Radicado nos EUA, Rodrigo Amarante lança segundo álbum solo, “Drama”

"Claro que tenho saudade de tudo do Brasil, mas não se vive disso", diz o compositor. Cofundador da banda Los Hermanos, ele conta se surpreender com a internacionalização de suas turnês e de sua plateia.


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Quando se dedica à carreira solo, o músico carioca Rodrigo Amarante, 44 anos, deixa muito longe as lembranças do tempo com os Los Hermanos, entre 1997 e 2007. De lá pra cá, muita coisa mudou, a começar pelo público: morando em Los Angeles desde 2008, Rodrigo passou a compor em línguas diversas, especialmente inglês e português (além de incursões ocasionais pelo espanhol e pelo francês), o que internacionalizou suas turnês e sua plateia. Ele se espanta com o ranking de audição de suas músicas pelo mundo nas plataformas de streaming, com Estados Unidos no topo, seguidos por Brasil, México, França, Alemanha, Turquia e Inglaterra.

Longe do estrondo comercial de Los Hermanos, Rodrigo se move sem muito alarde na carreira individual, que alavancou depois de experiências com a festiva Orquestra Imperial, ainda no Rio, e a banda roqueira multinacional Little Joy, ao lado de Fabrizio Moretti (baterista dos Strokes) e da cantora Binki Shapiro. Lançou-se solo com Cavalo, em 2013, e agora chega ao segundo álbum, Drama, mais uma vez dividido entre canções alegres cantadas em voz triste, ora em português, ora em inglês, ora misturadas. De certa forma, o sucesso e as reuniões recentes de Los Hermanos no palco (quatro, a última delas em 2019) possibilitam a Rodrigo criar uma história musical própria, longe das convenções ditas comerciais.

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Foto: Divulgação/Eliot Lee Haze

Em entrevista por vídeo de Los Angeles, com um bottom de Lula fincado ao peito, Rodrigo fala à ELLE sobre a volta aos shows nos Estados Unidos e na Europa (mas por enquanto não no Brasil), a experiência de compor e cantar a canção “Tuyo” (tema da abertura da série Narcos, da Netflix) e o antigo meme de internet em que o ex-estudante de jornalismo Amarante retruca perguntas de um repórter obcecado pelo rock radiofônico “Anna Júlia” (1999). Os tempos daquele sucesso vão distantes, mas Rodrigo ri da sina mantida: agora, lhe perguntam se será sempre lembrado pela “música de Narcos“.

Você se mudou para Los Angeles logo após a pausa com Los Hermanos?
Sim, por volta de 2008. Foi um período em que eu não sabia exatamente se estava morando aqui ou não, mas já estava aqui o tempo inteiro. Quando vim gravar pela primeira vez com Devendra Banhart, começaram as conversas sobre não fazer o disco novo dos Los Hermanos. Foi por ali, coincidiu. Comecei a escrever para o Little Joy ainda como um exercício de composição com Fabrizio Moretti, não tinha nada a ver com pausa dos Los Hermanos.

Com Marcelo Camelo em Portugal e você em Los Angeles, houve um êxodo de Los Hermanos?
Bruno Batista se mudou para Londres, por conta do trabalho, e Rodrigo Barba está no Rio. Não posso falar pelos outros, não sei. A gente sempre gostou de Portugal. Também tinha vontade de ir para lá, ainda tenho. E Marcelo acabou indo, ele tem passaporte português, porque um avô dele é de Portugal. Ele podia, pegou e foi. Mas não sei qual foi a motivação exata. A minha foi isso, eu meio que não decidi. Vim gravar com um, outro me pediu para escrever, escrevi mais músicas, isso virou um disco, um contrato, aí tinha turnê do Little Joy. Pensei, “ah, vou ficar dois anos aqui, que é um ciclo de turnê, e vejo o que faço”. Depois de dois anos, me apaixonei, fui ficando mais um pouco. Aí me casei (com a cantora estadunidense Cornelia Murr, que fez backing vocals e tocou instrumentos em Drama). Se o emprego e o amor me levam para um lugar, o que vou fazer em outro? Claro que tenho saudade de tudo do Brasil, mas não se vive disso, não é?


Rodrigo Amarante – I Can’t Wait [OFFICIAL MUSIC VIDEO]

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Como está se desenvolvendo sua carreira nos Estados Unidos?
Ela virou uma coisa internacional, mesmo. Por causa do lançamento do disco, fui forçado a ver um monte de coisas de que normalmente me afasto, e tive acesso a alguns índices, como a lista das cidades em que mais ouvem a minha música. Fiquei surpreso, é uma lista louca. Fico feliz, porque me dá oportunidade de viajar o mundo. Isso é no Spotify, é só um exemplo. Aliás, Spotify é terrível para os músicos. Está elitizando ainda mais a música. Você precisa ter mesada e ser rico para conseguir viver de música. Não se vive mais de vender disco, e ainda mais sem turnê agora, muita gente está sendo empurrada para fora da música. Se não houver uma conversa multinacional sobre isso, vai ficar pior, uma coisa super insular. Muitas bandas que se sustentavam vendendo disco sem ser grandes fenômenos agora estão inventando, vendendo coisa. Eu mesmo, o que posso vender? Vou vender meu violão. Mas olha só os países que mais ouvem a minha música: número um, Estados Unidos; número dois, Brasil, depois México, França, Alemanha, Turquia, Inglaterra e por aí vai. O mais estranho são as cidades: número um, São Paulo; número dois, Cidade do México; Paris, Istambul, Amsterdã e Rio de Janeiro no número seis. Claro que fico triste de ver que se ouve mais o meu disco em Istambul do que no Rio de Janeiro. É interessante ver como o sucesso dos Los Hermanos não reflete. Muita gente espera isso, e é natural, o cara lota estádios com Los Hermanos. Mas a carreira solo é uma outra vida. Me ouvem muito na França porque a imprensa local me adora, fala, me bota no jornal, toco no rádio. No Brasil, é diferente, pedem para falar mais sobre Los Hermanos. Tudo bem, não tenho problema de falar sobre Los Hermanos, eu falo.

