Beleza alienígena

Tons iridescentes, formas que desafiam as feições humanas e narrativas extraterrestres dominam as novas estéticas que estão bombando no universo da beleza. De onde vem essa vontade intergaláctica?

Congresso estadunidense, julho de 2023. Um ex-oficial da aeronáutica afirma já ter visto o uso de tecnologia alienígena por parte do governo do país. A revelação movimentou a mídia mundial e, nem dois meses mais tarde, viria outra bomba: um suposto corpo alien descoberto e revelado ao mundo no México. 

Ambas as notícias – ainda que a primeira não tenha sido confirmada e a segunda provada não ser verdadeira – apontam para uma tendência antiga que, cada vez mais, vem ganhando os holofotes e ocupando nossa mente: será que existe vida fora da Terra?

Se você está se perguntando por que esta reportagem, com ares de teoria da conspiração e pedaços de notícias de meses atrás, se encontra nesta edição da ELLE View, a resposta é simples: a obsessão humana por vidas extraterrestres supera a existência ou não desses seres e, atualmente, se manifesta também no universo da beleza.

Sim, a busca por uma estética de outro mundo, que questiona os padrões e desafia o que conhecemos como belo, vem ganhando adeptos e entusiastas nas redes sociais, principalmente no TikTok, o maior celeiro de novidades de beleza da atualidade. 

“No geral, acho que estamos vivendo um momento de desconstrução da beleza e uma reconstrução do que é belo para cada um.”
Koichi Sonoda

Por lá, a hashtag #alienbeauty acumula quase 10 milhões de visualizações, enquanto #aliencore chega à casa de 4,8 milhões e a nave-mãe #alien tem 27,2 bilhões de views – mas aqui os assuntos vão além da beauté.

“Essa influência no mercado de maquiagem se traduz em makes mais experimentais e artísticas, sem a obrigação de parecerem bonitas, sem defeitos. Os maquiadores e artistas que colocam essa tendência em prática não se limitam às regras da beleza para as feições do nosso rosto”, explica a pesquisadora de tendências Nina Grando. 

Isso significa, entre outras coisas, que essa história de batom para a boca, blush para as bochechas e sombra e delineador para os olhos continua valendo, mas não só. “Hoje, você pode olhar para o rosto como uma tela de pintura livre. E se eu desenhar mais um olho? E se eu expandir o meu sorriso até que fique esquisito? A palavra de ordem é experimentar”, ela continua.

Alien beauty: você ainda vai ser abduzida

Mais do que técnicas que questionam nosso entendimento de beleza e uma dose de ousadia na hora de se maquiar, a beleza que se inspira nos ETs – mesmo sem saber se eles de fato existem ou com o que se parecem – tem como raiz uma ânsia questionadora, uma sede pelo diferente e uma necessidade de expressar o inconformismo da geração Z.

Em uma era de lentes nos dentes para que fiquem perfeitos, harmonizações faciais e modas que viralizam cada vez mais rápido, é na alien beauty que as mentes criativas têm encontrado a melhor forma de ir contra essa vertente. 

O maquiador paulistano Koichi Sonoda, por exemplo, é um ótimo exemplo. Seu contato inicial com o universo da beleza aconteceu em 2014, quando começou a fazer drag queen, mas foi como beauty artist que ele encontrou uma maneira mais autoral de caminhar na direção oposta aos padrões estabelecidos.

“A contemporaneidade tem muitas referências misturadas. Não é como as correntes vanguardistas de antigamente, que seguiam uma linha mais bem definida. Estamos em um momento de grande saturação das coisas, e esse olhar para o alienígena vem da não-identificação com o que está disponível, seja em estéticas, seja até mesmo nas representações de gênero”, explica. “Tudo já foi feito e criado. Quando surgem novidades, normalmente elas são mais uma recombinação do que uma criação. Essa busca é uma vontade de olhar para a frente, para o futuro.”

Grando endossa o discurso e pontua que o momento que vivemos hoje é uma espécie de versão aprofundada e atualizada do futurismo que surgiu nas décadas de 1950 e 60. Afinal, quando olhamos para a estética alien atual, os elementos em comum com os da corrida espacial são vários: tons iridescentes, verdes e azuis vivos, fundo prateados que brilham e encantam.

