Em 1994, a banda californiana Korn explodiu com o clipe da música “Blind” e o vocalista, Jonathan Davis, usava um tracksuit da Adidas que virou sua marca registrada – anos depois, a banda chegou a lançar a faixa “A.D.I.D.A.S”. Os outros membros do grupo tinham cabelos longos e vestiam bermudas, camisetas largas e tênis esportivos.
O Korn foi parte de um subgênero conhecido como “nu metal”, uma mistura de riffs e timbres agressivos do metal com elementos do hip-hop, como o flow e as letras do rap. O estilo ganhou destaque no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 por meio de bandas como Linkin Park, Limp Bizkit e System of a Down, entre outras.
Dizer que um flashback da virada do milênio tem rolado ultimamente não é surpresa para ninguém, mas acontece que o subgênero do metal também está no meio desse revival. É possível ouvi-lo nos sons de artistas como Demi Lovato, Rina Sawayama, Grimes e 100 gecs, além dos replays de adolescentes de veteranos como Deftones e Kittie.
Todo esse revival rola porque o nu metal está musical e visualmente conectado por uma estética da aflição.
E esse movimento ganha vazão na moda, a começar por uma colaboração entre a Adidas e o próprio Korn, lançada neste mês. A coleção tem tênis, camisetas e moletons com estampas do grupo e, claro, tracksuits como o usado por Davis nos anos 1990.
Em fevereiro deste ano, a Heaven, a marca mais nova de Marc Jacobs, também lançou uma coleção cápsula, em parceria com a marca de streetwear Stray Rats, em que homenageia os Deftones. Com tops assimétricos e camisetas rasgadas, os itens da coleção contam com estampas das capas de álbum do grupo. O lookbook da collab é composto de fotos de fãs ao lado do vocalista da banda, Chino Moreno. A estreia da coleção contou com um show do quarteto.
Todo esse revival rola porque o nu metal está musical e visualmente conectado por uma “estética da aflição”, como explica o pesquisador Eric Smialek, phD em musicologia pela McGill University, do Canadá. “O nu metal canaliza aquele peso geralmente sentido na adolescência, aquela ideia de ser incompreendido, de se sentir um pária”, ele afirma.
Isso se traduz em roupas como calças e bermudas baggy, bem larguinhas, usadas com camisetas sobrepostas e cabelos semicoloridos ou descoloridos, além de acessórios como correntes e um boné com a aba para trás – Fred Durst, o vocalista do Limp Bizkit, ficou conhecido por seu boné New Era vermelho usado assim. Os membros do Slipknot, por sua vez, usavam macacões utilitários com máscaras que pareciam saídas de um filme de terror. Da mesma maneira que na sonoridade, a mistura também está no look, com uma pitada de rock e outra de streetwear.
Durante o seu auge, o nu metal dividiu a programação da MTV com Britney Spears, ‘NSYNC e outras patricinhas e mauricinhos de girl e boy bands. A ideia era oferecer certa rebeldia que fizesse frente ao status quo, de acordo com a doutoranda em musicologia Clare King. “O desejo era justamente não ser polido. O cabelo era maltratado, as calças, enormes e rasgadas. O objetivo era não estar arrumado.”
Integrantes da banda Korn usando looks feitos em parceria com a Adidas Divulgação
Nas passarelas
Se o nu metal é o grito de frustração dos outsiders, as marcas que têm um espírito edgy emplacam versões da tendência nas coleções de verão 2024. Exemplo disso é a nova-iorquina Vaquera, que levou para o seu último desfile algumas bermudas cargo, cintos de rebite e jaquetas esportivas.
A Avavav, que chama a atenção com seus desfiles virais, foi além do meme e também mostrou calças largas e moletons oversized. A diretora de criação da marca, Beate Karlsson, afirma que suas coleções refletem “frustração, raiva e ansiedade”.
Para Valéria Brandini, professora de pós-graduação em estética e gestão de moda da Universidade de São Paulo (USP), dá para chamar isso tudo também de “romantismo rebelde juvenil”. Segundo ela, o nu metal tem muitos elementos interessantes para a moda não apenas porque são carregados de significados, mas também porque são interessantes visualmente. “Essa relativa agressividade tende a fazer sucesso na moda”, afirma.
De acordo com a professora, é provável que o visual siga ganhando evidência, uma vez que o mercado rapidamente se apropria de elementos estéticos de ruptura para se diferenciar do que está em voga. Ela compara o movimento com o aparecimento do grunge, também na década de 1990, pelas mãos de estilistas como o próprio Marc Jacobs, e reforça que a moda é cíclica. Se um dia algo esteve em evidência, é provável que retorne algumas décadas mais tarde. “Aquilo que aparece como diferente é mais atraente. Todo mundo prefere olhar para a ovelha negra no meio do rebanho.”
Peças da Avavav e da Heaven, de Marc Jacobs Divulgação