“Durante um jantar, uma diretora criativa com quem a gente trabalha disse que queria ‘dar uma festa do tipo que as pessoas começam a transar pelos cantos’”, conta Sophie Jewes. “É o tipo de briefing que a gente tem amado.” Jewes é cofundadora da Raven, uma agência de comunicação de moda baseada em Londres. Ela é a responsável por festas de marcas como Adidas, Agent Provocateur e Flannels. “As pessoas estão famintas por boas festas”, continua. E quem pode culpá-las?
Depois da solidão forçada dos anos de pandemia, seguidos por uma guerra na Europa e a crise financeira do custo de vida, cada vez mais elevado, uma atmosfera febril está se instalando. A microdose de alucinógenos está aqui para ficar – ainda mais em grandes centros urbanos –, mas, mais notoriamente, o ar parece estar preenchido com a “boa e velha” fumaça de cigarro. Kate Moss, Malia Obama, Lily Rose Depp e até David Hockney – que supostamente ativou o alarme de incêndio de sua última exposição com suas baforadas – voltaram a acender seus isqueiros. Restaurantes veganos, por sua vez, parecem estar lutando gravemente para sobreviver, ao mesmo tempo que a onda de entusiastas da saúde parece estar se dissipando. Enquanto isso, Gwyneth Paltrow – a rainha do wellness – vira meme a cada aparição que faz nas redes sociais dando dicas de bem-estar.
Talvez estivéssemos obcecados com a ideia de otimizar nossas vidas e nossos corpos, mas, em 2023, a influência do mercado de wellness parece ter finalmente perdido sua aderência na cultura. “Acho que isso vem acontecendo já há algum tempo”, diz Rina Raphael, autora de The gospel of wellness: gyms, gurus, goop and the false promise of self-care (Henry Holt and Co., ainda sem edição no Brasil), que fala sobre as mentiras contadas por essa ideologia capitalista de bem-estar, que está mais associada a um tipo específico de consumismo do que com a saúde mental e física. “Quatro ou cinco anos atrás, um novo produto superestimado era lançado toda semana – era um fluxo ridículo de itens como, digamos, leggings infusionadas com CBD. Você realmente não acha mais coisas assim hoje em dia. Essa wellness de commodity, que é pautada pelo consumismo e individualismo, saiu de moda.”
“Essa wellness de commodity, que é pautada pelo consumismo e individualismo, saiu de moda.”
Rina Raphael
No lugar de dietas detox, agora temos aqueles croissants gigantes de Philippe Conticini (que viralizaram no TikTok) e a indulgência performática do caviar com champanhe. No lugar da hashtag #selfcare, é a vez de a #bedrot bombar. Ela se refere aos dias que queremos “apodrecer na cama”. Desde a inauguração do Drumsheds, um superclub que abriu em Londres, em outubro de 2023, e tem capacidade para 15 mil pessoas, até a possível descriminalização dos psicoativos na Califórnia, passando pela ascensão das carreiras “preguiçosas” (quando você não trabalha para crescer, mas só para trabalhar), tudo isso atesta esse novo momento, em que o wellness perde os holofotes, dando mais espaço aos prazeres mundanos e a uma diversão quase irresponsável.
“No universo da hotelaria, por exemplo, está ocorrendo uma guinada dos jantares focados em saúde para as refeições hedonistas”, diz Clerkenwell Boy. O criador de conteúdo de comida e viagem tem mais de 300 mil seguidores e trabalha como consultor para alguns dos melhores e mais famosos restaurantes do mundo. “Temos visto um crescimento exponencial de estabelecimentos exclusivos, como o Caviar Kaspia, em Londres, onde os clientes gastam, no mínimo, 2 mil libras no decorrer de um ano em comida – principalmente com caviar e champanhe. Esse é um bom parâmetro dessa nova vontade de extravagância”, continua.
