Como uma sandália ortopédica virou o sapato mais desejado do momento?
A sandália Arizona, da Birkenstock, foi o produto mais buscado do último trimestre. Conheça a história da marca alemã e entenda como ela chegou lá.
Pode acreditar, a Birkenstock é a marca do momento. Não somos nós que estamos dizendo, mas sim o The Lyst Index, um ranking que lista as marcas e produtos mais desejados dos consumidores. Baseados no comportamento de mais de 9 milhões de pessoas, eles cravaram que, no segundo trimestre de 2020, as buscas pelas tradicionais sandálias Birkenstock, mais especificamente o modelo Arizona, cresceram em 225%.
Com solado feito da mistura de cortiça e látex, e revestida de camurça e tiras de couro com fivelas de metal, o grande diferencial da sandália é a tal da palmilha contornada, com formato anatômico, que dá suporte aos pés. Nem sempre a sandália foi um sucesso, e por muito tempo foi tachada de feia, brega e desconfortável. Em quase 250 anos de história, a Birkenstock conseguiu se estabelecer, crescer, se espalhar pelo mundo e dar a volta, virando objeto de desejo.
Tudo começou em 1774, na cidadezinha de Langen-Bergheim, próxima a Frankfurt, na Alemanha, quando Johann Adam Birkenstock foi registrado como sapateiro. O negócio de família ia bem, passando de pai para filho, até que o neto de Johann, Konrad Birkenstock, começa a produzir e vender palmilhas ortopédicas em Frankfurt, em 1896.
Na época, as solas dos sapatos eram todas retas, e não consideravam as curvas naturais dos pés. Konrad criou então o “suporte de arco contornado”, que hoje é usado em diversos sapatos. Ele sabia que tinha algo com muito potencial nas mãos, e então viajou pelo interior da Alemanha, Áustria e Suíça divulgando sua invenção e vendendo a técnica para outros sapateiros.
No começo do século 20, Konrad percebeu que a procura por sapatos feitos sob medida estava diminuindo. Uma mudança de rumos era necessária. Com um ótimo faro para negócios, a Birkenstock começou então a produzir palmilhas flexíveis com o tal suporte de arco contornado. Feitas em um tom de azul bem característico, as palmilhas viraram o maior sucesso, pois davam mais suporte aos pés, e consequentemente mais conforto.
Com a Primeira Guerra Mundial, em 1914, a Birkenstock começou a projetar e produzir sapatos para soldados feridos que estavam internados em um hospital de Frankfurt. Os médicos ortopedistas conheceram os produtos, gostaram e incentivaram Carl Birkenstock — neto de Konrad — a expandir seus negócios.
A Alemanha sofria com as consequências da guerra, mas a família Birkenstock ia muito bem, obrigada. Abriu a primeira filial em Viena, na Áustria, e depois foi para a Noruega, Itália, Suíça, França, Bélgica, Holanda… praticamente toda a Europa tinha representantes da marca. Novas fábricas foram inauguradas e trabalhavam a todo vapor. A Birken reinava sozinha como a grande fabricante de palmilhas ortopédicas da Europa, e só foi ter concorrentes de fato em 1928.
A história da Birkenstock começou em 1774.Divulgação
Até 1964, a Birkenstock era uma marca de palmilhas. E podia ser assim até hoje, se não fosse a ousadia de Karl Birkenstock, bisneto de Konrad. O mais novo herdeiro da marca não queria ficar apenas nas palmilhas: ele queria criar um calçado tão confortável, que daria a sensação de caminhar descalço. Com a tecnologia desenvolvida pela família, somada ao seu conhecimento sobre a anatomia e o movimento dos pés, ele lançou em 1965 o que seria a primeira sandália Birkenstock.
A palmilha ortopédica estava lá, sustentando a sola do pé. Uma combinação de cortiça, látex e juta deixavam a pisada macia, absorvendo o impacto a cada passo. Em alto-relevo, um suporte para os dedos buscava incentivar o movimento de força natural dos pés e estimulava a circulação. E um “berço profundo” acomodava o calcanhar e amortecia o impacto da pisada. Para segurar os pés sobre esse solado cheio de particularidades, duas tiras de couro.
Ainda nos anos 1960, as Birkenstock atravessaram o oceano Atlântico e foram parar nos Estados Unidos pelas mãos de Margot Fraser, uma estilista alemã que morava na Califórnia. De férias na Alemanha, ela conheceu as sandálias Birkenstock e adorou! Comprou alguns pares e levou para as amigas, que também gostaram. Ela e o marido, então, entraram em contato com a família Birkenstock e passaram a ser os representantes da marca nos EUA.
Foi difícil convencer as lojas de sapato americanas de que as Birkenstock poderiam ser uma boa ideia. Segundo os vendedores, nenhuma mulher iria querer comprar aquelas sandálias horrorosas. Por isso Margot e o marido precisaram encontrar seu público — acharam em feiras focadas em alimentação saudável, vendendo para pessoas que curtiam um estilo de vida mais alternativo.
A fama das sandálias foi construída de boca em boca nos EUA. Os vendedores das lojas de produtos naturais experimentavam a sandália, achavam confortável, recomendavam para os clientes e assim foi. Nos anos 1970, a Birkenstock já era um sucesso entre os hippies. O modelo Arizona, que hoje é o campeão de vendas, foi desenvolvido nessa época, e desenhado por Margot Fraser.
Tudo ia muito bem até que chegaram os anos 1980, e a estética hippie saiu de moda. As sandálias superconfortáveis eram a cara daquele estilo, e então passaram a ser consideradas feias novamente. Foi uma época difícil, em que a marca tentou se reinventar e se modernizar, colorindo as tiras de couro e lançando novos modelos.
Foi só na década de 1990 que a Birkenstock caiu, finalmente, nas graças dos fashionistas. Kate Moss, aos 16 anos, usou sandálias do tipo no icônico editorial da revista The Face que a lançou para o mundo, em 1990, e desde então estilistas e marcas como Marc Jacobs, Narciso Rodriguez, Paco Rabanne, Jean Paul Gaultier, Alexander Wang e Phoebe Philo, na Céline (na época ainda com acento), ou adotaram as sandálias icônicas, ou desenharam calçados parecidos para suas coleções.
Mais recentemente, a marca centenária alemã juntou forças com grandes nomes como Valentino, Proenza Schouler e Rick Owens para lançar colaborações. A sandália foi parar até no Oscar 2019, nos pés de Frances McDormand, que subiu ao palco para entregar o prêmio de melhor atriz a bordo de um par de Arizonas verde-limão — as da collab com a Valentino. Puro conforto!
Frances McDormand de vestido Valentino alta-costura e Birkenstocks Valentino no palco do Oscar 2019.
Kevin Winter / Getty Images
Celebridades como Reese Witherspoon, Gigi Hadid e Kendall Jenner também são fãs das Birkens, e, flagrados por papparazzi ou postando fotos no Instagram nos momentos de folga com elas nos pés, impulsionaram a mania.
A cereja no bolo, porém, foi a pandemia de Covid-19. Trancados em casa, todos queremos conforto acima de tudo. Justamente o que a marca promete com seus calçados de sola anatômica e aparência polêmica. A fórmula perfeita para se tornar o produto mais desejado do momento, não?
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