Você lembra do filtro Aged? Há não muito tempo, ele viralizou no TikTok por supostamente ser capaz de mostrar “com alguma precisão”, segundo alguns dermatologistas na plataforma de vídeos, como o seu rosto vai ficar ao envelhecer. Aqui, na ELLE View, em agosto de 2023, até falamos como essa “trend” serviu de estopim para uma profusão de comentários etaristas, entre as 24 milhões de publicações que ela catapultou.
O mais surpreendente é que, em muitos vídeos, o que se nota é que o medo de envelhecer está aterrorizando não apenas quem já ganhou as primeiras linhas finas, como também quem ainda vai demorar muito para sequer ter uma. Tanto a geração Z quanto a geração Alpha – dos nascidos a partir de 2010 – parecem estar amedrontados pelo que seria a sua imagem no futuro.
A título de comparação, uma pesquisa feita pela consultoria de mercado NPD Group mostrou que, em 2012, menos de 20% das mulheres estadunidenses entre os 18 e os 24 anos consideravam importantes os cuidados com a pele para a prevenção de seu envelhecimento. Esse número mudou bastante em apenas seis anos: em 2018, um estudo conduzido pela The Benchmarking Company percebeu que mais de 50% das mulheres na mesma faixa etária gostariam de incluir produtos específicos para isso em suas rotinas de beleza.
Não deixa de ser curioso que, em contraste com a fama de disruptivos, 70% dos GenZs já apliquem séruns “anti-idade”, de acordo com a empresa de inteligência de mercado Circana, apesar de terem no máximo 26 anos. Por alguma razão, o medo das rugas cravou seu espaço no imaginário desses jovens.
“O desejo precoce da Geração Z pelos tratamentos antienvelhecimento criou uma oportunidade para as marcas atingirem um consumidor que historicamente não era considerado dentro da categoria”, diz Clarissa Câmara, fundadora da Outsighter, uma consultoria global de estratégia especializada nos segmentos de moda e beleza. “Assim, marcas já atuantes e também novas desenvolveram produtos específicos para os jovens que querem se focar na prevenção da aparência envelhecida.”
Não à toa, a previsão é de que o mercado de skincare focado nesse tipo de cuidado “antienvelhecimento” atraia 88 bilhões de dólares em vendas ao redor do mundo até 2026. A roupagem da vez é a do “prejuvenation” – um mix das palavras “rejuvenescimento” e “prevenção” em inglês. Será que não são as mesmas marcas expandindo seus mesmos negócios para um novo público?
Para serem mais consumidos por jovens e adolescentes, por exemplo, alguns produtos ganham estéticas modernas e divertidas, como os da marca Spoiled Child (o nome, irônico, já entrega seu público-alvo). A empresa oferece itens como gomas de colágeno e séruns que prometem combater o envelhecimento – ela até chega a usar o termo “controle de idade” (age-control) em sua comunicação. No nicho da maquiagem, E.l.f Beauty e Glossier – que cresceram com os millennials e continuam com uma base bastante jovem de clientes – lançaram recentemente produtos com retinol em suas formulações.
O papel da internet
Nas redes sociais, é inquestionável o fato de que aconteceu a democratização do acesso à informação sobre a pele e os cuidados com ela, principalmente com a popularização de dermatologistas-influenciadores, que compartilham seus conhecimentos no Instagram e no TikTok.
E a enxurrada de informações não trouxe apenas benefícios. “Essa educação intensa sobre a beleza deixou algumas pessoas com uma característica que chamamos de ‘prematuramente paranoicos’, com preocupações que a maioria dos consumidores não teria antes dos 30 anos”, afirma Natalia Vargas, especialista de tendência na WGSN, uma consultoria de pesquisa de mercado. “As redes sociais acabam criando jovens que já são intelectuais do skincare com seus 10, 14 ou 28 anos.”
“As redes sociais acabam criando jovens que já são intelectuais do skincare com seus 10, 14 ou 28 anos.”
Natalia Vargas
No TikTok, a hashtag #antiageing tem mais de 7 bilhões de visualizações. As buscas e as conversas relacionadas a botox, preenchimentos faciais e ácido retinoico aumentaram 63% em 2023, de acordo com a Trendalytics.
Os conteúdos ajudaram a popularizar ingredientes e técnicas como o baby botox (a aplicação de toxina botulínica em pequenas quantidades em jovens de 20 anos a fim de evitar o aparecimento de marcas de expressão) e face yoga, cujos exercícios ajudariam a manter a face mais tonificada e, consequentemente, com a aparência mais jovem.
