Por trás do sucesso da Shein

Marca online chinesa que criou séquito de fãs em 220 países e chegou ao Brasil em plena pandemia para conquistar a geração Z.


Fotos: Divulgação



É difícil precisar o significado da expressão “negócio da China”, usada para resumir transações comerciais que, de tão lucrativas, beiram o delírio. A marca chinesa Shein, porém, tatuou seu nome no dicionário da moda para redimensionar esse entendimento e despertar desejo por onde passa. Inclusive no Brasil, onde chegou no ano passado apoiada no boom do comércio on-line, cujo mercado tenta conquistar com os quase quatro mil itens postos à venda diariamente em sua plataforma.

A fórmula pode soar antiga: preços competitivos e constância de novidades. A diferença dessa marca que já está em 220 países – mas, curiosamente, não em seu próprio país de origem – é conseguir traduzir com velocidade o que a juventude, especialmente a geração Z, quer vestir. Para isso, um time de 800 funcionários do núcleo de criação se vale de hashtags e análises em plataformas como Tik Tok e Instagram para entender a crista da onda em diferentes países e oferecer opções, desde moda adulta e infantil até itens de beleza, decoração e pet.

Uma das grandes clientes do Google na China, a empresa lança mão da ferramenta Google Trends para mapear assuntos e tendências de silhuetas, tecidos, estampas e cores em diferentes partes do globo. O funcionamento lembra o de uma plataforma de streaming, só que essencialmente voltada para o público adolescente. Seja um filme que se passa em Nairóbi, seja uma série sobre uma jovem americana em Paris, a marca embala a referências para todo tipo de jovens, da gótica à “soft girl” – um estilo nascido na esteira do K-Pop e que é repleto de tons pastel e memórias do universo infantil.

Modelos usam vestido e conjunto Shein.

Uma das fãs do “soft” é a influenciadora Millena Martins, de 20 anos, que passou a usar o site porque, diz, “no Brasil, é difícil encontrar roupas assim”. Além disso, todo o site da Shein me atrai porque muitas peças não acho em outro lugar”, diz ela, que ainda aponta os preços, a qualidade e a agilidade na entrega como pontos altos da marca.

Martins, vale salientar, faz parte de um universo de micro-influenciadores que, por meio de permuta de peças, enche as redes com produtos da marca. Ela estima que haja 500 influenciadores da Shein no país, e explica todo o diálogo com a empresa é feito com funcionários estrangeiros, já que a marca não tem uma equipe no Brasil.

É o desempenho de um cupom com 15% de desconto dado a esses influenciadores que garante o jabá. “Para eu receber as peças todos os meses, centenas de garotas precisam utilizar meu cupom em suas compras”, detalha Martins.

Procurada pela ELLE, a empresa, por e-mail, escreve que ao manter essa espécie de núcleo de embaixadores consegue promover a penetração “em diferentes mercados”, e, com isso, permite à Shein “identificar e dialogar com clientes daquela região para garantir que iniciativas de marketing e campanhas ressoem com o público”. É o famoso boca a boca, só que feito sob medida para um público-alvo mensurado em métricas.

Fazer roupa para superjovens não é uma tática exatamente nova. A juventude é valor supremo há décadas e os millennials parecem começar a sentir as primeiras notas do sabor amargo da obsolescência – vide a onda cringe. A Shein, no entanto, se encaixa neste contexto com maciez quando contempla diferentes estilos sob o rótulo jovem.

Modelos usam looks Shein.

A marca é “estrategicamente abrangente”, e “não está atrelada a uma identidade nacional”, resumiu o fundador do site Not Boring, Packy McCormick, em post sobre a marca. Ele escreve que a empresa “não tenta impor o seu gosto aos consumidores globais. É um espelho que reflete o estilo atual de cada país para ele mesmo, em tempo real, baseado em data”.

Parte desses dados vem de hashtag própria. A partir dos conteúdos constantemente publicados com o aditivo #SheinGal, a marca consegue manter a atenção em vários pontos ao mesmo tempo, como nos posts de Jessica Make, especializada em beleza. Em um único vídeo sobre os produtos da marca, a influenciadora conseguiu que o número de visualizações atingisse mais de 420 mil.

