Muito além do Zé do Caixão

O cinema brasileiro sabe fazer filme de terror, sim. Relembre as principais produções do gênero e confira uma lista de longas imperdíveis que você encontra no streaming.

Filmes de terror costumam fazer sucesso no Brasil. Mas o que nem todo o mundo sabe é que o país tem uma produção para lá de respeitável, usando temas locais, sem imitar o que é feito fora. 

Essa filmografia nasceu a partir da década de 1930, quando o cinema brasileiro começou a incluir alguns elementos do gênero, como fantasmas, em suas produções. Mas em geral eles apareciam nas chanchadas, as comédias brasileiras que faziam sucesso na época, como Fantasma por acaso (1946), de Moacyr Fenelon, estrelada por Oscarito. 

Depois, vieram os melodramas góticos, como Caiçara (1950), de Adolfo Celi, Tom Payne e John Waterhouse, Presença de Anita (1951), de Ruggero Jacobbi, e Meu destino é pecar (1952), baseado em livro de Suzana Flag, pseudônimo de Nelson Rodrigues. 

Foi nos anos 1960 que surgiu o terror propriamente dito, com José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Com o lançamento de À meia-noite levarei sua alma (1964), ele criou o horror autenticamente brasileiro, com o personagem do coveiro que deseja gerar o filho perfeito. Em 1967, lançou a continuação, Esta noite encarnarei no teu cadáver. E fechou a trilogia em 2008, com Encarnação do demônio, exibido no Festival de Veneza. 

Zé do Caixão conquistou o mundo, conhecido como Coffin Joe. E no Brasil influenciou cineastas como Julio Bressane (Memórias de um estrangulador de loiras, 1971) e Ivan Cardoso, que criou um vampiro tropicalista interpretado pelo poeta Torquato Neto no curta Nosferato no Brasil (1970). 

Cardoso também filmou diversos “terrir”, um misto de comédia com terror, como As sete vampiras (1986). E alguns cineastas da Boca do Lixo, como ficou conhecido o cinema independente e frequentemente com conteúdo sexual produzido no centro de São Paulo, também usaram o sobrenatural e o fantástico, muitas vezes misturados com o erótico. Um exemplo é Jean Garrett.

Nos últimos dez anos, o gênero voltou a ganhar força, com cineastas jovens e muitas mulheres dirigindo filmes de terror que têm feito sucesso nos festivais. 

São nomes como Marco Dutra, Juliana Rojas, Gabriela Amaral Almeida, Anita Rocha da Silveira e Rodrigo Aragão, que muitas vezes fazem um terror intimista, que busca refletir sobre uma sociedade doente. 

A seguir, sete filmes de terror brasileiros incontornáveis, disponíveis para aluguel ou no streaming:


À meia-noite levarei sua alma (1964), de José Mojica Marins
De capa e cartola, o coveiro Zé do Caixão (José Mojica Marins) é fascinante e aterrorizante na mesma medida. Ele é odiado na pequena cidade onde vive e tem obsessão por gerar o filho perfeito. Mas, como sua mulher não consegue engravidar, Zé abusa da namorada do melhor amigo. Só que ela está disposta a tudo para se vingar nesse filme fundador do terror tipicamente brasileiro.
Disponível no Globoplay


O lobo atrás da porta (2013), de Fernando Coimbra
Fosse hoje, o caso da Fera da Penha, que chocou o Brasil em 1960, já teria virado uma produção de true crime. No filme, Milhem Cortaz e Fabiula Nascimento interpretam Bernardo e Sylvia, os pais desesperados de uma menina de 4 anos desaparecida. Na delegacia, eles são interrogados, assim como Rosa (Leandra Leal), a amante de Bernardo, pelo delegado (Juliano Cazarré). O filme foi exibido no Festival de Toronto, ganhou o prêmio da seção Horizontes Latinos em San Sebastián e os troféus Redentor de melhor filme e atriz (para Leandra Leal) no Festival do Rio.
Disponível na Netflix


Mate-me por favor (2015), de Anita Rocha da Silveira
Ser adolescente é passar por altas doses de terror: o receio do futuro, de não se encaixar, de não ser amado. Imagine se você mora em um lugar onde a violência é uma constante e há um assassino à solta. É assim a Barra da Tijuca no longa de estreia de Anita Rocha da Silveira, que tem Bia (Valentina Herszage), uma garota de 15 anos, como protagonista. O filme estreou mundialmente na seção Horizontes do Festival de Veneza e ganhou os prêmios de direção e atriz no Festival do Rio.
Disponível na Netflix


As boas maneiras (2017), de Juliana Rojas e Marco Dutra
Conflito de classes e racismo são alguns temas desse filme da dupla de cineastas, que mostra a relação complicada entre a Ana (Marjorie Estiano), banida pela família depois de engravidar, e a empregada Clara (Isabel Zuaa). Ana mora em um confortável apartamento em um bairro nobre e futurista e contrata Clara para ajudá-la a cuidar do bebê que espera. As duas se distanciam das boas maneiras impostas pela sociedade, mas o relacionamento fica tenso com a chegada do neném. As boas maneiras estreou no Festival de Locarno e depois passou em Sitges, Londres e Busan, entre outros.
Disponível na Netflix e na Reserva Imovision


O animal cordial (2017), de Gabriela Amaral Almeida
É um terror slasher à brasileira, que não apela demais para o sangue e a violência, e trata de machismo, preconceito e luta de classes. Inácio (Murilo Benício) é o insuportável dono de um restaurante em São Paulo, com um relacionamento cheio de conflitos com seus funcionários, especialmente com o chef Djair (Irandhir Santos). O lugar é assaltado por Magno (Humberto Carrão) e Nuno (Ariclenes Barroso), mas Inácio se recusa a chamar a polícia e quer controlar a situação, para azar dos clientes, dos funcionários e dos próprios ladrões.
Disponível na Netflix e no Globoplay


A mata negra (2018), de Rodrigo Aragão
Nesse horror sobrenatural, Clara (Carol Aragão), que vive em uma floresta no interior do Brasil, parece protegida por forças ocultas. Ela vê sua vida se transformar ao encontrar o Livro perdido de Cipriano, que dá poder e riqueza para quem o possui, mas também liberta o mal sobre a Terra. Há monstros nesse lugar, como de costume na obra do diretor de A noite dos chupacabras, de 2011, e Mar negro, de 2013. Mas eles têm cara específica, regional, brasileira. Existe também a monstruosidade vinda dos homens, como os fanáticos religiosos.
Disponível no Prime Video


Morto não fala (2018), de Dennison Ramalho
Um dos roteiristas de Encarnação do demônio, último filme da trilogia de José Mojica Marins, Dennison Ramalho fez sua estreia na direção de longas com Morto não fala. Stênio (Daniel de Oliveira) trabalha sozinho, à noite, em um necrotério de uma cidade violenta. Mas ele sempre está acompanhado, pois é capaz de falar com os mortos – e os corpos que recebe são de jovens da periferia, mortos pela polícia. Certa madrugada, Stênio acaba ouvindo um segredo que tem a ver com sua própria vida, desencadeando uma maldição que ameaça todos ao seu redor. Foi exibido no Festival de Sitges, especializado em filmes do universo fantástico.
Aluguel na Apple TV, Globo Play, YouTube