Por trás da imagem
Impedidos de trabalhar presencialmente, fotógrafos, stylists, maquiadores e modelos dividem suas frustrações e projeções para o mercado durante e após a quarentena.
“Todos os meus projetos foram cancelados e estou sem perspectiva nenhuma de trabalho.” Quem diz é a fotógrafa Nicole Heiniger, mas o relato é comum a muitos profissionais com quem a reportagem de ELLE conversou ao longo de quase dois meses de entrevistas. A crise do novo coronavírus e o distanciamento social escancarou a informalidade de uma indústria que, por fora, exala glamour, mas, na realidade, deixa muitos trabalhadores desamparados.
Conhecida por criar imagens leves, sofisticadas e tecnicamente precisas, Nicole está em quarentena desde o dia 15 de março. Neste período, está focada em projetos pessoais e em exercitar sua criatividade, enquanto organiza os arquivos para seu novo site. “Estou tentando ser menos racional na minha fotografia, acessar lugares mais profundos. Sou muito condicionada ao trabalho encomendado do dia a dia, então está sendo bom pensar em imagens de uma forma mais solta e espontânea”, conta.
Por conta da informalidade do mercado, muitos dos profissionais envolvidos na produção e criação de imagens de moda – fotógrafos, stylists, maquiadores e modelos – atuam de maneira autônoma. Em sua maioria, são freelancers e raramente têm contratos duradouros com publicações ou empresas. Muitos estão impossibilitados de trabalhar durante isolamento.
Sobre as práticas da indústria, Carla acredita em uma mudança drástica. Pelo menos é o que pretende praticar daqui para frente. “Acho que é uma grande oportunidade de mudança. A moda, a estética, as necessidades, o que é essencial… Precisamos repensar tudo.”
Já há algum tempo, a maquiadora faz parte de um movimento mais real e menos plastificado dentro do mercado de beleza nacional. Por aqui, o status quo por muito tempo foram peles opacas, sem viço, iluminadas em pontos específicos para destacar o olhar e as sobrancelhas, deixando todas as mulheres iguais. Para quebrar esses padrões enraizados na indústria, foi preciso muita ousadia na forma, na cor e aplicação de produtos, além de apostar em peles mais leves e linhas menos engessadas.
“No início, eu estava bem positiva, jurava que depois de um mês estaria trabalhando normalmente”, diz a maquiadora Jake Falchi, que havia começado há alguns meses um esforço para tentar entender como viver com menos. “Esse tem sido um projeto de futuro. Perceber que a gente pode viver com menos. O consumo e tudo que a gente está se privando durante a quarentena me fizeram entender que muitas coisas não são necessárias.”
Foto com beleza assinada por Jake Falchi.Foto: Fernando Thomaz
O isolamento social tem trazido à tona muitos questionamentos internos dos entrevistados. Maquiadora da M.A.C Cosmetics por 10 anos e hoje atuante no mercado autonomamente, Jake havia perdido a vontade de se maquiar, postar selfies e gravar vídeos tutoriais para suas redes sociais. “Já fui muito de criar esse tipo de conteúdo, mas perdeu a graça pra mim. Passei a me perguntar porque fazia tanto tempo que eu não colocava minha cara maquiada no Instagram.”
Depois de alguma investigação, a maquiadora chegou à conclusão de que fazia três anos que não postava um auto-retrato. “Tem a questão da autoestima e a questão do esvaziamento da selfie. Para mim, chegou o momento de enfrentar essa ansiedade. É o tempo certo para eu me descobrir e redescobrir coisas em mim”.
Diferente da maioria dos entrevistados pela reportagem, Jake foi uma das poucas que recebeu propostas remuneradas de trabalho durante a quarentena. “Tem rolado algumas lives com cachê junto a marcas com quem já trabalhei e que estão pensando na responsabilidade delas neste momento. Existe um certo comprometimento da empresa com a comunidade”, fala. Apesar dos valores serem inferiores ao de uma diária comum de trabalho, ainda assim é um cachê – coisa que poucas marcas estão oferecendo nesse momento.
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