Segundo Clarissa, tanta informação pode levar os usuários a se sentirem pressionados a melhorar sua rotina de cuidado com a pele, além da sensação de “fomo” (“fear of missing out”, ou, em português, “medo de ficar de fora”). “A alta exposição ao assunto faz com que os GenZ e os Alpha acabem aplicando em seu dia a dia fórmulas de skincare de pessoas muito mais velhas, incompatíveis para seu tipo de pele ou momento de vida”, afirma a especialista.
E, se ter uma pele uniforme e com viço, nunca deixou de ser desejável, porque pela chave do etarismo ela está simbólica e fortemente associada à ideia de saúde e bem-estar, para os jovens de agora a aparência ganhou novos significados.
“A geração Z cresceu na era da influência, em que sua aparência está muito ligada ao seu valor e há um entendimento coletivo de que o ‘pretty privilege’ (privilégio de ser bonita) abre portas. Então é claro que eles vão querer preservar a sua juventude”, diz a estrategista de design Deanna Middleton em um relatório da agência britânica The Digital Fairy.
Um espelho chamado câmera frontal
As redes sociais também contribuíram para que todos, incluindo os mais jovens, se tornem atentos aos efeitos do tempo em seu próprio rosto. “Nós estamos sendo observados por nós mesmos e pelos outros mais do que nunca, no Instagram e nas videochamadas. O que significa que estamos frequentemente olhando para a nossa imagem e estamos cientes de que outras pessoas também estão olhando para ela. Isso nos deixa hiperconscientes de nossa aparência”, argumenta Clarissa. “Com isso, as medidas focadas na idade se tornaram mais acessíveis e aceitáveis, por isso a nova geração está mais propensa a ‘investir’ em uma pele mais jovem.”
Os filtros se tornaram tão parte do ideal de beleza que não é incomum que pacientes cheguem a consultórios médicos de dermatologistas atrás de procedimentos estéticos usando a própria foto filtrada como uma referência.
Isso tem um impacto profundo em uma geração que ainda está formando sua própria identidade. “A consequência é não só uma preocupação antecipada com o envelhecimento, mas também a normalização de procedimentos cosméticos, especialmente os de resultado imediato, como botox e preenchimentos”, complementa a estrategista.
Uma toxina para todos os gostos
Há dez anos, o discurso era o seguinte: os cuidados antienvelhecimento da pele devem começar aos 25 anos. Porém a orientação era apenas investir em algo mais simples, como produtos com base em vitamina C. Em tempos de Tik Tok, as coisas mudaram. “Venha comigo aplicar botox pela primeira vez”, diz um dos vários vlogs sobre o dia a dia de uma jovem de 20 e poucos anos. “A geração Z se torna hoje a nova face da indústria do botox”, diz Natalia Vargas, da WGSN.
Segundo a especialista em tendências, 75% dos cirurgiões plásticos notaram, em 2022, o aumento de buscas de cirurgias estéticas e tratamentos injetáveis por pacientes com menos de 30 anos. No Reino Unido, mais de 40 mil menores de idade fizeram procedimentos estéticos, incluindo botox e preenchedores, em 2021.
“Outro ponto muito interessante sobre o assunto é como essa geração lida com a comunicação desses procedimentos. Diferente de outras gerações que mantinham as cirurgias e os procedimentos sob sigilo, a Z fala abertamente sobre o assunto”, destaca Natalia Vargas. “Parte se deve à concepção cada vez mais popular de cirurgia plástica e tratamentos cosméticos como uma forma de ‘autocuidado’”, complementa Clarissa Câmara.
Além disso, os “zennials” (membros mais velhos da geração Z, ou seja, “quase millennials”) sabem que é importante lidar com os padrões estéticos irreais. “É uma tentativa de usufruir do sistema, mas também regular a expectativa dos outros sobre o que é bonito”, diz Deanna Middleton.
Quando dizemos que o mercado de beleza tem adaptado o discurso para encontrar os consumidores mais jovens, não estamos falando apenas sobre as marcas de cosméticos. Dermatologistas e cirurgiões plásticos também entram nessa equação. “Existe o aumento de procedimentos cosméticos pensados para gerar conteúdo nas redes sociais, uma vez que o crescimento do negócio também depende de as clínicas conseguirem comercializar o que é visualmente atrativo para os jovens consumidores”, diz Clarissa Câmara.
As armadilhas são muitas e a pressão estética, que antes era canalizada pelas mídias tradicionais, ganhou novos tentáculos com a internet: combine o “fomo” do skincare com a explosão informacional sobre questões dermatológicas, com a incidência cada vez mais inescapável do confronto frequente com a nossa própria imagem em telas de celulares e computadores, e o absurdo parece se concretizar. “Os tratamentos e procedimentos antienvelhecimento vão se tornando, inevitavelmente, a norma para as gerações mais novas”, lamenta a fundadora da Outsighter.