Afinal, o que é NFT e por que ele é importante para a moda?

Graças aos arquivos digitais registrados em blockchain, marcas de moda estão vendo a chance de gerar ainda mais desejo por suas peças no universo digital enquanto artistas de diversas áreas enxergam a possibilidade de ser melhor remunerados.


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Apresentações digitais não são novidade, mas, durante a pandemia, vimos inúmeras marcas usando-as como uma empolgante alternativa à impossibilidade do encontro físico. O que parecia novidade, no entanto, foi se desgastando rapidamente e fez com que a criatividade por meio da inovação digital precisasse ser repensada estrategicamente e de maneira ágil. Fashion films? E-commerce diretamente no Zoom? Shows interativos? Se você acha que já viu de tudo, talvez existam mais possibilidades à frente.

Vale lembrar que, nos últimos anos, alguns designers já vinham chamando atenção pela maneira com que conseguiam traduzir o estreitamento do relacionamento humano com o digital para dentro da moda de formas inesperadas e divertidas. Em 2019, por exemplo, o estilista Nicolas Ghesquière, da Louis Vuitton, assinou uma
coleção de skins para o jogo League of Legends. Já no ano passado, como forma de apresentar sua coleção de inverno 2021 durante a pandemia, a Balenciaga lançou o seu próprio game apocalíptico, Afterworld: The Age of Tomorrow. Não ficando para trás, a Gucci lançou um tênis digital usando realidade aumentada, o The Virtual 25, custando entre $9 e $12 dólares no aplicativo da marca, que fez bastante barulho nas últimas semanas.

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A venda de um tênis virtual da Gucci por cerca de 9 dólares fez barulho na internet. Embora não seja tecnicamente um NFT, ele mostra o interesse da marca em entrar no universo das moda digital.Reprodução

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Recentemente, porém, o que tem intrigado profundamente o mundo da moda, da arte e do design quando falamos de tecnologia são três letrinhas: NFT – ou seja, “tokens não fungíveis”, uma espécie de criptomoeda especial. Diferentemente de outras mais populares, como o bitcoin, tokens não fungíveis não podem ser trocados ou substituídos e, por isso mesmo, andam sendo usados por áreas que querem que seus itens digitais sejam exclusivos e com comprovação de autenticidade, como a moda, a arte e o design. “Por meio da tecnologia NFT, é possível criarmos uma assinatura digital imutável, que auxilia na busca de trabalhos originais. Ou seja, a grande evolução fica na possibilidade de deixar os artistas digitais mais autônomos”, diz o crypto artista brasileiro Fesq.

O assunto ganhou atenção após alguns artistas começarem a vender suas obras digitais via NFT, dando início a um novo mercado que rapidamente se tornou milionário. Um dos exemplos mais compartilhados é o do gif Nyan Cat, lançado em 2011 no YouTube, que mostra o desenho animado de um gato em pixel art voando no espaço em loop. A obra foi resgatada e vendida pelo equivalente a 590 mil dólares em um leilão digital no mês passado.

“Por meio da tecnologia NFT, é possível criarmos uma assinatura digital imutável, que auxilia na busca de trabalhos originais. Ou seja, a grande evolução fica na possibilidade de deixar os artistas digitais mais autônomos”, diz o crypto artista brasileiro Fesq.

Mas isso quer dizer que ninguém mais pode compartilhar o gif? Na verdade, não. A peça continua online e disponível, a diferença é que a pessoa que desembolsou os milhares de dólares se tornou o dono oficial da peça, podendo fazer o que quiser com ela – como vendê-la por um preço maior ou exibi-la em qualquer lugar digitalmente. “O que me faz ter algo? Essa é uma questão que o NFT levanta e é abstrata no ambiente digital”, provoca o futurologista Kim Ludvig.

Mais alguns exemplos atuais que valem ser destacados: a atriz Lindsay Lohan
vendeu um autorretrato pelo equivalente a 73 mil dólares. A cantora Grimes pegou carona e colocou obras autorais estimadas em 6 milhões de dólares – algumas únicas e outras com milhares de cópias. Paris Hilton também vendeu uma arte digital do seu gato via NFT pelo equivalente a 17 mil dólares.

Na plataforma Genesis, existem possibilidades mais direcionadas à moda: nela, além de ser possível criar o seu próprio avatar personalizado e registrá-lo como NFT, há integração com a Giphy e todas as criações que saem de lá podem ser usadas no Instagram, WhatsApp, Telegram e demais redes sociais. Tudo isso na companhia de Cardi B, Shawn Mendes e Gucci, que já realizaram parcerias com a plataforma para oferecer opções de roupas exclusivas.