Mesmo os espaços que não são exclusivos para assinantes estão se dando bem com a volta da opulência. O Bacchanalia – restaurante de superluxo de Richard Caring foi nomeado assim baseado no festival romano de excessos e bebidas – abriu no final de 2022 com uma festa selvagem, que contou com convidados da realeza da moda (como a modelo Naomi Campbell) misturados com membros da realeza britânica (como lady Amelia Spencer). Por lá, eles comiam e bebiam à larga entre esculturas de mármore ao estilo greco-romano misturadas com obras de Damien Hirst. A mensagem era clara: a devassidão está em alta!
Até mesmo o delivery de comida já está surfando na nova moda. Saem de cena os bowls saudáveis e entram no jogo experiências de assinatura para pratos superindulgentes (e frequentemente enormes). Como aponta Clerkenwell, não são apenas os croissants de 25 libras que estão bombando. Estamos falando dos cookies de Cedric Grolet, dos hambúrgueres do tipo smash do Dumbo (também em Paris, o restaurante se tornou um dos favoritos dos fashionistas) e das massas e pizzas muito bem servidas do Big Mamma Groupa – Dua Lipa, por exemplo, é fã.
Essa energia, engordurada e satisfatória, também está influenciando a moda. “Em Londres, a designer de acessórios Anya Hindmarch trouxe de volta a sua loja pop-up sorvetes para o mês de agosto. Por lá, você encontrava sabores assinados por marcas como Heinz, Kellogg’s e Warburton – estranhos, mas deliciosos! Não à toa, tinha fila sempre. No outono, a Chanel abriu um dinner pop-up no Brooklyn, em Nova York, na ocasião do lançamento de uma nova versão da fragrância Chance, um de seus maiores hits de perfumaria. Ali, eles serviam champanhe, hambúrgueres, batata frita e queijos-quentes. Isso sem falar nos milkshakes e nas tortas de cereja com chantilly.
Durante a semana de moda de Londres, que aconteceu em setembro passado, a Burberry trouxe comidas tradicionais de cafés ingleses para o entorno de seu desfile, em food trucks monogramados com o logo da marca. Nenhum suco verde foi visto por lá. Pelo contrário, estamos falando de pratos com ovos e chips de batata ou sanduíches de linguiça.
“Agora as marcas querem sediar festas que ficam na memória, e não festas protocolares em volta de um lançamento pontual. Afinal de contas, se uma das melhores noites da sua vida tem uma marca por trás, a sua percepção dela ganha um contorno emocional superforte. Hoje em dia, todo mundo quer fazer parte desse tipo de experiência, que fica para a história”, diz Jewes.
De um ponto de vista ideológico, nossa obsessão com wellness por mais de uma década foi muito atribuída a fatores como a rápida velocidade das mudanças catapultadas pela revolução tecnológica e, como Raphael coloca, “nossa insatisfação com o sistema de saúde e questões socioeconômicas que datam dos anos 1960 e se arrastam até hoje.”
A escritora estadunidense e ativista política Barbara Ehrenreich diz que a falha dos movimentos utópicos sessentistas e setentistas, somadas à explosão do neoliberalismo, na década de 1980, tem muito a ver com isso. Em um de seus livros, ela afirma que esse frenesi por corpos otimizados, com a saúde perfeita, foi “parte de uma resposta à renúncia de nossas preocupações individuais depois do breve sentimento de comunidade que vivemos nos anos 1960. Se você não pode mudar o mundo, pelo menos você vai ter algum controle sobre a sua carreira, sobre o seu corpo. Sobre o que entra nele e como a sua energia é distribuída”, escreve.
O que cada uma dessas teorias têm em comum é o entendimento de que a busca por bem-estar, em seu cerne, é uma busca por controle. Quando o mundo muda rápido demais, quando os mercados estão absolutamente instáveis e as condições de trabalho estão cada vez mais precárias, quando o terror é introduzido em nossa vida em intervalos cada vez mais breves, quando a própria noção de verdade começa a se dissipar, o desejo de se voltar para dentro e controlar o que está em nossas mãos é compreensível.
