O retorno das party girls

Como o sucesso de Brat, de Charli XCX, deu um reset cultural no pop ao colocar o foco na pista de dança e em uma nova forma de falar de feminismo.

O dia 22 de junho de 2024 ficou marcado para sempre como o dia em que Charli XCX trouxe sua turnê para o Brasil como parte da divulgação de Brat, seu sexto álbum. Esqueça os estádios lotados ou as arenas com filas quilométricas e shows ensaiados demais: Party Girl é o nome do projeto de divulgação em que a cantora discoteca, escolhe DJs que estão em sintonia com seu momento e faz uma verdadeira festa. E dá para ver que ela curte uma festa mesmo. O nome desta matéria não é à toa.

Por aqui, a festa aconteceu no Zig Studio, uma boate LGBTQIAPN+ que tem três unidades na capital. Os ingressos eram disputadíssimos e começaram a ser vendidos antes de o álbum ser lançado. Na mesma época, a cantora havia lançado seu primeiro Boiler Room. No line-up nacional, DJs como Rafa Maia – um dos donos do espaço e quem ajudou a viabilizar a vinda de Charli para o Brasil –, Spencer Q e outros nomes proeminentes da cena de boates gays da cidade. Um amigo da cantora, Alex Chapman, também se apresentou. 

Era como se fosse uma festa, dessas que acontecem todos os finais de semana na cidade, mas com um dos nomes mais importantes do pop atual como headliner. Quem foi se apaixonou. “A gente estava aberto para qualquer coisa. Se ela quisesse ficar cinco horas com o microfone, não tinha problema”, conta, em coro, o casal que comanda o Zig, Rafa Maia e Werik Andrade. 

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Uma nova forma de ser mulher

A importância do Brat ainda não pode ser medida em toda a sua totalidade. No dia anterior à produção desta matéria, Kamala Harris, candidata à presidência dos Estados Unidos, adotou o adjetivo em sua campanha. “Brat summer” é um dos termos mais usados para falar sobre a temporada de verão europeu e estadunidense. O verde brat, tom que colore o álbum e toda a sua divulgação, virou a cor do momento. No X/Twitter, vários usuários mudaram sua foto de perfil para combinar com a estética.

“A capa traz uma ironia ao pop, já que usa linguagens gráficas elementares, em baixa resolução, para falar sobre algo que é o oposto disso”, explica o produtor e designer Lucas Cassoli. “O pop nesse disco é exagerado. É hyperpop. A escolha dela para representar essa intensidade a partir de algo que parece casualmente feito às pressas traz a percepção de como a demanda do pop exige cada vez mais perfeição em escala de produção musical.”

A complexidade nas letras de Charli gira em torno das dores e delícias – principalmente as dores, vamos ser realistas – de ser mulher. Diferentemente da música pop produzida nos anos 2010, que bebia muito da fonte da quarta onda do feminismo e do girl power, aqui a cantora explora mais nuances. Em “Girl, so confusing”, a versão remix com a Lorde, as duas falam de rivalidade feminina de forma quase sem precedentes na história. Enquanto há faixas mais animadas e festeiras, existem também outras mais românticas e questionadoras. Em um momento, ela canta sobre querer sair e se jogar e, no outro, sobre se quer mesmo ser mãe. Ninguém é uma coisa só – mas, se precisasse escolher apenas um adjetivo para definir Charli, eu escolheria “autêntica”.

Autenticidade é tudo

Como sempre acontece no pop (e em todo lugar, basicamente), quando algo faz um sucesso estrondoso, a fórmula será copiada. Ou pelo menos muitos vão tentar. Alguns meses antes de lançar Woman’s world, Katy Perry já havia retrabalhado toda a sua identidade visual, usando elementos gráficos futuristas e um quê de garota da boate. 

Quando o single foi ao ar, em 11 de julho, a decepção veio. “A Katy Perry escolher uma música feminista para estrear essa nova era é bem simbólico. Só que, diferentemente das outras cantoras, a música não tem nenhuma nuance. Parece que foi comprado um pacote pronto de feminismo do filme da Barbie”, comenta  Carol Prado, jornalista cultural e especialista em pop. Junte a isso o fato de que a cantora trabalhou com o produtor musical Dr. Luke, acusado de abuso sexual por Ke$ha. 

Essa maneira de falar sobre ser mulher parecida com aquela que vimos nos anos 2010, apesar de ter sido necessária para introduzir toda uma geração aos conceitos do movimento, hoje não faz mais sentido. A música criada exclusivamente para fazer sucesso às vezes tem dessas. O público não sabe o que precisa ouvir até que a canção certa chegue aos seus ouvidos. Foi o que aconteceu com Charli XCX.  Diferentemente de Katy Perry, dá para sentir que a cantora britânica é tudo aquilo que ela canta. Quem estava no Zig no emblemático 22 de junho também sentiu. “Ela não sobe no palco e faz o que precisa fazer. Ela realmente parecia feliz de estar ali, curtindo o lugar. Estava envolvida em todos os processos e tudo pareceu muito genuíno, mais humano”, concorda Rafa Maia, do Zig.

The truth is on the dancefloor

Não é só que a pista de dança tenha saído de moda – elas sempre estiveram lá e sempre vão estar. Há agora uma nova geração de mulheres que descobriu os prazeres de se jogar sem preocupação, dançar até não poder mais e curtir a música. 

Para isso, o look precisa ser apropriado. Carioca de 23 anos, Olivia Padilha, mais conhecida como Ollie nas redes sociais, vive postando vídeos de “arrume-se comigo no TikTok” antes de ir para a boate. “Gosto de misturar estampas e texturas, amo microshorts e estou obcecada pela minha Melissa de plataforma. Danço até de manhã com ela!”, conta. 

olivia

Quando questionada sobre quem são suas referências de estilo, dois nomes vêm em mente: Madonna e Kate Moss. Duas grandes garotas festeiras. “Me inspiro nelas menos pelos looks e mais pelo sentimento que transmitem”, completa. E qual é o look ideal para passar horas dançando? “Gosto de usar roupas que aumentam a minha autoestima e me deixam confortável.” 

Conforto, aliás, é uma palavra importante para quem é aspirante a party girl, até porque ninguém sobrevive a horas na pista com uma roupa apertada ou um salto que machuca o pé. O glamour, no entanto, não fica de lado: meias-calças rendadas, bodies, microcomprimentos e casacos de pelúcia poderosos compõem o guarda-roupa dessas garotas.

Na maquiagem, o look messy girl, que invadiu as redes sociais, ganha outra cara. Em vez de um olho milimetricamente borrado, os delineadores e lápis pretos vão se transformando ao longo da noite. E você pode até tentar imitar, como muita gente vem fazendo com a música de Charli XCX, mas a autenticidade não pode ser replicada sem horas na pista de dança.