Esta designer cria acessórios a partir de suor humano
Do que você acha que seus acessórios serão feitos em 2030? A designer Alice Potts tem uma sugestão: suor humano. A proposta é ousada, mas ganhou atenção nos últimos anos em meio a uma corrida da indústria da moda por materiais mais sustentáveis.
Com uma visão interdisciplinar sobre a moda, a designer britânica Alice Potts resolveu desenvolver uma abordagem mais humana – literalmente – e experimental para colocar em prática sua criatividade. Como contamos no report O futuro biotecnológico da moda, da ELLE View de junho, ela é responsável por criar acessórios com base no suor do corpo humano. Alice percebeu que poderia explorar essa matéria-prima por meio das linhas brancas que o suor, uma vez que secava, deixava como rastro nas roupas de academia das pessoas. Tais linhas brancas eram formadas por minúsculos cristais de sal, que não evaporavam. “Então, se eu pudesse coletar grandes quantidades de suor e condensá-las em um cristal, qual seria o tamanho e como seria? Foi quando a coisa toda ficou fora de controle”.
A ideia se concretizou a partir de um background diverso de estudos. Ao relembrar sua trajetória, ela conta que sua grande paixão é a matemática, mas que a perspectiva de uma carreira sem explorações criativas a assustava. Foi somente no seu mestrado que ela conseguiu unir suas grandes paixões – exercícios físicos, matemática e moda – e desenvolver projetos por meio da biotecnologia. Conversamos com Alice para entender mais do seu processo criativo e trajetória que a permitiu elevar o biodesign a patamares ainda pouco imaginados.
Como o seu interesse pela moda surgiu? Foi por meio da biologia, química ou algum outro campo?
Alguns anos atrás, o campo das artes era visto como algo sem futuro, impossível de fornecer um estilo de vida estável. Por conta disso, comecei a me focar em química, psicologia e matemática – que é o que eu sempre amei! Números fazem muito sentido para mim, mais do que palavras. É a forma que entendo o mundo. Depois que me formei no colegial, decidi estudar matemática avançada, mas a ideia de ter que ir trabalhar em um banco ou ser professora de matemática, sem nenhum envolvimento com a criatividade, sempre me assustou e, por conta disso, acabei abandonando o curso.
Durante uma viagem a Norwich, no leste da Inglaterra, passei em frente à Art University e decidi entrar para conferir. Me deparei com diversos trabalhos de moda feitos de materiais recicláveis e foi quando pensei que queria fazer parte daquilo.
Como foi o seu ingresso nos estudos de moda?
Para entrar na universidade era necessário montar um portfólio e criar uma peça. O único detalhe era que eu nunca tinha criado ou costurado algo antes, mas decidi produzir um vestido inteiro a partir de jornais do Financial Times. Durante a minha entrevista admissional eu falei: “sei que não tenho o perfil de uma designer de moda e tenho zero experiência na área, mas eu amo o corpo humano. Vocês podem me dar uma chance?”. E entrei. Foram os três anos mais difíceis da minha vida, mas que me fizeram perceber o quanto a matemática é a base do design. Depois que me formei, fui fazer meu mestrado em Design de Moda na Royal College of Arts, em Londres, no qual comecei a pensar: “eu amo o meio ambiente, matemática e moda. Como posso unir esses três temas?”. Assim, acabei conhecendo uma professora que me ensinou tudo sobre a área da biotecnologia e a sua relação com o design.
Como você fez a conexão entre moda e o suor humano?
Eu amo esportes. Esportes são uma parte gigantesca da minha vida. Quando você transpira, seu corpo produz endorfinas e são elas que te proporcionam essa felicidade que é impossível de replicar de outra forma. Então, eu vivia para suar. Quando eu estava pensando no que desenvolver a respeito de biomateriais que comecei a me dar conta que para ser uma designer de sucesso, você precisa ser fiel a quem você é. Eu sou esportes, matemática e design. O suor é um recurso humano que sempre esteve nas nossas roupas, é como uma segunda pele. Eu achei essa ideia tão incrível que entrei em uma espiral de aprender sobre a história do suor, as suas propriedades químicas e ver o que poderia ser feito com ele. Porém, foi somente quando conheci um grupo de cientistas, por meio da universidade, que entendi que quando as pessoas suam, uma vez que o suor evapora, você vê pequenas linhas brancas nas roupas, e isso são sais, o sódio.
“O suor é um recurso humano que sempre esteve nas nossas roupas, é como uma segunda pele.”
O suor foi o primeiro material no qual você pensou para desenvolver o seu trabalho?
Na verdade, não. Eu comecei com desperdícios alimentares, mas só porque esses materiais são um bom ponto de partida para qualquer pessoa que esteja estudando biomateriais. Mais tarde, eu comecei a me perguntar “como eu torno esse processo mais pessoal?” e eu acredito que foi quando decidi me especializar em acessórios. Acessórios não seguem nenhuma forma. Você não precisa começar com uma base. São uma adição ao corpo e comecei a questionar: “O que é um acessório? Como você conecta um item adicional ao seu corpo sem que ele seja algo separado do corpo? Até qual limite podemos ir além do que é um acessório padrão? E como nós preenchemos esse espaço vazio com novos designs?”.
