Power players da beleza

Julia Petit: de ícone na internet à dona da marca de skincare mais queridinha das redes sociais.

Se você estava na internet no final dos anos 2000, com certeza aprendeu algum truque de maquiagem ou cabelo com Julia Petit. Ícone absoluto entre as millennials, principalmente as apaixonadas por beleza, a paulistana ficou conhecida por criar um conteúdo leve e bem-humorado para o seu site, Petiscos. 

Entre 2017 e 2018, quando decide tirar um período sabático e encerrar as atividades do site, Julia começou a desenvolver a Sallve, uma marca de cosméticos que hoje conta com um portfólio de mais de 30 produtos. Nativa digital e com uma comunidade fortíssima nas redes sociais (são 1 milhão de seguidores só no Instagram), a marca é hoje uma referência no segmento de skincare. 

Mas Julia, sempre inquieta e curiosa, como ela mesma se define, queria mais. Foi assim que, este ano, ela trouxe de volta a Contém 1g, uma marca brasileira de maquiagem que foi hit entre os anos 1990 e 2000. 

Neste bate-papo, a empresária compartilha sua trajetória, desde o seu começo na internet até decidir empreender no mercado de beleza, e conta os bastidores de suas marcas.  

 

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Qual foi seu primeiro contato com a beleza?

A beleza sempre esteve presente na minha vida, desde muito novinha: minha mãe amava o assunto e meu pai tinha uma agência de publicidade, então eu convivia com pessoas desse universo. Quando comecei a trabalhar com ele na agência, aos 15 anos, fui conhecendo de verdade os profissionais de beleza, uma geração de artistas que inventou tudo – os salões, os looks, as imagens icônicas. Tive muita sorte de conhecê-los no começo de suas carreiras e me tornar amiga deles, pois foi assim que esse mundo se abriu completamente para mim. Na época, o mercado ainda era quase artesanal, quase não havia produtos. Não tinha base, babyliss, finalizador de cabelo, variedade de esmaltes coloridos. Lembro do Duda Molinos (beauty artist) trazer um gel caseiro feito no sul, porque ainda não tinha aqui. Lili Ferraz (também beauty artist) misturando um monte de pancake colorido para fazer maquiagem artística. Eram lições de como fazer mágica com muito pouco! Era a definição de arte. E, como eu sempre fui muito curiosa, me encantei e quis aprender. A gente tinha uma troca muito rica. Até acho que meu gosto por falar e ensinar maquiagem vem disso.  

“Na época, o mercado ainda era quase artesanal, quase não havia produtos. Não tinha base, babyliss, finalizador de cabelo, variedade de esmaltes coloridos.”

Você começou a trabalhar com internet bem no comecinho de tudo. Como essa paixão por beleza virou criação de conteúdo? 

A ideia de criação de conteúdo nem existia. A gente só fazia posts aleatórios. (risos) Mas, basicamente, fazia o que eu faço hoje. Sempre gostei de dar dicas de make. E minhas amigas começaram a dizer que eu deveria fazer vídeos ensinando o que eu sabia. Isso já existia no YouTube, mas não era tão popularizado quanto é hoje. Eu mesma não assistia nada. Era tudo muito primitivo. A gente gravava com umas câmeras de baixíssima qualidade. Eu ainda tive a sorte de ter um estúdio de som, mas aí as imagens não condiziam com o áudio, sabe? Era um caos! Mas as pessoas rapidamente começaram a consumir esse conteúdo e amar o que eu estava fazendo. A sensação é a de que todo mundo estava descobrindo um mundo novo, com o qual ainda não havia tido contato. Ninguém sabia o que era um delineador. Tinha um lápis e um batom na gaveta. Era uma época em que as pessoas estavam muito interessadas em aprender.

Como surgiu a Júlia empreendedora? Ter uma marca sempre foi um desejo seu?

Dia desses, meu sócio estava me contando que a filha dele começou a vender pulseiras para as amigas. E lembrei que, quando tinha 10 anos de idade, eu também vendia pulseiras. Sempre gostei de ver meu pai trabalhar. Achava a ideia de ter um trabalho o maior barato. (risos) Mas, tirando as pulseiras, durante minha vida, eu basicamente fui abrindo negócios de coisas que eu sabia fazer: já tive estúdio e produtora de eventos, por exemplo. E sempre com amigos e pessoas que me puxavam para fazer parte, nunca foi só sobre mim. Sinto que sou empreendedora porque sou inquieta e gosto de inventar coisas novas. Mas tive pessoas que me levaram pelo caminho. 

E a ideia de começar uma marca de beleza?

