridades, que tem dominado boa parte desse business, ela diz que, apesar de elas já terem certa vantagem com relação à conexão com o público, isso não é uma garantia de sucesso.
“O mercado de beleza é, acima de tudo, sobre o produto. Sobre cheiro, textura, duração. Sobre o resultado. Se o produto não for bom, não interessa quem você é”, comenta a expert. É por isso que, de acordo com o The New York Times, a maioria dessas marcas é um grande flop.
Ainda assim, os bons negócios de beleza têm muita possibilidade de crescimento: a previsão é de que o mercado global de cosméticos gere o faturamento de 460 bilhões de dólares este ano, número que deve chegar a 580 bilhões até 2027. Mesmo a maquiagem, uma categoria que caiu consideravelmente durante a pandemia, deve chegar à taxa de crescimento anual (CAGR) de 7% nesse mesmo período.
Um estudo anual realizado pela McKinsey revelou ainda que 69% dos consumidores estão dispostos a testar novos produtos pelo menos a cada seis meses, dando oportunidade para que boas marcas possam conquistar espaço.
“É um mercado com potencial, que tem crescido muito e dá voz a muita gente. Porém, para navegar nesse oceano, é preciso planejamento, dedicação, dinheiro e também respeito aos processos”, finaliza Carla.