Cristais de suor vistos de perto.Divulgação
Você pode falar um pouco do seu processo criativo? Como você criou esses projetos?
Eu passo todo o meu tempo lendo Wired Magazine e National Geographic e comecei a extrair pequenas informações interessantes dessas fontes. Como, por exemplo, tonalidades diferentes de verde em organismos da natureza, ou um novo inseto descoberto que possui um detalhe em seu corpo naturalmente reflexivo. Esses são os tipos de informação que eu costumo extrair para desenvolver novas aplicabilidades. Realmente admiro a moda e amo apreciar visualmente as ideias de alguém a partir das roupas criadas, mas eu evito procurar referências na moda porque naturalmente acabamos replicando coisas que já foram feitas. Se você pegar formas naturais e transformar esse material em questionamento, você se possibilitará a experimentar sem saber para onde as suas ideias estão indo. Com os meus experimentos com suor, por exemplo, eu não tinha ideia de qual seria o resultado. Lembro que a data da graduação se aproximava e eu só pensava: “é isso aí, eu vou aparecer lá com o que quer que seja que eu construir e essa será minha coleção”.
Seu trabalho propõe uma visão integrada de diversas áreas: moda, flores, comida, secreções corporais, etc. Você acha que é isso que está faltando para a indústria em termos de sustentabilidade?
Depende. Eu nunca usei a palavra “sustentável” antes porque é uma palavra que não tem uma definição exata. Todos sabem o que ela significa, mas ela não possui parâmetros, especialmente em termos de moda – o que realmente conta como sustentável? Você pode ter uma roupa com 1% de matéria-prima reciclada e isso contaria como sustentável.
Eu penso ser uma responsabilidade tanto dos designers quanto dos consumidores. Nos bastidores, empresas como H&M, Zara, Lululemon e Asos possuem investimentos para se tornarem mais sustentáveis, mas os consumidores também precisam entender a realidade da moda. Há uma falta de educação sobre o assunto e há uma demanda que designers de moda precisam atender. Acredito que será uma jornada extremamente longa e eu honestamente não acho que a moda vá algum dia mudar completamente. Penso que novos sistemas virão para definir como será a nova moda.
E você tem uma visão para esses possíveis sistemas futuros?
Acredito que tudo terá um balanço perfeito entre tecnologia e biologia. Um fator triplo: o humano, a biologia e a tecnologia. O que vai acontecer é que humanos farão o design de algo utilizando a tecnologia e esse design estará disponível abertamente para o mundo todo. Usando a biologia, cada país será capaz de materializar os designs com os materiais disponíveis. Precisamos começar a olhar para os materiais disponíveis ao nosso redor. O design pode até ser o mesmo, mas o material com o qual ele é produzido pode ser muito diferente.
“Usando a biologia, cada país será capaz de materializar os designs com os materiais disponíveis no seu entorno.”
Acessórios feitos de suor e bioplásticos. Isso pode soar como ficção científica para alguns. O quão viável é a produção dessas peças em larga escala?
Produzir os meus acessórios de suor será difícil. Há uma possibilidade para eles no futuro, mas ainda é preciso investimento e recursos, que são a parte mais difícil de conseguir. No momento, não há investimento e nem suporte para o meio-campo entre design e ciência.
Já os bioplásticos estão sendo produzidos largamente. Há muitas companhias trabalhando com materiais como o micélio, por exemplo. Mycoworks, Bolt Threads, Modern Synthesis – a empresa para qual trabalho – estão finalmente os produzindo. Mas é um processo que demanda tempo. Ao contrário de um material sintético, um biomaterial requer de 10 a 15 anos de pesquisa para então ser produzido. Eu espero que na próxima década haja mais biomateriais. Há interesse e investimento, então estou positiva quanto ao futuro.
Sapatilhas de balé adornadas com cristais de suor.Divulgação
No seu ponto de vista, quais diretrizes você acha que designers devem seguir para unir criatividade e sustentabilidade?
Pode soar um pouco triste, mas eu acho que as pessoas devem parar de só ficar em computadores. Meu trabalho só obteve sucesso porque eu interagi com muitas pessoas, e isso é algo que não encontramos na internet. A internet dita e aprende o que queremos ver, então acho que há um limite do que podemos entender via Google.
Não é somente sobre uma boa pesquisa, mas sobre a compreensão do mundo ao redor. Se nós só ficarmos dentro de casa, não saberemos o que está acontecendo lá fora. Acredito que é muito importante abraçar o que a vida realmente é, abraçar o ar livre e entender tudo o que está acontecendo ao máximo possível.
Você acha que vamos procurar ter mais contato humano no pós-pandemia?
Se tem uma coisa que precisamos fazer agora é entender que precisamos fazer uma mudança. Nós também temos que compreender não somente nosso ambiente, mas as pessoas. Temos que estar cientes de como vivíamos antes. Em Londres, as pessoas passavam umas pelas outras sem se cumprimentar e agora as pessoas precisam ser mais atenciosas porque há uma pressão maior, uma ansiedade maior e nossa saúde mental é algo muito importante no momento. Nós precisamos aprender a sermos pessoas novamente.
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