Quando eu tinha o blog, fiz uma collab com a MAC – e essa experiência foi um grande divisor de águas porque tive muita liberdade para criar e participar de tudo. Eu podia fazer o que quisesse e tinha uma lista infinita de opções. Então, resolvi olhar para a minha comunidade e entender o que ela queria. A partir disso, escolhi todos os produtos da coleção. E foi um sucesso absoluto! Isso acendeu uma luz dentro de mim, porque eu estava criando conteúdo e educando sobre beleza. Mas percebi que eu poderia também entregar produtos que as pessoas precisavam e desejavam. Quando resolvi encerrar o Petiscos, tirei um ano para pensar sobre o que eu queria fazer, mas já me sentia pronta para fazer algo acontecer. No meio do meu sabático, conheci o Daniel e a Márcia, meus sócios, e eles estavam com um projeto de negócio muito parecido com o que eu tinha. A partir disso, as coisas aconteceram. 

“Estava criando conteúdo e educando sobre beleza. Mas percebi que eu poderia também entregar produtos que as pessoas precisavam e desejavam.”

Por que uma marca de skincare, e não de maquiagem ou produtos para o cabelo? 

De verdade, minha decisão foi baseada no tamanho do mercado e em quanto ele ainda era pouco explorado no Brasil. Amo maquiagem, mas já existia muita marca legal. Não sentia que existia a urgência de criar algo novo. Ao contrário, a parte de skincare ainda era muito baseada em produtos gringos. Até as conversas eram baseadas no que esse público, que é tão diferente do brasileiro, desejava. Vi uma oportunidade de tratar esses consumidores com dignidade, com produtos que eles precisassem de verdade, com um skincare que fosse genuinamente nacional. 

A Sallve é uma marca nativa digital e tem uma comunidade muito forte. Como ela impacta o que vai ser lançado? 

A gente fala que tudo na Sallve começa com uma conversa. Nós não fazemos nenhum produto sem antes falar com a nossa comunidade. É lógico que temos pesquisas (o quiz da marca, por exemplo, já foi respondido mais de um milhão de vezes), a quantidade de dados que temos é enorme, mas o que é muito único no que fazemos é que usamos todos esses conhecimentos para de fato sentar e ter conversas. E nós conhecemos as pessoas de verdade. Queremos saber onde elas moram, quem são seus familiares, o que elas gostam de fazer. Nós, de fato, criamos uma comunidade – não é uma palavra que usamos porque está na moda. Juntamos grupos pequenos para que todo mundo se sinta à vontade para explorar desconfortos e tenha tempo de se expressar. Às vezes, não temos nem assuntos definidos. A gente só bate papo mesmo, fala sobre como está a vida – e são nessas conversas que saem coisas que não aparecem em pesquisas macro. 

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O lançamento do Hidratante Antiatrito é um exemplo disso? 

Com certeza. A assadura é um problema que, apesar de ninguém falar, incomoda muita gente. Mas o tópico apareceu, por acaso, em uma dessas conversas com a comunidade. Isso não estava em nenhuma pesquisa, mas a gente percebeu que havia algo importante ali. O Hidratante Antiatrito é um produto que mudou a vida de muitas pessoas. As histórias compartilhadas são emocionantes. Existem relatos de gente que não conseguia usar saia ou não se sentia confortável para passar o dia na praia de biquíni só porque sofria muito com o atrito e as assaduras. O Hidratante Antiatrito mudou isso. Nós produzimos o produto, mas quem o criou foi a nossa comunidade. 

Como você consegue criar produtos de alta performance com valores acessíveis?

No começo, tivemos como diferencial o fato de termos investimento, porque, para uma empresa com produção pequena entregar produtos acessíveis, é realmente mais difícil porque o custo fica muito alto. Nossos investidores, que são bastante experientes, confiam muito na gente e acreditaram no nosso modelo de negócio. Nós sempre tivemos a tranquilidade de que, quando chegássemos a um número específico de clientes, a produção ficaria mais barata e o prejuízo deixaria de existir. E foi o que aconteceu. Mas sinto também que a Sallve veio para mudar algumas concepções: a bisnaga, usada na maioria de nossos produtos, é um dos tipos de embalagem mais simples, mas nós as deixamos lindas. Não precisamos de potes caríssimos, que vão usar uma porcentagem alta de custo de produção e não vão fazer diferença na vida do consumidor. Além disso, o fato de sermos nativos digitais ajudou muito porque não tínhamos terceiros envolvidos na venda, e nossa comunidade sempre se sentiu à vontade para comprar pela internet. O desejo era fazer uma marca acessível, com performance boa e experiência gostosa, e de que as pessoas realmente gostassem. A Sallve nasceu para ser uma marca que as pessoas têm orgulho de usar. 

“A ideia de que não temos qualidade aqui é a famosa síndrome de vira-lata. Fico muito feliz de estar contribuindo para mudar essa mentalidade.”