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À esquerda, a arte do gato de Paris Hilton e, à direita, uma das obras vendidas pro Grimes, ambas disponibilizadas para compra via NFT.Reprodução

Ainda está confuso? Então, é preciso entender blockchain

Para vislumbrar um futuro tecnológico como esse para a moda, temos que primeiramente entender o sistema que o possibilita. NFTs são arquivos registrados em blockchain, que, por sua vez, é um banco de dados distribuído entre vários computadores independentes pelo mundo, em constante comunicação, e que, por consenso, validam as ações realizadas uns dos outros.

Após uma informação – como um bitcoin, uma imagem, vídeo ou um arquivo de literalmente qualquer natureza – ser registrada nesse sistema, ela se torna única e incorruptível (pois está validada em todos os computadores da rede), com detalhes da sua autoria, data de criação e quaisquer outras informações que o autor quiser incorporar ao arquivo. Tudo isso de forma pública.

E o que tudo isso tem a ver com a moda? É que essa tecnologia pode trazer consigo um valor inegociável para o futuro do setor: a sustentabilidade. Infelizmente, a exploração de mão de obra, assim como a degradação ambiental estão embutidas nas cadeias de produção da moda em todo o mundo. E o que colabora para isso é a fraca rastreabilidade dos processos da indústria: a maioria das marcas não sabe de onde vêm as fibras dos seus tecidos ou quem está tingindo e costurando as suas roupas.

Para responder a esse problema, uma empresa chamada FibreTrace desenvolveu uma abordagem tecnológica: um pigmento, fino como poeira, é adicionado às fibras antes mesmo da sua tecelagem, carregando informações sobre a procedência daquela matéria prima. Cada pigmento é único e funciona como uma identidade. Então, a cada novo processo – tecelagem, tingimento, costura, etc – o pigmento é escaneado e são adicionadas novas informações sobre as transformações feitas no produto, tudo isso registrado em blockchain, o que garante a confiabilidade das informações. De forma barata, escalável e segura para quem usar a roupa, a FibreTrace pode estar inaugurando uma nova fase de maior transparência e sustentabilidade tanto para a indústria quanto para os consumidores.

O blockchain também pode beneficiar a moda na garantia da autoria das criações de designers, estilistas e artesãos. Funcionando como uma espécie de Diet Prada do futuro, cópias de roupas e de imagens de moda serão mais fáceis de serem desmascaradas, pois tudo estará registrado na rede de criptomoedas.

Para além dos algoritmos

Além da questão da autoria, a tecnologia também traz a oportunidade de reestruturar a economia criativa, priorizando os interesses de usuários e produtores de conteúdo ao descentralizar o poder de “curadoria” dos algoritmos de grandes plataformas.

Ao possibilitar a não centralização de conteúdos, o blockchain acaba por impulsionar pessoas antes invisibilizadas por plataformas digitais, que colocam os valores comerciais de marcas acima dos interesses dos usuários.

Essa inovação vai ao encontro do boom de redes sociais como Patreon, Rarible e até mesmo Only Fans, focadas em remunerar o trabalho de criadores de conteúdo de forma justa. “O que eu estou achando muito positivo é que há muitas marcas grandes com intenção de investir na galera. Marcas que estão no topo querem trabalhar com artistas que estão em todos os níveis da pirâmide. Esse é um movimento forte”, aponta Fesq.

Todo esse universo pode parecer um pouco distante, mas há algumas marcas que já o estão explorando. A Nike criou versões digitais de seus calçados físicos e a Louis Vuitton usa a tecnologia para rastrear a procedência de seus produtos de luxo.

No mundo dos sneakers, os NFTs foram inaugurados pela RTFKT Studios. Em parceria com o crypto artista Fewocious, os tênis que existiam somente em forma digital foram vendidos por meio de um leilão virtual baseado em blockchain e se esgotaram em apenas sete minutos, rendendo 3.1 milhões de dólares à marca. Via twitter, a RTFKT informou que, após esse episódio, diversas grandes marcas e celebridades os contataram à procura de colaboração, mas que seu foco era incentivar novos talentos. Isso demonstra o grande interesse no desenvolvimento de peças de moda NFTs. Afinal, as marcas podem lançar artes digitais altamente colecionáveis para se promoverem. E uma vez que essas artes entram em negociação no mercado de NFTs, o preço que usuários estariam dispostos a pagar, graças à sua alta demanda, poderia inclusive ultrapassar o valor pago por produtos físicos da marca. É uma nova oportunidade de ir além do limite na expansão do universo de marcas de moda.

