“Ela não vem mais!”

Lady Gaga faz 15 anos de carreira em 2023. Eu nunca vi a cantora (e isso é até um fato tragicômico), mas ela participou dos momentos mais íntimos de metade da minha vida.

 

Hoje eu assisto a esse videomeme, em que um homem grita da janela do carro “ela não vem mais” e consigo rir da desgraça com a mesma capacidade com a qual me compadeço. E explico: eu fui, quando ela não foi. No fatídico 14 de setembro de 2017, o dia em que Lady Gaga tuitou “Brazil I’m devastated” e deixou a sua fanbase plantada na frente de um hotel, em Ipanema, no Rio, eu estava lá. 

Havia pedido folga do estágio, juntado uma grana, pegado o avião e me hospedado na mesma região que a da minha diva. E lembro da conversa que tive com meu amigo, Eduardo, que enfrentou a saga ao meu lado. No táxi amarelo, falamos em voz alta: “Uma hora dessas, ela está no mesmo bairro que a gente!” Paramos para comer e foi mais ou menos na segunda empada de camarão do Edu que nós recebemos a enxurrada de mensagens. Ela havia cancelado a apresentação.

O Rio queimava com o sol, só que o clima era de completa tragédia. As pessoas estavam chocadas nas ruas, e a televisão da lanchonete mostrava os fãs chorando na praia. Naquele dia, decidimos encher a cara no quiosque mais perto, gastamos boas horas incrédulos, olhando para o mar e passando drinques no cartão de crédito. À noite, o vizinho da casa em que estávamos hospedados, por gosto ou maldade, soltou hits da nossa artista preferida. Eu fui dormir devastado, bêbado e com o Edu soluçando de raiva no quarto ao lado.  

Neste final de 2023, Lady Gaga completa 15 anos de carreira e eu chego aos 30. Sigo sem ter visto a lenda de perto, mas olho em retrospecto uma relação íntima. Em 19 de agosto de 2008, Stefani Germanotta lançava o seu álbum de estreia, The fame. Com ele, ganhou seis discos de platina e cinco indicações ao Grammy e levou para casa o prêmio de melhor álbum eletrônico do ano. Ela foi parar no topo das paradas com “Just dance”, “Paparazzi” e “LoveGame” e me pegou com faixas menos conhecidas, como “Brown eyes” e “Paper gangsta”. 

Lady Gaga

 

Eu estava em plena adolescência, juntando frações do mundo ao meu redor para entender quem eu era e, dado a uma boa imagem, a cantora de peruca com laço de cabelo na cabeça e vestido de bolhas chamou a minha atenção. Superinfluenciada por Madonna, Gaga foi o vetor para eu entender esse e outros ícones do pop que pavimentaram o seu caminho, como Michael Jackson, David Bowie e Freddie Mercury – Gaga vem de “Radio Gaga”, do Queen. 

Eu e minhas amigas do colégio combinávamos de correr para a casa e acompanhar as estreias de seus clipes. Ouvi muito Born this way (2011) no Clube Glória, me apaixonei horrores por volta do Artpop (2013) e, ainda bem, Gaga escreveu sofrências o suficiente em Joanne (2016), para eu cantar quando a solteirice pegou. Até mesmo em 2020, com o lançamento de Chromatica, ela me ajudou a passar pela pandemia. As festas de Zoom eram ao som desse álbum e, quando pude reunir amigos mais uma vez, esse foi o disco da celebração. 

Acontece que, mais do que trilha de boa parte da minha vida, Gaga também me apresentou muito. Me apresentou a moda, por exemplo. Do visual com maiô e capuz, influenciado por Grace Jones, passando pelo vestido de carne, ideia de Val Garland, e chegando ao longo de látex vermelho, quando ela cantou para a rainha Elizabeth. E como esquecer os sapatos Armadillo? Com eles, ela tirou Alexander McQueen do universo insider fashionista. Adoro que Lady Gaga me apresentou McQueen. Adoro que McQueen gostava de Lady Gaga. 

Eu estava em plena adolescência, juntando frações do mundo ao meu redor para entender quem eu era e, dado a uma boa imagem, a cantora de peruca com laço de cabelo na cabeça e vestido de bolhas chamou a minha atenção.

E não parou por aí. Acompanhando Gaga, aumentei o meu vocabulário e olhar adolescentes, com as fotos de Nick Knight e Terry Richardson, ou as suas colaborações com Donatella Versace, Tom Ford, Brandon Maxwell e Nicola Formichetti – isso só para citar alguns. 

E se ela não só me deu mais certezas da carreira, ajudou também a me sentir mais confortável com quem eu sou. Lembro que pedir o disco The fame monster no Natal de 2009 foi assinar a minha carta gay para a família. Acontece que fã de Gaga só podia ser viado. E não digo que ela me fez entender a minha sexualidade ou me ajudou a sair do armário, mas enquanto eu ouvia “Bad Romance”, “Telephone” e “Alejandro”, uma parte de mim tinha a certeza de que eu falava sem precisar dizer. Era o suficiente para aquele momento.  

Mas Lady Gaga também encorajou seus fãs, os little monsters, a expressar: “No matter gay, straight or bi, lesbian, transgendered life, I’m on the right track, baby, I was born to survive” (Não importa a vida gay, hétero ou bi, lésbica, transgênero, eu estou no caminho certo, querido, nasci para sobreviver). 

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E, que bom, a sua relação com a comunidade LGBTQ foi além dos hits. Gaga foi palestrante da Marcha Nacional pela Igualdade em 2009, em Washington D.C. Não à toa, em 2021, cantou o hino nacional estadunidense na posse do atual presidente dos EUA, Joe Biden. Usando Schiaparelli, de Daniel Roseberry, e uma pomba dourada no peito, representando a liberdade, sua imagem era significativa após anos de governo trumpista e escalada da direita conservadora. 

Ainda bem que eu fui naquele 14 de setembro. Conheci uma amiga que segue comigo até hoje rindo dessa história. E ainda bem que eu sigo fã de Lady Gaga, talvez hoje um pouco mais distante do que aquele Gabriel com 15. Ou, talvez, só diferente. Mas ela mudou também.  

Dona de mais de 36 indicações ao Grammy e 13 gramofones dourados, em 2019, Gaga se tornou a primeira pessoa na história a ser premiada no Grammy, Oscar, Bafta e Globo de Ouro em um único ano. Mais recentemente, no entanto, decidiu fazer uma incursão maior pelo jazz com Cheek to cheek (2014), ao lado de Tony Bennett, e tentar uma carreira como atriz, em American horror story: hotel (2015), A star is born (2016) e House of Gucci (2021). 

Aquela artista, lá de 2017, realmente não vem mais, tampouco volta quem eu fui lá atrás. Mas segue a admiração por sua paixão pelo trabalho, pela montação e por sua capacidade de se expor, não temer o ridículo e seguir o próprio desejo.