Mais do que um post, todo um estilo e filosofia de vida

Como as redes sociais viram um laboratório para diferentes criadores de conteúdo expressarem seus estilos em linguagens bem particulares e para muito além da imagem.


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Você já parou para se perguntar sobre a sua estética? Não estamos falando de aparência física ou do que vê quando olha no espelho. Tem mais a ver com o estilo, mas não apenas em relação às roupas. É um pacote completo, como se toda sua vida fosse editada por um diretor de arte (no caso, você mesma) ou tivesse uma curadoria temática. É capaz também que já tenha se deparado com algum teste desse tipo na internet. Aí, você pode descobrir se sua vibe é mais cottage core, grunge, kawaii ou baddie.

Estética é um termo filosófico voltado para a reflexão a respeito da beleza e do fenômeno artístico. Tem a ver com a relação e harmonia das formas, das cores e de tudo mais para se construir algo belo, mas não somente. Ao longo do tempo, seu uso e estudo passou a englobar toda uma composição de fatores que expressam ou comunicam alguma mensagem específica – quase sempre pela imagem.

Recentemente, porém, a palavra ganhou popularidade nas redes sociais, principalmente o TikTok. “Qual é sua estética?” é a pergunta da vez. Nesses casos, ela tem uma aplicação parecida a da expressão estilo pessoal. Ainda assim, é a maneira visual como nos apresentamos para o mudo – virtual e real, cada vez mais sem distinção entre um e outro.

Os adeptos do tema cottage core, por exemplo, celebram o retorno à natureza e os trabalhos manuais. Geralmente, eles são vistos em fotos no campo, com vestidos mídi em padronagem vichy, fazendo suas próprias cerâmicas e por aí vai. Já o estilo Kawaii está relacionado a um look bem menininha suave e inocente, com tons pastel, estampas florais, saias plissadas e muito blush rosa. As Baddies, por outro lado, estão diretamente associadas aos padrões de beleza atuais, como o visual da família Kardashian.

Mas engana-se quem pensa que essas composições são criadas apenas para embelezar o feed ou que se trata de um mundo puramente visual. Tudo parte de um estilo de vida que guia essas escolhas. Como se uma gótica comprasse um macarrão preto em vez do tradicional para combinar melhor com seus looks e décor trevoso e, mais ainda, com o que sente e acredita.

Seja relacionado à profissão ou à maneira como gostamos de viver, esse senso imagético surge de bastante autoconhecimento e criatividade. Algo que, quem pôde se isolar, entrou em contato mais íntimo e direto, sem distrações cotidianas do mundo lá fora. E assim certas fórmulas vão ficando para trás, dando lugar a estilos mais particulares e verdadeiros, onde cada pessoa cria seu tema visual dentro do próprio microcosmo. O caminho é mais de dentro para fora do que o contrário.

A seguir destacamos quatro nomes que exemplificam o que estamos falando.

Ana Karoline Barbosa

“Observar os tempos da natureza e seus movimentos únicos influenciam diretamente o meu ritmo de vida e dos meus projetos profissionais”, diz a artista floral Ana Karoline Barbosa, de 23 anos. Adepta do slow living desde que nasceu em Bom Jesus dos Perdões, no interior de São Paulo, ela preenche seu perfil no Instagram com inúmeros arranjos e imagens relacionadas à flora e à fauna. Para ela, é uma maneira de desacelerar e se manter conectada a sua essência. “Viver em São Paulo, onde moro há 3 anos, é um constante desafio, mas a calmaria do interior não saiu de mim. Trabalhar com as plantas me liga ainda mais ao meu propósito de uma vida simples, ritmada e sem tanta pressa”, fala.

Em sua visão, as redes sociais podem ser tóxicas e boas ao mesmo tempo. A parte positiva diz respeito ao contato com outros artistas ou pessoas que tenham um lifestyle parecido ao seu. “Saber que não estou sozinha nessa me mantém ativa e inspirada”. Por outro lado, preservar seus momentos off-line, sem que nenhuma tela esteja envolvida, também é essencial para manter o foco e a saúde mental em dia. “Vivo minha vida e, depois, registro os momentos, acho que esse é um caminho mais saudável.”

Seja compartilhando suas técnicas em vídeos ou simplesmente postando a foto de sua sombra, Ana expõe suas vivências no mundo de forma harmônica, delicada e natural. “Acredito que a minha estética é permeada por uma vida sem tantos filtros, uma vida real de pessoas reais que precisam respirar, pausar e se cuidar.”

Julia Anadam

Aos 28 anos, a taróloga, jornalista e diretora de arte Julia Anadam já experimentou muito amor e muitas dores. “Isso me fez buscar um sentido maior em cada dia, cada passo e cada encontro. Tento ver além das reviravoltas, criando meu próprio sonho”, conta a paulistana. A conexão espiritual existe desde os 8, assim como a paixão pela escrita, herdada da mãe, que sempre escreveu poesias. “A partir daí, entendi que todos temos um fogo interno e, em algum momento, comecei a desenhar, cantar e a testar outras formas de expressão.” Anos depois, conheceu sua mestra, Soledad Domec, e iniciou a prática do tarô. “Com ela aprendo infinitamente sobre outros jeitos de entender a vida e os processos de cura para as vivências que tive quando mais nova.”

