Existe um jeito mais suave de lidar com a acne?

A conversa sobre aceitação corporal nas redes sociais está começando a adentrar o território das espinhas e, por isso, uma nova geração de marcas de skincare chega com a promessa de transformar a maneira como o assunto é abordado dentro deste mercado.


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Em janeiro de 2018, viralizavam nas redes sociais as imagens criadas pelo fotógrafo estadunidense Peter DeVito. Com apenas 20 anos de idade, o aspirante a ilustrador e estudante do Fashion Institute of Technology (FIT) de Nova York viu algumas de suas publicações serem repercutidas por grandes personalidades da moda como a modelo britânica Cara Delevingne. “Eu não teria coragem de postar uma foto minha assim. E isso está muito errado”, escreveu na legenda de seu #regram.

A imagem em questão é um close bem fechado da pele acneica de DeVito. Sobre as espinhas estão alguns adesivos transparentes com os dizeres de uma linha do hit “Humble” do disco DAMN. (2017) do rapper Kendrick Lamar: “I am so fucking sick and tired of the Photoshop”, em tradução livre, “Eu estou puto, enojado e cansado do Photoshop”. A partir daí, o que era uma série de autorretratos transformou-se em um extenso projeto que, até hoje, segue trazendo questionamentos importantes a respeito de como a nossa pele é percebida pela sociedade. E mais, quais são as consequências dessa leitura para a autoestima de quem não tem a tão desejada “pele perfeita”. Vale uma visita ao seu perfil.

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O debate sobre aceitação corporal que circula pela internet, na maioria das vezes, fala de estrias, celulite, gordofobia, mas, por vezes, deixa à escanteio as dinâmicas da pele do rosto. No decorrer dos últimos dois anos, um movimento de skin-acceptance (aceitação da pele) tem ganhado mais espaço nessa conversa. Basta observar a ascensão de influencers como Kadeeja Khan e Rocio Cervantes para perceber essa virada. Aqui no Brasil, a mestre em Filosofia pela USP e educadora de beleza Magô Tonhon (@mulhertrans) é um dos principais nomes na causa. Ela é a criadora da hashtag #PelePossível que incentiva seus seguidores a apaziguarem, pouco a pouco, o coração quando se olham no espelho.

Vale lembrar também que, ainda em 2018, por exemplo, durante o Globo de Ouro, a modelo Kendall Jenner foi duramente criticada por ter pisado no tapete vermelho do evento com algumas espinhas nas bochechas. Em resposta, a top que faz parte do clã Kardashian – em certa medida, responsável pelo que se entende como beleza hegemônica no Instagram, rede em que cada integrante da família tem milhões de seguidores –, foi ao Twitter defender-se dos ataques: “nunca deixe essa merda te impedir de fazer qualquer coisa”, escreveu.

Parece que o jogo virou, não é mesmo?

Neste mesmo ano, um pouco mais tarde, o serviço de assinatura para receber em casa absorventes de algodão 100% orgânico criado em 2016 tornou-se a Blume, uma marca de itens variados dentro da categoria “Wellness” (bem-estar) que prometem ajudar meninas a atravessarem a puberdade de uma maneira mais positiva e confortável. Inclusive na hora de lidar com a acne hormonal que, por vezes, dispara nesse período da vida. Depois de fazer uma pesquisa com seu público já consolidado, as irmãs Taran e Bunny Ghatrora – a primeira geração nascida nos Estados Unidos de uma família imigrante indiana – descobriram que 60% de suas clientes apontam para a adolescência como a época em que a sua autoestima foi mais violentada. Pensando nisso, a dupla criou uma série de produtos que vão desde os tais absorventes pelos quais conquistaram suas fãs até uma linha completa de skincare passando por velas perfumadas, meias confortáveis e bolsas de água quente com frases motivacionais.

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Reprodução: Blume

Acontece que, em 2019, as irmãs criaram a campanha #CelebrateSkin (Celebre a pele) que deu uma chacoalhada no mercado de cuidados com a pele. Aquela foi uma das primeiras vezes em que uma empresa desse ramo, de fato, retratou mulheres com espinhas nas fotos dos anúncios de seus produtos. “A geração Z fala muito de transparência: eles percebem quando uma imagem é alterada por programas de edição. Em parte, foi por isso que lançamos a #CelebrateSkin. Ali, mostramos pessoas com lindas maquiagens que não escondem suas ‘imperfeições’. Quando a gente só vê um tipo de pele sendo representada pela mídia, isso se torna uma espécie de símbolo de status. E, evidentemente, surge uma pressão para se aproximar daquilo. O que a gente quer mostrar é que você pode ter orgulho da sua pele, mesmo que ela tenha acne”, declarou Taran para o blog de análise mercadológica estadunidense Trendalytics.

“A ideia de uma aceitação da própria pele está longe de ser algo simples. É imaginar o que você faria se tivesse a pele dos seus sonhos e tomar a atitude consciente de fazer tudo isso, mesmo sem ela”

O discurso é bonito e as imagens criadas pela Blume, de fato, ajudaram a ampliar o debate sobre a representatividade da pele acneica dentro deste mercado voltado, é claro, para pessoas que são obrigadas a conviver com espinhas no rosto. No entanto, na prática, aceitar a própria pele não é tão fácil e, mesmo com esforços de marcas como a Blume, o problema parece persistir. A pesquisa que catapultou a #CelebrateSkin, feita pela própria empresa, por exemplo, alega que 64% das mil mulheres entrevistadas ainda associam a ideia de uma pele bonita com a ausência da acne. 41% delas dizem que evitam sair em público quando estão com espinhas no rosto. 71%, por fim, relatam que já se sentiram deprimidas ou excessivamente ansiosas por estarem passando por um momento como este.

