Os fios estão soltos, ondulados por babyliss, iluminados por luzes. O gel? Esquecido no armário. O blush? Sai o rosinha e entra o vermelho, um truque de Rose-Marie Swift, a maquiadora estadunidense que fez fama por assinar a beleza dos primeiros desfiles de lingerie da Victoria’s Secret. Na pele, voltam o contorno e o “full face”, a alta-cobertura, a ideia de um rosto esculpido por 50 tons de nude. Na boca, lápis e gloss se combinam para dar a impressão de volume. Se a clean girl – com o seu coque polido e a sua maquiagem leve – está ficando de lado, ainda não podemos afirmar com certeza, mas podemos garantir que muitas delas estão migrando para sua irmã mais velha: a bombshell. Visual comentadíssimo e almejado nos anos 2000, ele agora ganha um fôlego extra em um mundo que, a cada dia, parece mais conservador. Timing perfeito? Quase isso.
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“Eu não imaginei que a clean girl fosse durar tanto, principalmente vendo a quantidade de tendências que nascem e morrem nas redes sociais em questão de semanas”, comenta Vanessa Rozan, maquiadora, apresentadora e mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP. A estética, que surgiu em 2022, teve a antecessora Vanilla Girl… (Falamos bastante sobre ela aqui.) “Não lava a louça, é sempre limpa, polida, perfeita”, completa Vanessa, que acredita que a estética é um grande guarda-chuva que cruza com um retorno do conservadorismo político ao redor do mundo. Segundo ela, esse levante está quase sempre apoiado em uma ideia social de “papel da mulher” como submisso ao patriarcado.
Coincidentemente (ou não), o termo bombshell, que agora volta à moda, foi cunhado por homens há muito tempo. No intuito de descrever uma imagem feminina sexy, hedonista e objetificada, a palavra em seu sentido literal quer dizer algo como “a camada exterior de uma bomba”, ou uma granada – não à toa, o filme Bombshell (1933) foi traduzido para o português como Mademoiselle Dinamite. O longa-metragem, por sinal, tinha como estrela a atriz Jean Harlow, conhecida na época como Blond Bombshell. Mais tarde, o termo se popularizou para descrever o perfil sedutor das mais famosas e bem-sucedidas atrizes da era de ouro de Hollywood – sendo Marilyn Monroe a representação máxima do estereótipo.
Jean Harlow em Bombshell Foto: Getty Images
“O que ocorre é que as novas gerações consomem as redes sociais como entretenimento e é dessa maneira que essas estéticas pautadas pelo conservadorismo se propagam.”
Vanessa Rozan
Corte seco para a segunda metade dos anos 2000 e começo dos 2010. Na passarela dos icônicos desfiles de lingerie da Victoria’s Secret caminham as Angels – mulheres donas das pernas, seios, barrigas, cabelos, bocas e bundas mais cobiçados no período. É aqui que uma nova geração é apresentada a essa palavra. Adriana Lima, Gisele Bündchen, Candice Swanepoel – ainda que também magérrimas – eram as modelos do tipo “mulherão”, que vinham substituir a imagem já desgastada de perfis como o de Kate Moss, que, na década anterior, fizeram sucesso na esteira do “heroin chic”.
Fotos: Getty Images
Ainda assim, nesse mesmo período, surgem a internet e as redes sociais, que em um primeiro momento foram o palco de uma série de discursos que não vinham à tona na mídia tradicional. “Estávamos discutindo a pluralidade na beleza. Era a época do movimento body positive. Falávamos sobre a autoaceitação. Foi nesse ambiente digital que começamos a enxergar um caminho para a diversidade”, lembra Vanessa. De fato, o mundo mudou muito por causa disso: os comerciais de cerveja com mulheres objetificadas saíram do ar, o movimento #MeToo derrubou assediadores no mundo todo, vários países criminalizaram o feminicídio de lá para cá e, sim, a discussão sobre a beleza seguia para uma compreensão mais inclusiva da palavra. Por que, então, estamos falando de “bombshell” novamente?
“A imagem que criamos de que agora absolutamente tudo mudou na questão do feminino e que podemos ser quem quisermos é uma ilusão”, argumenta Maraisa Marques, pesquisadora e mestre em semiótica e comunicação pela PUC-SP. “Acredito em um meio-termo bem paradoxal. Não permanecemos mais aprisionadas e submissas ao olhar masculino, mas não estamos completamente livres dele. Nunca estivemos”, analisa.
No ano passado, as passarelas começaram a revelar esse cenário ambíguo descrito por Maraisa: as modelos plus-size (que finalmente tinham conquistado um espaço nos desfiles das capitais da moda) simplesmente sumiram. De repente, surge o Ozempic e aparecem muito mais magras inúmeras influenciadoras e celebridades que em dado momento repercutiam um discurso body positive… A volta do Victoria’s Secret Fashion Show talvez seja um dos melhores exemplos. Se por um lado houve um esforço em trazer mais diversidade para a passarela das Angels (ainda que essa diversidade seja bem limitada – saiba mais aqui), não faltavam comentários que diziam o que se pensava ter ficado para trás – “Quero ver cabelo perfeito e corpo inalcançável, mesmo!” –, acompanhados por milhares de curtidas.
“Voltando à questão da ‘bombshell’, o que ocorre é que as novas gerações consomem as redes sociais como entretenimento e é dessa maneira que essas estéticas pautadas pelo conservadorismo se propagam. Como elas ainda não têm à sua disposição uma série de importantes leituras sociais, os conteúdos aterrissam ali encontrando pouca ou nenhuma barreira crítica”, discorre Vanessa.
Além disso, ela retoma a ideia dos movimentos de ação e reação da história da política ocidental para explicar o comeback. “Nos anos 1980, nos Estados Unidos, a era Reagan foi um grande resgate do conservadorismo, depois de diversas causas – como a feminista e a antirracista – terem ganhado palco na década anterior. É exatamente isso o que ocorre agora. Depois de um momento de importantes discussões e movimentações progressistas na sociedade, chegou a hora do contra-ataque, a hora de tentar colocar a mulher ‘de volta em seu lugar’.”
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