Boa parte dessas experiências são registradas em seu perfil no Instagram, um reflexo místico e poético de sua vida. “Já fui muito focada no que a minha estética poderia dizer sobre mim. Hoje, entendo tudo de uma forma mais abrangente, observando a narrativa das coisas”, explica. “Neste momento de pandemia principalmente. Estou sedenta por coisas táteis e verdadeiras, desejando criar espaços e experiências para que as pessoas os vivenciem, compartilhando uma pulsão e não apenas pensando no que tal coisa quer dizer sobre mim”. Para ela, as redes trazem duas perspectivas: “ver os desejos das pessoas – e também os meus– e ver como o coletivo tenta saciar esses desejos através de imagens, objetos e locais”.

A partir desse prisma, Julia decidiu criar sua própria ética estética. “Em toda minha produção, não tenho interesse em causar desejo desesperado de consumo e, sim, vontade de viver”, define. “Tudo o que faço tem a ver com sensorialidade, delicadeza, acolhimento e verdade, seguindo uma história mais profunda da humanidade, e num tempo mais alongado”.

Michell Lott

Com quase 50 mil seguidores, o perfil de Michell Lott é um retrato de seu dia a dia como diretor criativo, cenografista, consultor de cores e pesquisador de tendências. “Sempre fui muito esteta e guiado pelas coisas bonitas ao redor”, conta. Filho único, o mineiro, há nove anos radicado em São Paulo, passou boa parte da infância assistindo televisão e acredita que isso o influenciou diretamente. “Me mostrou alternativas de como poderíamos morar em casas mais bonitas, vestir roupas melhores e viver em um mundo com uma curadoria”, diz. “Quando entrei na fase adulta e tomei as rédeas da minha própria vida, me esforcei para construir uma realidade ao meu redor que tivesse essa beleza poética que encontramos na ficção.”

Ao longo do tempo, a tecnologia e as redes sociais também entraram para o mix de influências. “Desde o momento em que nos deram uma câmera e pudemos nos autoretratar, a forma de nos relacionarmos com a estética mudou”, afirma Lott. “Aí, evoluímos para as redes sociais e, além de nos retratar, nos publicamos e nos tornamos os autores das nossas próprias histórias.”

Neste aspecto, a internet se tornou uma grande fonte de inspiração. “Muitos falam que isso é perigoso, porque estamos caminhando para um momento de uniformidade visual, mas se soubermos usar direito, as mídias sociais podem ser um lugar maravilhoso para aumentarmos o nosso repertório estético”, diz. “Através delas, consigo absorver referências de vários lugares, misturar isso num liquidificador e colocar para fora”.

Suas escolhas, contudo, não são feitas pensando no que será divulgado. Primeiro, elas acontecem na vida real para, depois, serem postadas. “Não quero ter uma casa linda só para poder aparecer no Instagram, para fechar um publi ou sair em uma revista”, afirma. “Percebi que morar em um lugar assim me faz bem, e isso me leva a um lugar mais próximo dos meus desejos e dos meus sonhos.”

Sua casa, aliás, é um grande laboratório criativo – até um bolo mofado tem sua poesia e pode se tornar objeto de cena. “Mesmo que ela esteja toda bagunçada, ainda estará bonita, porque todos os objetos foram curados e estão ali por um motivo”, diz.

Miriam Seixas

Nascer em uma pequena cidade no extremo oeste da Alemanha, em uma região industrial, totalmente destruída na Segunda Guerra e reconstruída sem nenhuma preocupação estética, instigou Miriam Seixas a descobrir suas próprias inspirações imagéticas. “Sempre tive uma memória de cores excepcionalmente boa, e, até hoje, tenho essa sensibilidade. Às vezes, lembro de situações que vivi somente pelos tons”, diz.

Durante a infância e adolescência, o interesse pelas cores evoluiu para uma paixão por design e decoração. “Por muitos anos, tive uma casa de bonecas que usava para arrumar os quartos, reorganizar os móveis e testar diferentes efeitos de proporções, texturas e tonalidades.” Mas foi somente na fase adulta que esses assuntos se integraram a sua vida de fato. “Como estudante, morava em apartamentos compartilhados, com móveis funcionais que não me interessavam porque só dormia ali”, recorda. “Tudo começou depois da faculdade, quando fui morar sozinha e, finalmente, tive a liberdade para experimentar minhas próprias ideias.”

Desde então, Miriam dedica boa parte do tempo ao décor, desenvolvendo ideias nas casas que divide com o marido português, em Hamburgo e Porto – tudo devidamente compartilhado em seu perfil no Instagram, um misto de moodboard de cores e inspirações para quem curte design de interiores. No apartamento alemão, onde o casal mora há pouco mais de um ano, ela está finalizando um novo conceito de home office para deixar o ambiente mais prático e confortável. Já no endereço lusitano, se destaca a composição cromática e o mix impecável de objetos de design. O espaço ganhou destaque no Airbnb e pode ser locado para uma imersão real em seu universo.

Ser uma criadora de conteúdo digital lhe trouxe uma preocupação maior com as imagens que produz e expandiu seu olhar. “O pluralismo estético definitivamente moldou minha linguagem e ampliou meu horizonte do que considero belo, especialmente porque são espaços habitados e não produções artificiais. A estética não é tão limpa e perfeita, é mais relaxada e viva”, diz. “Isso também é algo que busco nas minhas fotos: que sejam naturais e não pareçam uma produção meticulosamente composta”, completa ela.

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