E, mais do que isso, é possível lucrar em cima desse desejo. Na última década, a indústria do wellness – que atualmente vale algo próximo a 3,3 trilhões de libras – vinha refinando as suas técnicas de exploração emocional no intuito de fazer alguém gastar dinheiro com algo que, supostamente, resolveria seus problemas. Conforme os anos foram passando, no entanto, a nossa tolerância para tendências bobas e pseudocientíficas foi diminuindo.
“Acredito que, nesse momento, o consumidor médio que tenha se interessado por wellness nesse período está com a penteadeira cheia de produtos que não funcionam”, diz Rina. ‘Eles falam de um creme de CBD que vai fazer milagres, mas, quando você vai testar, não tem esse efeito. Ou algo como uma meditação ou um suplemento. Seja o que for, as pessoas se cansaram dessa frustração.”
Claro, não é como se o mundo, de repente, passasse a se tornar mais manejável ou mais próximo de um cenário utópico. Segundo Rina, a mudança na maneira como enxergamos os truques do wellness está relacionada à recusa da ideia de que podemos resolver questões emocionais com dinheiro. No lugar de sucos de 15 libras, uma nova ideologia anticapitalista, antiestética, antiotimização explodiu: o que explica o boom de hashtags como #bedrot.
Enquanto a #selfcare virou algo como uma imagem que pode ser comprada para nos fazer se sentir melhor, #bedrot é simplesmente o ato de se deitar na cama sem fazer nada para o resto do dia. “A geração Z, em especial, é muito avessa a essa era da ultraperformance, impulsionada pelo mercado de wellness”, diz. “Eles estão cansados: é quase uma revolta contra a cultura do ‘correr atrás’, da ‘girlboss’. Sinto também que é uma recusa da ideia fetichizada de saúde e um entendimento de que ela é só mais uma parte da sua vida que, ora ou outra, poderá ser negligenciada, em certa medida.”
Ainda assim, o desejo de nos sentirmos bem em nossos próprios corpos e mentes não desapareceu. Ele, na verdade, se transformou em algo diferente. Alexandra Dudley – uma das desenvolvedoras de receitas mais descoladas de Londres – tem sido chamada, por exemplo, para sediar jantares em que a principal preocupação é aproveitar o momento, o agora. Em um deles, ela já serviu pizzas com martínis.
“É menos sobre ioga nas árvores e mais sobre bons vinhos ao ar livre.”
Alexandra Dudley
“É menos sobre ioga nas árvores e mais sobre bons vinhos ao ar livre”, opina. A razão pela qual tudo parece mais divertido nesse novo cenário é exatamente a ausência de preocupação e de culpa que costuma vir da associação de nossos hábitos com as questões de saúde. “Os membros da Gen Z não gostam da ideia de que a sua saúde e o seu bem-estar sejam um trabalho – o que foi praticamente uma lei nos últimos dez anos. Eles priorizam a saúde mental e não enxergam essa devoção ao wellness como algo bom para ela.”
Dudley diz que, “depois que a Gwyneth Paltrow revelou que basicamente só come caldo de ossos, foi um alerta para mim”. Muitos de nós sabíamos como isso não é saudável – é claro que funcionava para ela, mas não é um hábito ao qual todo mundo deveria aderir.
Esse foi o grande problema da era wellness. Ela criava essas pessoas com imagens de “quase santas”, a partir das quais avaliávamos a nossa própria vida. A mensagem era “perfeição”, e a vida está longe de ser perfeita. As pessoas mais felizes, por sinal, são muito cientes de sua própria imperfeição. Elas são bagunçadas e conseguem lidar com mudanças de planos e com a volatilidade do curso da vida. E mais: elas sabem como se divertir.