Birigui (Gui as in Gwyneth Paltrow)

De bicho de goiaba à H. Pylori, o Brasil na aula de inglês.

‒ Não é um momento próspero para os bichos de goiaba.

‒ Ah, não?

‒ Pelo menos não para os bichos de goiaba que escolheram a corretagem de imóveis como profissão. Pensa bem, alta demanda, agrotóxico acabando com a oferta, propostas de porcentagem de comissão beirando o inviável. Deve haver notícias de goiabas orgânicas de três cômodos subdivididas em até dez. O povo chamando de coliving, uma goiabinha micro, entupida até a última grama de polpa. Ouvi dizer que um tal de Agnaldo – bicho que enricou antes da crise imobiliária de 2012 e chegou a dividir uma goiaba madura inteira com Tetê, sua ex – perdeu tudo, inclusive Tetê. E tem mais: mudou mês passado ainda para uma fruta-do-conde. 

– Sorry?, Gary, o professor, se manifesta.

Estão você e Ariela em pé no centro da sala de carpete, diante de outros 20 estrangeiros gaguejantes, tentando dar conta da primeira apresentação do curso. É julho em Nova York, faz calor, mas o ar-condicionado da All You Need Is English – sim, você completou certo –, English Is All You Need funciona que é uma belezinha. Em sua defesa, foi a única escola que você conseguiu pagar. As I said, é julho em Nova York e o dólar agarrou-se nos R$ 5, R$ 4 e tanto.

– O que o seu país tem que te dá mais orgulho?, pergunta Gary, em um inglês nativo humilhantemente perfeito. – Vocês se juntam por nacionalidade, falam um pouquinho de si e apresentam a resposta. Começamos pelas brasileiras?

Ariela diz que sim, na certeza de que você concorda com as ideias dela. Não é que você queira polemizar, mas…

– Pera aí, você diz, sem pensar muito na possibilidade de se livrar rapidamente da tarefa. Você deveria ter pensado na possibilidade de se livrar rapidamente da tarefa.

– Não é tão difícil, vai: futebol, Carnaval, feijoada e Rio de Janeiro. 

– Será – você se apressa – que seria esse um momento próspero para o futebol do Brasil?

– Como não? E tu quer falar de quê?

– Não sei, uma coisa massa, óbvia talvez. 

– Quer falar de quê? De bicho de goiaba?, Ariela tira sabe-se de onde uma ideia que você nunca teve.

Foi quando ela soltou essa maluquice pra espanto de toda a gringolândia. Pelo menos era o que dava pra entender, já que o discurso rolou no nível B1 de inglês, segundo o teste da All You Need Is English, English Is All You Need. 

– Não, bora o teu mesmo, não tem problema, você tenta retomar alguma ordem.

– Não, não, não quero ser a chata do curso. Não é tarefa em grupo? Vamos decidir em grupo. E se a gente falasse de H. pylori então?, insiste, criativinha.

– Olha, juro. Podemos mesmo ir na sua lista.

– Ué, H. pylori é um case de sucesso mundial, mas especialmente brasileiro. E, depois, este é um momento próspero para os H. pylori que escolheram a expansão de negócios como objetivo de vida. Qual é o teu amigo passado dos 30 que não tem H. pylori? No mundo, quase 50% da população tem. Gary mesmo, com essa carinha de, “minha nossa senhora”, deve estar com a barriga cheia feito uma goiaba orgânica. Mas no Brasil a coisa é ainda maior. São quase 70% de h-empylorados. Eu chequei mês passado e não tenho por milagre, o que quer dizer que tu tem, já que nessa sala de brasileiras somos só eu e tu. 

– Gente, e como pega?

– Água e alimento contaminados.

– Eita. Então é melhor a gente não falar de Carnaval, né?

– É o que eu tô te dizendo. Tu não tá concordando com nada que eu sugiro, percebe?

– Calma. Bora feijoada, então?

– Negativo. Perdeu a graça já, e depois, vai que tem algum vegetariano. Tem bolovo. Quer bolovo?

– Pode ser, tranquilo.

– É que não é um momento próspero para inventar que um negócio é nosso sem ser. E se tivermos colegas de Londres? Não é, meus queridos? Minha compatriota provavelmente não sabe que o bolovo, antes de ser bolovo, era scotch egg. Criado para ser servido com chá, nos palácios de toda Great Britain…, Ariela puxa um milhão de erres no medo de um improvável londrino frequentador de aulas de inglês para estrangeiros nos tomar por desonestas. 

– Querem passar a vez?, Gary se desespera.

– Não, teach (seria meio que um “prô”, na tradução livre de Ariela). A gente vai concordar aqui. Calma.

– Já sei. Rio de Janeiro. Tu não é carioca? Rio de Janeiro não tem defeito, vai?

Você já não sabe mais o que dizer.

– Tá louca, garota? Vai dizer o que o Rio tem ou não tem pra uma carioca?

– Pronto Birigui, Gary. Pode escrever no quadro aí: o que o Brasil tem que me dá mais orgulho é Birigui.

Você derrama todo seu conhecimento biriguiense na cabeça de 21 estrangeiros inocentes, passa o resto do mês sustentando a importância de ter crescido na capital latina do calçado infantil e aprende que nunca, nunca vale a pena questionar um brasileiro orgulhoso. Ainda mais se for um carioca.


Roberta D’Albuquerque é psicanalista e coautora do livro Quem manda aqui sou eu (HarperCollins). Atende no seu consultório em São Paulo e escreve mensalmente neste espaço. Acompanhe em @robertadalbuquerque.