Drama queen

O trabalho de Pat McGrath para a última coleção de alta-costura da Maison Margiela consagra um novo momento nas belezas de passarela, em que o sonho sai à frente.

Se você tem um perfil no TikTok e gosta de beleza, muito dificilmente escapou do último grande viral de beauté: a maquiagem criada por Pat McGrath para a última coleção da Maison Margiela.

Foi uma profusão de vídeos e mais vídeos tentando reproduzir o efeito criado pela icônica maquiadora britânica para a apresentação – uma pele com textura de porcelana e pintada como uma boneca dos anos 1920. A surpresa, no caso, se deu porque em geral as trends e os challenges que explodem na plataforma tem um quê mais comercial, mais dia a dia: são maquiagens e cabelos facilmente adaptáveis, que funcionam e agradam os mais diferentes públicos.

A beleza de McGrath, contudo, era o exato oposto disso tudo: conceitual, complexa, difícil de ser executada, dramática e quase surrealista. Ainda assim, o resultado alcançado pela makeup artist foi tão inusitado e poderoso que as redes sociais fugiram à sua própria regra.

No caso da Maison Margiela, McGrath ficou três anos desenvolvendo o visual que pintou para a apresentação da grife, atualmente capitaneada pelo igualmente genial John Galliano. Dessa vez, a ideia do estilista foi criar algo como um realismo fantástico. As estruturas e silhuetas vêm da história da alta-costura, mas os materiais e maquetes têxteis remontam a um universo ordinário – estamos falando de plástico, papelão e toda sorte de cacarecos. Tem a brutalidade de Margiela e o romantismo de Galliano. A maquiagem e o cabelo, aqui, em vez de se apagarem para deixar a moda brilhar sozinha, colaboram para o argumento estético da performance. Tem algo de encantador e de bizarro, de mágico e de brutalista, na investida da beauty artist.

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A britânica Pat McGrath em um dos backstages de beleza Getty Images

Algo similar aconteceu no desfile de Marc Jacobs para o verão 2024, que celebrava os seus 40 anos de carreira. A ideia da apresentação era colocar roupas clássicas na passarela, mas em proporções totalmente maximizadas – de modo que as modelos ficassem parecendo bibelôs quase perdidos nas formas gigantes. Na beleza, a mesma proposta foi aplicada: um cabelo escovado e uma máscara de cílios, só que em versões absolutamente superlativas. Em dupla, o hair stylist Duffy e a maquiadora Diane Kendal criaram um momento de beleza que remonta ao tempo em que esses elementos realmente brilhavam na passarela tanto quanto as roupas.

Em um artigo escrito em primeira pessoa para o The Business of Fashion, a beauty artist e empresária Isamaya Ffrench – um dos nomes mais disruptivos da beleza britânica (e mundial) – declarou sua insatisfação com a maneira como a maquiagem e o cabelo estavam sendo tratados na passarelas. De acordo com ela, as redes sociais colocaram em foco um conteúdo mais personalizado e que, por isso, a beleza das celebridades convidadas para um desfile que, por vezes, é mais elaborada e criativa do que a beleza da apresentação em questão.

“Talvez isso esteja por trás desse ‘minimalismo’ noventista que temos vivido há tanto tempo”, escreveu. “Mas existe alguma resistência a isso. Em janeiro, os cúmplices McGrath e Galliano criaram magia para o desfile de alta-costura da Margiela. (…) O mundo da moda ficou em lágrimas. A comunidade global de maquiagem estava lutando para descobrir como o efeito foi alcançado e quais produtos foram usados. Um exército de influenciadores de beleza tentou recriar o visual nos dias seguintes. A cobertura estratosférica foi uma homenagem incrível a cada artista envolvido.” Importante também lembrar das criações de McGrath para a Schiaparelli: corpos inteiros pintados, cores intensas, texturas inusitadas e uma sensação constante de que “alguma coisa está fora da ordem”.

Ainda no mesmo texto, ela reforça a importância dos desfiles para o mercado de beleza se manter criativo e fala sobre as suas investidas nesse sentido. Que, por sinal, não são poucas. Nas temporadas passadas, vimos Ffrench colar estrelas no rosto todo metalizado das modelos do estilista estadunidense Thom Browne, pintar as línguas do casting de Chet Lo – como quando as crianças mascam chicletes com corante –, grudar próteses com feições animalescas na beleza da Collina Strada e muito mais.

No inverno 2024, que acabou de ser desfilado, contudo, os desejos de Ffrench por uma beleza menos banal parecem estar sendo atendidos – pelo menos por algumas marcas cujo comprometimento com o lado mais artístico da moda é mais contundente. Em Dries van Noten, por exemplo, a beleza dá até nome à coleção: Mulheres que Cortam Suas Próprias Franjas. Pense em modelos com apliques de franja que cobriam os olhos, todas milimetricamente desenhadas por outro gigante do cabelo, Sam McKnight. Além disso, uma dramática boca escura e laqueada finalizava a produção – obra de Lucy J. Bridge.

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A beleza de porcelana da Margiela foi tema por dias nas redes sociais. Getty Images

A maquiadora inglesa, por sinal, é outra das militantes que vêm puxando a beleza das passarelas de volta à sua glória criativa. Nessa temporada, são delas os cílios descoloridos que apareceram em Conner Ives, em Nova York. Antes disso, ela causou suspiros com as pálpebras vibrantes que pintou para a coleção de Haider Ackermann para a alta-costura de Jean Paul Gaultier. Na Mugler, ela já fez degradês em azul-royal nos lábios das modelos. E a sua colaboração de longa data com o próprio Dries van Noten tem rendido momentos de impacto, como no verão 2024, em que penas e plumas foram grudados nas têmporas do casting da apresentação.

“Gosto de pensar que sou corajosa quando o assunto é maquiagem”, disse ao The Standard, em 2020. “Opto por belezas que sejam fortes, únicas, e não tenho medo de investir em materiais não convencionais.” Não à toa, uma de suas principais referências é ninguém menos que o pai do cubismo, Pablo Picasso.

Voltando ao inverno 2024, vale a pena prestar atenção no trabalho de jovens etiquetas, como Dilara Findikoglu, Vaquera, Eckhaus Latta e Yuhan Wang, entre outras. Em suas apresentações, o make-nada quase nunca dá as caras. Em Findikoglu, maquiagens meio oitentistas, meio fantasiosas, ajudaram na construção do mise-en-scène soturno de sua performance. Na Vaquera, um make geométrico replicava no rosto os shapes endurecidos das roupas apresentadas pela marca para essa temporada. Na Eckhaus Latta, o delineado é vermelho e vai até as têmporas, bem fininho. Em Yuhan Wang, os cabelos se levantam, volumosos, têm ares barrocos e ganham fitilhos amarrados por todos os lados. Ou seja, existe uma nova geração que também acredita no poder de um glow-up para as passarelas. Ainda que muitas das marcas de luxo mais tradicionais prefiram o arroz com feijão, ao que tudo indica o futuro tem tudo para ser um banquete cheio de sabores intensos e perfumes inusitados. Estaremos de olho.