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E é no metaverso que essa expansão acontece. Ou seja, mundos virtuais, como um Second Life, construídos com foco na arte, como explica Fesq. Especificamente sobre a moda, ele afirma que “vamos ter iniciativas de marcas de roupa exclusivamente digitais (nesse metaverso). A partir do NFT, você consegue trazer escassez digital, então você consegue produzir cem unidades de uma camiseta no mundo inteiro com cem tokens atrelados a cada uma, e essa roupa só existirá no metaverso para quem possuir o NFT dela”. A Cryptovoxels e a Decentraland são exemplos de plataformas que permitem a criação desses espaços digitais.

“Quais passarão a ser as expectativas de alguém que consome peças digitais quando ela quiser comprar uma peça real e tangível? Será que ter uma peça no game não aumenta o desejo de poder usar a marca também fora dele? Acredito que sim”, aposta o futurologista
Kim Ludvig.

E por que não criar a sua própria criptomoeda?

Grandes redes sociais muitas vezes lucram em cima de conteúdos gerados pelos seus usuários e não remuneram justamente sua comunidade pelo seu trabalho. Criadores, então, podem optar por criar suas moedas digitais e construir suas próprias economias a fim de interagir de forma mais íntima e nos seus próprios termos com os seus seguidores.

Essa foi a ideia do músico estadunidense JVCKJ para o lançamento do seu próximo EP e da sua marca de roupas. Fãs podem comprar a moeda digital $PSTL desenvolvida pelo músico para adquirir suas roupas e acessar novas músicas, vídeos e chats ao vivo em plataformas como Twitch em um pré-lançamento exclusivo.

Estender a criação de criptomoedas específicas para marcas de moda pode se tornar uma maneira de criar um sentimento de exclusividade nunca antes visto. Elas podem ser usadas para abrir as portas de um universo ainda mais íntimo por dentro das marcas. Além da oferta de produtos exclusivos e acessos a pré-lançamentos, marcas podem ofertar serviços com potencial de estreitar laços com a sua comunidade, como visitas virtuais ao vivo aos ateliês ou chats exclusivos com os criadores – no estilo dos que Raf Simons e Miuccia Prada fizeram no final dos seus últimos desfiles.

O outro lado da moeda

Por mais inovações que blockchain e NFTs permitam para as indústrias criativas, ainda existem questões para serem trabalhadas. A artista independente Ayeza Haas questiona, por exemplo, a acessibilidade dos NFTs, já que os registros de arquivos nessa rede custam, em média, $50 dólares – o que para artistas iniciantes pode significar um altíssimo investimento. Fesq aponta que há um movimento crescente de artistas e colecionadores de NFTs que estão ajudando novos artistas a entrarem nesse mundo. Ele cita, por exemplo, o Sevens Genesis Grant, uma plataforma que presta auxílio para os primeiros passos de artistas digitais no registro de seus NFTs.

Estudos também indicam melhorias necessárias à tecnologia. Manter redes blockchain e o registro de NFTs exige enormes quantidades de energia, impactando negativamente o clima do planeta. Ainda segundo Fesq, já há diversas iniciativas para amenizar esse impacto: “a melhor de todas elas é a própria rede de blockchain sofrer um upgrade e se tornar mais otimizada, cortando o impacto ambiental na hora. Artistas que estão em uma posição privilegiada também investem em iniciativas de offset de carbono e de plantação de árvores. As próprias plataformas em si também cedem parte dos seus lucros para essa finalidade”, explica o artista.

Ao final, é preciso separar o exagero das promessas viáveis dos NFTs. Em um cenário positivo, a nova tecnologia pode significar um marco na história em como a arte é produzida e distribuída em prol da remuneração justa de artistas na internet. Na sua síntese, o blockchain representa o despertar de uma economia mais democrática, fundada em transparência e confiança – valores que a moda tem o dever de incorporar para sua relevância a longo prazo.

NFT EM TRÊS PERGUNTAS

O que é NFT?
NFT são arquivos digitais registrados em blockchain, que servem como um selo não replicável.

Qual é a grande evolução proposta?
Pela primeira vez, é possível verificar a origem e trajetória de posse de arquivos digitais. Isso de forma pública e incorruptível.

Por que é importante para a arte e a moda?
Pela produção de escassez de peças artísticas no meio digital e, consequentemente, pela criação de mais valor para as indústrias criativas, permitindo uma remuneração mais justa aos profissionais.

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