Se o resgate cromático existe, o contexto sociopolítico o acompanha. “Esse imaginário alienígena acabou se expandindo para o mainstream nos anos 1960, momento em que o mundo assistia o homem pisar pela primeira vez na Lua. Hoje essa corrida não é mais entre nações, mas entre bilionários, que medem forças para saber quem vai mais longe e queima mais dinheiro”, critica. 

Maquiagens de outro mundo

É claro que a tendência de se inspirar do que vem de fora da atmosfera não se manifesta apenas entre maquiadores e entusiastas, mas também na indústria, que atua como o maior propulsor desse foguete chamado aliencore. Ariana Grande, popstar e empresária por trás da R.E.M Beauty, estreou sua marca com uma coleção toda composta de embalagens prateadas e com pegada megafuturista. Desde o lançamento, em 2021, os produtos seguem com a mesma vibe.

Este ano, outra gigante em consolidação no mercado de beleza mostrou que está apostando nos aliens: é a SheGlam, marca de maquiagem da Shein, que preparou uma coleção especial para o Halloween inspirada em extraterrestres, com direito a esponja em formato de cabeça de ET e paleta de sombras com desenhos de discos voadores.

Quem também vem liderando esse movimento e trazendo o aliencore para as manchetes dos principais veículos de moda e beleza é Julia Fox – she knows the influence and she knows the vibes. Estrela da INDUSTRY 2.0, uma das últimas coleções da marca do maquiador Isamaya Ffrench, Fox sempre surpreende com suas maquiagens, que trazem toques metalizados e fora do óbvio, com aplicações de acessórios e próteses no rosto ou detalhes que, como pontuamos acima, desafiam as próprias feições humanas.

“Acho que, mais do que nunca, as pessoas querem acreditar em outros mundos e outras realidades fora desse lugar caótico em que a gente vive.”
Nina Grando 

Ainda no mundinho pop, é impossível deixar de mencionar Doja Cat, que tem feito uma aproximação menos literal do assunto em seus novos visuais. Sua estética cyber muitas vezes puxa para o lado do horror e do confronto direto aos padrões, trazendo figuras até demoníacas e, por que não, extraterrestres – no sentido de mostrar uma beleza que, num primeiro momento, talvez surpreenda de forma negativa.

“Hoje em dia, nem todas as pessoas se maquiam só para ficarem bonitas. Queremos gritar nossas múltiplas identidades e as marcas, acredito, vão ter que lançar cada vez mais coisas com cores vibrantes e texturas inusitadas”, adiciona Sonoda. “No geral, acho que estamos vivendo um momento de desconstrução da beleza e uma reconstrução do que é belo para cada um.” 

Olhar do estrangeiro

A pesquisadora Nina Grando sugere ainda que, mais do que questionar a beleza pasteurizada que encontramos nas ruas e nas redes sociais, existe um clamor pelo autêntico e uma vontade geral de ousar. 

“A Gen Z já viu de tudo, tem acesso a tudo desde sempre. Então, isso acaba sendo um respiro desse ‘mais do mesmo’, que é aprisionante para ela. E a própria possibilidade de existir vida extraterrestre traz outra pergunta embutida: o que significa ser humano? O que vem daqui em diante para nós, para o nosso planeta e o universo? Tudo isso é um grande convite para a nossa imaginação sobre o futuro. Acho que, mais do que nunca, as pessoas querem acreditar em outros mundos e outras realidades fora desse lugar caótico em que a gente vive.” 

O assunto, para Nina, é mais do que uma nova pauta no mercado de beleza ou um novo “core” para seguir no TikTok. “Sou uma pessoa com deficiência e tenho tatuado em minha mão a frase ‘alien beauty’. Por muito tempo, achei que só seria bonita se minhas mãos não aparecessem. Essa tattoo é um lembrete de que a gente pode criar o que é bonito e exercitar o olhar. Mesmo que elas não pareçam humanas e os terráqueos não entendam, eu as considero lindas. Talvez seja uma beleza alienígena mesmo.”