Sustentável ou plástico disfarçado?

De cacto ou cogumelo, as alternativas de tecidos de origem vegetal ganham destaque, mas é necessário transparência para entender o seu real impacto.

Em março deste ano, a apresentação de inverno 2024 de Victoria Beckham na semana de moda de Paris deu o que falar. O motivo não foi o desfile, mas o protesto do grupo Peta. A organização internacional, que luta pelos direitos dos animais, convocou duas ativistas para invadirem a passarela da ex-Spice Girl – conhecida por trabalhar com peles em suas criações. As militantes seguravam cartazes com as frases “viva o couro vegano” e “animais não são tecidos”. 

PROTESTO VICTORIA fotos

Protesto do PETA durante desfile de inverno 2024 de Victoria Beckham. Fotos: Getty Images

O debate em torno do veganismo na moda, claro, subiu mais uma vez ao palco. Mas, em meio a tantas opiniões divergentes, o assunto se mostrou uma estrada sinuosa, que exige atenção e coerência. Para começo de conversa, o veganismo não é apenas uma dieta. É um estilo de vida que visa excluir todas as formas de exploração e crueldade contra os animais. O foco não é necessariamente ser saudável, viável ou barato. A ideia é proteger a fauna como um todo.

Ou seja, embora o veganismo promova a exclusão de produtos de origem animal, o que pode reduzir o impacto ambiental, ele não garante, por si só, práticas sustentáveis em todos os aspectos. O couro sintético, protagonista dessa conversa, é um exemplo.

Durante muito tempo, o material foi tratado como uma alternativa ecológica à sua versão original – com o apoio de muita gente. É algo bastante compreensível, afinal usar uma matéria-prima que elimina sofrimento animal era suficiente para justificar o interesse na novidade. Mas, como tudo na moda, o tempo passou, questionamentos foram feitos e um ponto foi levantado: apesar de vegano, ele é sustentável?

A resposta é não. A maioria dos tecidos sintéticos, afinal, é feita de plásticos derivados de petróleo, como poliuretano (PU) e policloreto de vinila (PVC). São materiais não biodegradáveis, que podem levar centenas de anos para se decompor. Além disso, seus desenvolvimentos envolvem usos intensivos de produtos químicos tóxicos e liberam grandes quantidades de gases de efeito estufa.

E agora, José?

Diversos tipos de “couro” surgiram, então, como opções menos poluentes. O de cogumelo, por exemplo, é um dos mais conhecidos. Em sua forma mais pura, o derivado do micélio, que é uma rede de fungos, é mesmo um material natural e biodegradável – até aí, tudo certo. No entanto, algumas empresas costumam inserir polímeros sintéticos no processo de fabricação do tecido com o objetivo de melhorar a durabilidade. Com essa composição, é como se o tecido fosse um cogumelo de plástico. 

A informação, infelizmente, não aparece nos “posts verdes” do Instagram e na descrição dos produtos. E a manipulação tem nome: greenwashing, uma estratégia de marketing enganosa, que acontece quando marcas promovem produtos como sustentáveis e ecológicos, mas escondem os processos por trás.

“Desconfiar é importante. Há muitas alternativas vegetais que são mais prejudiciais ao meio ambiente do que o couro animal”, afirma Airon Martin, fundador e diretor criativo da Misci. “Por isso, o melhor é sempre procurar entender a procedência e composição, não importa o material.”

MISCI Creditos Rogger Cordeiro 3

Misci. Foto: Divulgação

Em parceria com a Nova Kaeru, empresa brasileira de tecnologia têxtil, Airon desenvolveu o Be Leaf, um material vegano feito da folha de orelha-de-elefante, apresentado pela primeira vez no desfile de sua marca em junho de 2023. Graças à agricultura regenerativa, essas folhas são coletadas em áreas preservadas por agricultores de fazendas de reflorestamento no Rio de Janeiro. Por meio de um processo de curtimento orgânico, textura, forma e cores oriundas da natureza são mantidas, enquanto resíduos são compostados e utilizados como nutrientes do solo.

“O processo é lento, mas surpreendente. O material passou por muitos testes e evolui a cada versão. Fomos escolhidos pela Nova Kaeru para encontrar uma resposta estética e funcional a essa inovação”, explica o designer.

Airon admite, porém, que a produção em larga escala enfrenta desafios. “Por enquanto, não temos nada à altura do couro animal em termos de acabamento e durabilidade. Mas estamos no caminho e acredito que, em um futuro próximo, teremos substitutos equivalentes e em grandes quantidades.” Enquanto isso, segundo ele, a melhor alternativa é entender a rastreabilidade do tecido. “Esse é nosso desafio principal”, completa, com base nas experiências do próprio negócio.

Criada em 2017 com o propósito de resgatar técnicas manuais tradicionais no sertão nordestino, a potiguar Depedro, comandada pelos irmãos Marcus e Larissa Figueirêdo, é outra que vem pensando em maneiras de trabalhar com matérias-primas mais sustentáveis. “Com diversas pesquisas, chegamos ao tecido à base de fibra de casca de banana”, explica Marcus. O Banan, como o material foi chamado, é leve e de caimento ideal para camisas e peças fluidas. “As cascas são ressecadas em altas temperaturas, viram fibras e então fios.” 

Camisa banan DE PEDRO

Depedro. Foto: Divulgação

Outro destaque no mercado é a Veja, uma marca especializada em calçados. Ela utiliza materiais como o algodão agroecológico e a borracha natural proveniente da Amazônia e foi pioneira no uso de B-mesh, um tecido feito 100% de garrafas plásticas recicladas. 

veja b mesh

Tênis, Veja. Foto: Divulgação

Lá fora a britânica Stella McCartney segue como um consenso do mercado por sua inovação em sustentabilidade. A estilista não usa couro, peles ou penas de origem animal há 20 anos. Determinada a mudar o cenário da indústria, ela se posicionou como uma das principais líderes no desenvolvimento de alternativas de menor impacto ambiental, explorando e dominando o uso de materiais como Mylo, um tecido vegano feito de micélio, cultivado em laboratório pela empresa Bolt Threads utilizando recursos renováveis, algodão orgânico, fibras ecológicas, poliéster reciclado e cashmere reutilizado, esta uma matéria-prima adotada também pela uruguaia Gabriela Hearst.

Stella Mccartney e Grabriela Hearst

Stella McCartney. Foto: Divulgação

O resumo da história? Sim, o veganismo desempenha um papel importante na procura por uma moda sustentável e sinaliza para um futuro que respeita tanto os seres vivos quanto o meio ambiente. Limitar a discussão à substituição de materiais de origem animal, porém, é insuficiente.

Mais importante do que eliminar o couro é olhar o sistema como um todo, promovendo práticas que minimizem os danos e se ajustem à complexidade do mundo real. Afinal, a sustentabilidade envolve pensar no impacto de cada escolha que fazemos, e não apenas deixar algo para trás.