A nova era da beleza nas redes sociais está sem filtro

Uma trend do TikTok incentiva os usuários a trocarem as fotos com o rosto modificado pelas naturais. Será que o movimento vai para frente?


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Reprodução: Instagram (@charlidamelio)



Há alguns anos, fazer alterações no rosto levava, pelo menos, uma ida ao consultório dermatológico para realizar algum procedimento estético. Entram, então, nas redes sociais, os filtros conhecidos como “embelezadores”, que alteram a face com o objetivo de deixá-la mais próxima possível ao padrão nariz fino, lábios carnudos, bochechas marcadas e pele lisinha.

Ainda que sejam apenas virtuais, o impacto dos filtros transcende as redes sociais. Não à toa, cirurgiões plásticos e dermatologistas relatam que seus pacientes passaram a levar suas fotos modificadas para o consultório querendo saber o que podiam fazer para ficar daquele jeito – este fenômeno ficou conhecido como “Snapchat dysmorphia” (em tradução livre, “dismorfia do Snapchat”). Um estudo realizado pela Academia Americana de Cirurgiões Plásticos, em 2017, revelou que 55% dos pacientes que realizaram rinoplastias tinham como objetivo sair melhor em selfies. Outra pesquisa, também realizada nos Estados Unidos, divulgada pela Dove revelou ainda que 50% das meninas não se acham bonitas em fotos sem edição e 60% se incomodam com o fato de que suas versões reais não são iguais às digitais. Falamos bastante sobre isso nessa reportagem.

Na contramão de tudo isso, surge uma trend no TikTok que estimula os usuários a se libertarem dos filtros. Ao som da música “Tear In My Heart”, do duo estadunidense Twenty One Pilots, os criadores começam o vídeo com um filtro “embelezador”, com maquiagem virtual completa. Em determinado momento da música, eles removem o filtro, revelando seus rostos naturais. A trend foi replicada por grandes influenciadoras da rede social, como Charli d’Amelio e Liana Jade.

@charlidamelio

De acordo com a pesquisadora de tendências Nina Grando, quem está à frente deste movimento é a geração Z. “Eles estão se rebelando contra essa vida filtrada e editada, com o feed criado a partir de uma curadoria perfeita. Isso acontece principalmente por conta da idade – quando somos mais jovens, é mais comum nos posicionarmos contra o status quo”, diz a especialista. A pandemia, claro, também tem sua parcela de responsabilidade. “Eles se viram obrigados a interagir com os amigos apenas por telas. Por que colocar ainda mais filtros em uma interação que já não é real? Eles estão carentes do que é de verdade”, completa Nina.

Ser autêntico para eles, aliás, é também sobre admitir inseguranças e não romantizar o processo de autoaceitação. “O que significa que eles também não entram de cabeça em movimentos como o body positive, por receio de cair na armadilha da positividade tóxica”, explica Nina. Então, usar ou não filtro, para essa geração, é também uma escolha completamente pessoal: não se sente segura ainda para abrir mão das selfies modificadas? Tudo bem, é um processo. Isso explica porque eles abraçam marcas de beleza que celebram pessoas reais – com acne, manchas, celulites ou estrias. “Mas isso como algo natural e genuíno, e não como mote de campanha trazendo frases como ‘beleza real’ – que, aliás, para eles, é uma ideia bem cringe“, comenta a expert usando a nova gíria dos Z’s que, do inglês, significa algo como “vergonha alheia”.

Mas e os millenials, onde entram nessa jogada? Principalmente no Instagram. Aqui, porém, o movimento anti-filtros é muito mais tímido e conta com poucos influenciadores para liderá-lo e ainda menos adeptos. Mas, ainda que em passos mais lentos, a mudança está acontecendo. Alguns criadores de conteúdo, inclusive, passaram a indicar em suas bios a transformação que estava acontecendo em seus perfis, usando frases como “aqui os stories são sem filtro”.

Um dos principais nomes deste movimento é o de Dora Figueiredo, que, há alguns anos, decidiu que só mostraria seu rosto sem alterações na rede social. “Eu usava os filtros como brincadeira, assim como a maioria das pessoas. Mas quando se tornou algo sobre ficar mais ‘bonita’, eu já comecei a achar estranho. Questionei o quão louco era depender de algo que não é real para me sentir bem”, relembra. Para a influenciadora, o uso desses artifícios é muito diferente de uma maquiagem legal ou de se dedicar ao cuidado da pele. Ao contrário dessas alternativas, os filtros são ferramentas instantâneas que te dão a sensação de ser algo que você não é. “Porque quando você se olhar no espelho, não é isso que você vai ver. Não importa o quanto você se cuide, você nunca vai ficar igual ao que vê no filtro. Somos pessoas reais.”

Não dá para negar o papel que celebridades e influenciadores desempenham neste movimento. “A gente se compara a pessoas que não são reais. Quando vemos essas fotos, sentimos uma urgência de sermos como eles – mas nem eles são assim de verdade!”, comenta Dora. Como os dados indicam, esse desejo de ser como as imagens perfeitas das redes sociais faz com que muitas pessoas tomem atitudes extremas. “Usar um filtro é diferente de fazer uma cirurgia, mas muita gente acaba acreditando que é possível, via bisturi, chegar nos resultados que vemos pelos Stories. As consequências dessa cultura de filtros, portanto, podem ser bem graves, haja visto todos os riscos por trás das cirurgias plásticas”, diz Dora.

Enquanto ideias como essa não fizerem parte de um senso comum entre os influenciadores e adeptos das redes sociais, em diversos lugares do mundo, já existem medidas que proíbem, por exemplo, que publicidades feitas com filtros sejam divulgadas nas redes sociais – caso da Noruega e do Reino Unido. No Brasil, ainda não existem medidas deste tipo. “A comparação é inevitável – todo mundo se compara. Por isso quero ser, na medida do possível, uma influenciadora do real”, finaliza Dora.

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