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Reprodução: Ben Ritter / Squish Beauty

A partir do reconhecimento de que esse processo de aceitação da própria pele não acontece do dia para a noite, outras novas marcas começaram a aparecer. A proposta delas é de que, ok, é chato estar com uma espinha no rosto, mas o que será que podemos fazer para lidar com isso de um jeito mais tranquilo, menos impositivo e, no melhor cenário, até divertido? A Squish nasceu em 2019 pelas mãos da modelo e ativista Charlie Howard. Depois de anos lutando contra seus próprios transtornos alimentares e desafiando as agências de modelos a diversificarem o seu olhar na hora de selecionar as meninas com quem desejam trabalhar, a agora empresária levou a sua postura mais inclusiva para o mercado de skincare. As campanhas da Squish prometem não ter retoque algum e seus produtos foram pensados para amenizar a angústia trazida pelos pontinhos amarelos na face. Trata-se de uma linha de adesivos de flores coloridas que aceleram o ciclo da acne no rosto.

“Eles, em geral, são compostos por uma camada interna autoadesiva de hidrocolóide e uma camada externa de espuma de poliuretano. O adesivo ajuda principalmente a proteger as espinhas inflamadas e é capaz de absorver o excesso de fluido, mantendo a umidade controlada e fazendo com que a espinha possa secar mais rápido”, explica o dermatologista Amilton Macedo, com 28 anos de experiência em medicina preventiva. “Por promoverem uma cicatrização mais rápida, podem acabar aliviando a dor também, uma vez que auxiliam no combate a inflamação”, completa a também dermatologista Lígia Colucci. “Hoje em dia, dizemos que a acne é uma doença que não tem cura, mas tem controle, principalmente no caso da acne adulta. Tanto para prevenir, quanto para lidar com as consequências que ela pode trazer como cicatrizes ou marcas na pele. Por isso, é sempre importante buscar o profissional adequado para este tipo de tratamento”, continua.

“É sobre aceitar a realidade”, retoma Howard em entrevista ao Refinery29. “Nossa campanha, por isso, traz garotas que estão se divertindo enquanto são elas mesmas. Tentamos imitar uma luz meio setentista que lembrasse um pouco do visual daquelas edições vintage da Playboy e pedimos para as meninas trazerem suas próprias roupas. Queremos vê-las como elas são e que elas consigam, também, enxergar beleza sem neurose ao olhar para o espelho.” A Squish também vende máscaras para a região debaixo dos olhos em formato de cerejinhas, um hidratante universal (cuja embalagem é estampada de oncinha) e um gloss labial – tudo vegano e livre de parabenos e sulfatos, aliás.

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Reprodução: Ben Ritter / Squish Beauty

Brilha, brilha, estrelinha!

Ao observar o sucesso meteórico de marcas como a Glossier e a Milk Make-up – que apostam em uma maquiagem de cobertura baixíssima ao mesmo tempo em que, na maioria das vezes, escolhem apenas mulheres de peles 100% lisinhas e brilhantes para estrelar suas campanhas –, a ex-editora de beleza da ELLE norte-americana Julia Schott decidiu entrar para o jogo e mudar esse cenário. Sua Starface foi lançada neste ano e, provavelmente, é uma das marcas de skincare mais comprometidas com uma abordagem não-violenta frente a questão da acne. “A ideia de uma aceitação da própria pele está longe de ser algo simples. Para mim, às vezes, uma solução que funciona melhor é tentar neutralizar os efeitos que a dinâmica do meu rosto costuma ter na minha autoestima. É tentar não limitar o seu valor como pessoa pela sua aparência. É imaginar o que você faria se tivesse a pele dos seus sonhos e tomar a atitude consciente de fazer tudo isso, mesmo sem ela”, disse em recente entrevista.

Os produtos são similares aos da Squish: adesivos de hidrocolóide (desta vez, em formato de estrelinha furta-cor) também entram em cena aqui e são o carro-chefe da marca que também trabalha com uma linha de skincare especializada em controle de oleosidade e limpeza profunda. Contudo, o visual da Starface – apesar de manter o aspecto ultra-colorido comum entre essa nova geração de empresas – está centrado em uma figura amarela com um sorriso preto desenhado. Algo como o “Smiley”, lembra? Para além da questão do retoque, Schott traz um novo questionamento: por que criar mais imagens para você ficar se comparando? Por isso, na medida do possível, o perfil do Instagram de sua marca tenta não publicar fotos de pessoas. Memes, piadinhas, inserções gráficas, informativos dermatológicos… Tudo isso entra no lugar no qual estariam as modelos.

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Há quem aponte para marcas como a Starface, a Squish e a Blume e as chame de hipócritas. Como se dizer skin-positive se elas continuam criando produtos para eliminar a acne e lucrando em cima disso? De fato, é um ponto que merece ser levado em consideração. Mesmo assim, vale lembrar que o próprio movimento de aceitação da pele acneica não prega tão somente um radical abandono dos cuidados com a pele ou até da maquiagem. Até porque, existem implicações sociais, interpessoais e subjetivas decorrentes dessa abordagem que a maioria das pessoas que sofre por ter que conviver com suas espinhas não estão preparadas para (ou simplesmente, não querem) encarar de frente todos os dias. Isso posto, talvez seja mais interessante um mundo em que a gente possa lutar contra a acne sem se odiar do que permanecer naquela armadilha de acreditar que é possível alcançar no espelho uma ilusão de pele que só o Photoshop é capaz de reproduzir. Pelo menos é para esse futuro que o mercado parece estar começando a se dirigir.

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