Muita gente fala que os laboratórios brasileiros não são tão desenvolvidos quanto os de fora e, por isso, muitas marcas buscam tecnologias gringas, principalmente no skincare. Como você vê isso? 

O Brasil é muito famoso por sua produção científica, em todas as áreas. Somos um dos países mais famosos do mundo em termos de dermatologia. O nível é realmente muito alto. E na Sallve nós temos uma equipe de engenheiros químicos que é incrível – e são pessoas olhando para a pele brasileira! Também temos excelentes fornecedores de matéria-prima aqui. Então, a ideia de que não temos qualidade aqui é a famosa síndrome de vira-lata. Fico muito feliz de estar contribuindo para mudar essa mentalidade.

Como foi a chegada da Sallve nas farmácias? 

No meio da pandemia, fizemos uma espécie de turnê da Sallve e conversamos, por videoconferência, com pessoas de todos os estados do Brasil. Começamos pelo Acre e terminamos em São Paulo, passamos por capitais e cidades do interior. Nesses bate-papos, descobrimos que as pessoas queriam que a Sallve estivesse mais perto delas. Começamos a questionar qual era o canal mais legal para fazermos isso e a resposta foi a farmácia. A justificativa é que era um ambiente familiar, que não intimidava e que estava presente em todas as cidades, e trazia a sensação de vizinhança, sabe? E nós achamos a ideia de sermos vizinhos da nossa comunidade muito especial. Agora, amo entrar em uma farmácia e ver uma prateleira toda colorida no meio de tantas embalagens brancas. É quase como a nave da Xuxa. (risos) E este é nosso espírito: levar a alegria para tratamentos que às vezes são muito chatos. Também me enche de orgulho ver a Sallve ao lado de marcas tão tradicionais, que são uma inspiração para a gente.

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Vamos falar sobre a criação da Contém 1g? De onde veio a ideia de trazer de volta uma marca tão icônica nos anos 1990 e 2000? 

Primeiro de tudo, veio de uma sorte muito grande. Desde o momento que criamos a Sallve, sabíamos que entraríamos no mercado de maquiagem, só não sabíamos como. A Contém 1g é uma marca que eu sempre amei. Inclusive, há diversos vídeos meus antigos indicando produtos dela. É uma marca que deixou saudade nas pessoas, prezava por inovação e fazia produtos no Brasil que, antes, só existiam fora. E tudo isso tem muito a ver com a gente! A Contém 1g merecia muito voltar. Por essas razões, quando descobrimos que ela seria leiloada, decidimos embarcar no desafio. E eu sabia exatamente o que a gente tinha que fazer. 

Como tem sido esse processo? 

Acredito que valorizar marcas que eram muito legais no passado e que representam muito para o consumidor, às vezes, vale mais do que só lançar nomes novos. Mas é um grande desafio porque reinventar uma marca é muito diferente do que começar algo do zero. Então, falo que ainda estamos descobrindo a Contém 1g. Não considero uma marca que começou no final dos anos 1980, mas que existe há oito meses, apesar de ter a história de todas essas décadas. 

Qual a diferença entre criar produtos de skincare e itens de maquiagem? 

Ao contrário do que as pessoas pensam, criar maquiagem é mais complicado do que skincare – a começar que são muito mais fornecedores, muito mais embalagens. Formular produtos para a pele pode ser mais difícil, porque você está lidando com questões reais, mas são soluções mais diretas. Maquiagem não é sobre a necessidade. É sobre o desejo. E não existe fórmula simples para criar mágica. 

Qual o seu papel em ambas as marcas? 

Acho que é mais fácil falar o que eu não faço do que o que eu faço. (risos) De maneira geral, o meu arco é de criação. Então, converso com a comunidade, invento novos produtos, penso em texturas, cheiros, cores e embalagens. Depois, crio os nomes desses itens, penso em como a gente vai comunicar essa história e qual o tipo de campanha vamos fazer. É um arco gigante. Trabalho com absolutamente todas as áreas de ambas as marcas. Nosso time tem hoje 150 pessoas e continuamos crescendo.

Como é a sua rotina? 

Muito cheia! (risos) Mas eu pedi por isso e gosto que seja assim. Tem produto que a gente lança que eu mesma fotografo – são atividades mais motoras, que me ajudam a descansar o cérebro entre os processos criativos. É um dia a dia bem puxado. Ao mesmo tempo, sou muito a favor da cultura de derrubar a caneta. Tem uma hora que chega, sabe? O cérebro precisa descansar. Eu paro e vou assistir minha série. (risos) 

Quais as prioridades das marcas no momento? 

Estamos em um momento muito legal de expansão da Contém 1g. Os produtos estão indo para o varejo porque, diferentemente de skincare, as pessoas precisam olhar e testar a maquiagem. Tem muita coisa para acontecer com a marca e esse é o nosso principal foco agora.

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