É interessante ver como o sucesso dos Los Hermanos não reflete. Carreira solo é uma outra vida

Com essa lista de países dá para sobreviver confortavelmente?
Confortavelmente é uma coisa relativa. Claro, não posso reclamar, consigo pagar aluguel aqui, tenho comida, neste mundo do jeito que está, ainda mais com esse fascismo, esse neoliberalismo ao quadrado. Não posso reclamar de jeito nenhum. Aqui tem muito isso de “quais são seus goals?”, “você quer estar aonde em não sei quantos anos?”. Pode ser bobagem, talvez seja uma coisa até contra meu próprio envolvimento comercial, mas não ando assim. Não faço aposta. Levanto as mãos para o céu, tem muita gente que gosta da música. Acho incrível, uma bênção.

Sua resposta pareceu começar com um “porém”…
Se você pescou um “porém”, tem a ver com o maior paradigma do que é viver de música. Não posso dizer que não tenho conforto. Tenho um lugar para trabalhar, meu carro é velho, não tem ar-condicionado, mas me leva daqui para ali, está tudo certo. Porém –esse “porém” é em relação ao novo paradigma –, vou vender metade do meu estúdio, depois de ter feito esse disco, para poder fazer outro, por exemplo.

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Foto: Divulgação/Eliot Lee Haze

Você já voltou a fazer shows aí?
Um ano e meio sem fazer show, sem ganhar dinheiro, nesse sentido. Tenho uma turnê marcada na Europa. Na América Latina, não deu para marcar nada ainda. Tenho dois shows em outubro em Los Angeles e depois, no fim do ano, uma turnê aqui pela costa oeste. Mas no resto dos Estados Unidos está uma relutância danada. Ainda mais agora, acabou de voltar todo mudo a ter que usar máscara aqui, porque metade das pessoas acha que se tomar vacina, um robô vai entrar para dentro da veia e vai virar uma antena de celular, umas maluquices assim. Ou então não querem fazer o sacrifício de tomar a vacina.

Em Drama, os tratamentos musicais são alegres e sua voz é melancólica. Por quê?
Não sei, você que viu (risos). Não tinha prestado atenção nisso, mas consigo ver. É, tem músicas como “Tango”, que na superfície é manteiga, mas na letra tem uma coisa um pouco menos alegre. Até nos momentos que têm a ver mais com confusão e desespero, na escrita das canções, me permito colocar a máscara de fazer arranjo de violinos, me expressar através disso com vontade. Há uma alegria aí, um prazer em poder exercitar essa voz. E a minha voz inevitavelmente está mais próxima da semente do desespero e da confusão. Acabo, talvez de uma forma bem sutil, comunicando aquilo que me levou a escrever aquela música.

Como você vê, de fora, tudo que está acontecendo no Brasil?
É uma tragédia. Me dói não no sentido de “ah, que pena que o Brasil é assim”. O país não é assim. Rejeito essa ideia. Vejo esse sentimento dessa direita brasileira como de uma criança mimada que não quer dividir o brinquedo com o amiguinho e faz pirraça. Você fala: “Mas o amiguinho não tem com o que brincar”. “Não, isso é meu, meu papai me deu”. Aí pega metralhadora, fica tirando foto com metralhadora para assustar o amiguinho. Sai de motoca com os amiguinhos da sua gangue, “está vendo, a gente tem a nossa motoca, a gente vai pegar você”. Tento não cair na coisa violenta de achar que é um outro tipo de pessoa, uma pessoa horrível. Isso são nossos irmãos também, nosso povo. As pessoas que apoiam Bolsonaro são a gente. Mas acho que é uma gente com medo de perder o privilégio, da sexualidade do outro. É preciso combater esse discurso com tudo, mas sem cair na coisa de separar em pessoa e zumbi.

As circunstâncias atuais tornam difícil uma possível volta dos Los Hermanos?
Não, não tem nada que impeça. A gente adora fazer aquelas turnês de reunião, tocar as músicas, de volta ao passado mesmo, tentando tocar exatamente como era. Todo mundo adora, o público pelo visto adora. Nossa geração, os filhos que descobriram, um negócio lindo e rentável (risos). Não posso nem considerar isso agora ou no próximo ano, porque estou lançando disco, tem turnê e tal. Mas a gente está sempre prestando atenção um no outro, às vezes as coisas se alinham. Da última vez, acabamos gravando uma música nova, não tinha plano de fazer. Apesar de ser enorme, é bem como era, no espírito.

É um clássico seu meme numa entrevista a um jornalista, dando um coice nele…
Um bem antigo? Como é que eu falo? Sei lá, não lembro, um cara chato que estava perguntando “você vai ser sempre famoso por isso?”. Agora é: “Você vai ser sempre famoso pela música de Narcos?”. É até uma bobagem, jornalismo sensacionalista. Vou me incomodar com o quê? Só me incomodo mesmo com Bolsonaro e seus seguidores.


Rodrigo Amarante – Drama [OUT NOW]

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