A nudez contra-ataca

Milena Paulina, a artista por trás do perfil @olhardepaulina_ , trabalha para normalizar o corpo feminino ao subverter duas ferramentas que, por tanto tempo, se combinavam para oprimi-lo: a fotografia e o nu.


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Você pode não acreditar em astrologia, mas ao comparar a estética do perfil @olhardepaulina_ no Instagram ao mapa astral de sua autora, a paulistana Milena Paulina, impossível não traçar alguns paralelos. O Sol em escorpião fala de uma insatisfação com discursos pré-fabricados, está conectado a uma necessidade de aprofundamento, de conexão. O ascendente em câncer ajuda na hora de acolher, receber, conquistar e nutrir. Por fim, a Lua em virgem norteia o pensamento pelo viés da pureza, da transparência, do encontro verdadeiro, do contato com os conteúdos da alma. As extraordinárias fotografias de Milena são, em sua maioria, dedicadas ao nu feminino. O intuito é seguir na contramão do que a nudez, por muitos anos, representou na cultura de massa: uma versão objetificada, única e inalcançável da mulher.

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Milena Paulina

“A fotografia chegou até mim como um resgate para quem já havia desistido da salvação: eu era uma pessoa invisível aos meus próprios olhos. Foi depois de ver um ensaio da modelo Jacqueline Jordão, na internet – um corpo gordo, semelhante ao meu, em forma de arte – que eu descobri o que estava faltando para mim: representatividade”, relembra em entrevista à ELLE Brasil. “Eu trabalhava com informática, acredita? Nada a ver com a arte que, aliás, nunca tinha sido uma possibilidade para uma garota que viveu a vida toda na periferia de Itaquaquecetuba; lá a gente não sonha em ser artista, só em sair de lá. Foi bem mais velha, com a explosão do Instagram que eu comecei a ter interesse em fazer algumas fotos”.

Tudo começou, então, em 2017, com o projeto “Eu, gorda” que viajou o Brasil todo e contou com mais de 300 personagens fotografadas. “Quando se fala da construção de um padrão de beleza, voltamos para a ideia desse corpo que é vendido como ‘perfeito’, nem que precise ser digitalmente manipulado para isso. A nudez sem essas modificações dentro do universo da fotografia parece que chega para lembrar-nos da realidade de nossos próprios corpos. Eu já fui essa pessoa que, ao me comparar com o padrão, me sentia excluída e ficava mal por isso.”

“O nu tem o poder de deixar tudo mais humano. Caem as barreiras, as armaduras e os artifícios aos quais por vezes recorremos para manter escondido aquilo que não temos coragem de olhar.”

Depois de uma longa jornada encontrando diferentes corpos em seu caminho, essa realidade mudou. Hoje, Milena não consegue dissociar a sua relação com sua imagem de seu trabalho artístico. Não à toa, sua nova série fotográfica chama-se “Jezebel” e tem o intuito de, por meio de autorretratos, quebrar tabus a respeito da sua sexualidade. “É muito interessante quando pessoas que não têm necessariamente os mesmos corpos que estão nas fotos que publico vêm até mim para dizer como esse tipo de representação as ajuda na hora de retratar-se com o espelho”, conta. “O nu tem o poder de deixar tudo mais humano. Caem as barreiras, as armaduras e os artifícios aos quais por vezes recorremos para manter escondido aquilo que não temos coragem de olhar. Em certa medida, o registro da nudez traz ao corpo retratado uma ideia de suficiência. Por isso, meu processo é muito intuitivo. Meu maior interesse é na pessoa que estou retratando: a proposta é fazer com que ela enxergue nela a beleza que eu estou vendo de fora.”

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Milena Paulina

Afinal, o que é beleza no mundo pós-moderno em que vivemos? Paulina já acreditou que ela era um sentimento. Também acreditou que ela era um produto do capitalismo e chegou a odiar o que a ideia de beleza causa nas pessoas. Hoje em dia, prefere deixar esse conceito em aberto. “Ainda temos um longo caminho de desconstrução e reconstrução para atravessar, com muita pesquisa e muita vivência. Acho que a única coisa que eu realmente espero é que a gente consiga, um dia, chegar em um momento em que a beleza não seja opressora. Nem do jeito mais tímido. E, infelizmente, isso ainda está longe de ser realidade.” Prova disso é a constante censura do Instagram que até já chegou a derrubar a sua primeira conta por completo. “Perdi um perfil que já contava com mais de 60 mil seguidores”, lamenta. “Mas, minha ideia é deixar de ser refém das redes sociais.” Assim, Milena tem focado em desenvolver o seu site oficial e vendido versões impressas de suas imagens para as pessoas as terem em casa. “Acredito que a mensagem que eu estou tentando passar é maior do que uma rede que, em algum momento, será substituída”, arremata.

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