“Fazer conteúdo sobre a Shein é quase uma aposta segura, porque tem um grande apelo”, afirma Make. Para ela, um dos motivos por trás do interesse das pessoas também é a variedade de tamanhos da marca, que vão do PP ao 5XL (cinco vezes o tamanho “G”). Para se ter uma ideia da relevância dos números maiores, na versão brasileira do site o chamado segmento “curvas + plus” tem aba própria na página inicial.

A tabela de medidas, aliás, é apontada como diferencial pelos clientes. “O fato de oferecer as medidas exatas de cada peça facilita muito a compra. Com todas as medidas em mãos, fica mais fácil escolher o que comprar”, explica a influenciadora e jornalista Sana Moraes. Ela não é uma SheinGal, mas, confessa, “gostaria de ser notada pela marca”.

O desejo de Moraes dá uma fração do burburinho que a marca tem causado. No texto enviado à reportagem, a empresa afirma que o “mercado brasileiro, e o latino-americano como um todo, é importante devido à demanda local por moda acessível e de tendência – e nós já tivemos um bom retorno até agora”.

Modelos usam looks Shein.

Para além das influenciadoras, outra iniciativa da Shein é seu programa de afiliados, no qual os participantes que promovem a marca em redes sociais recebem comissões por cliques gerados e, obviamente, pelas compras finalizadas. Estima-se que os ganhos sejam de 10 a 20% no preço de cada venda.

É que números precisos não é lá um dos fortes da empresa, que se firmou no Brasil impulsionada pela pandemia. Com a redução das atividades presenciais e com boa parte do mundo em casa, o comércio digital foi estimulado como nunca. De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), 19% de todas as vendas de varejo no planeta em 2020 foram online, em comparação com os 16% do ano anterior pré-pandêmico.

Parece pouco, mas é muito. No início de 2020, a plataforma de inteligência de mercado CB Insights estimou o valor da empresa em 15,8 bilhões de dólares. Veículos de comunicação chineses levantaram que a marca, apenas entre janeiro e dezembro do ano passado, lucrou 10 bilhões de dólares. Questionada sobre a expectativa de crescimento para o Brasil em 2021, a empresa não compartilhou nenhuma informação.

Um dos poucos dados disponíveis fora do escopo da empresa é o mensurado pelo site Reclame Aqui, especializado em avaliações de clientes, que dá nota 6.7 à marca. Na escala de pontuação, ela se encaixa como “regular”.

POR DENTRO DO DESEJO

Para entender como essa marca que nasceu há apenas 13 anos cruzou os oceanos, é preciso retroceder o relógio. Em 2008, o empresário Chris Xu desistiu de um empreendimento de vestidos de noiva e adquiriu o domínio sheinside.com (ou “ela por dentro”, em tradução livre). No início, a empresa oferecia uma seleção de peças concebidas por diferentes criadores chineses cujos desenhos deveriam seguir alguns critérios, como o bom potencial de adesão dos mercados europeu e americano, os principais mercados da estratégia de Xu. Na sequência, tudo era fotografado e disponibilizado instantaneamente.

A demanda cresceu até saturar, porque o volume de pedidos era tão alto que os fornecedores não conseguiam acompanhar o ritmo e fazer novas criações. Uma possibilidade seria aumentar a quantidade de parceiros, firmando-se como marketplace. Contudo, dessa forma a Shein deteria pouco controle sobre a sua oferta, correndo o risco de virar algo como um AliExpress, que poucos associam à qualidade e à durabilidade.

Por isso, Xu decide montar uma rede própria de produção em 2014 e faz uma transição para a empresa se especializar em marca feminina, com uma ampla rede de fabricantes e um time interno de design baseado na cidade de Guangzhou, onde atua até hoje. Em 2015, a empresa foi rebatizada como Shein, e, no início deste ano, lançou sua própria incubadora de design, a Shein X, que promove parcerias com designers e ilustradores.

Modelos usam looks Shein.

A qualidade, porém, não foi consolidada como um forte impenetrável. Pelo contrário, alguns clientes ainda fazem reclamações nesse sentido, mas nada que destoe das críticas às empresas de fast fashion. Talvez seja este outro trunfo do modelo, de oferecer um produto imprecisamente superior ao dos concorrentes, mas que é entregue de forma ágil e com maior variedade.

Na última década, com a digitalização da moda ultrarápida, muitas empresas ocidentais conseguiram reduzir seus ciclos de lançamento de semanas para dias. E não precisa ir à China para constatar a mudança. A C&A, que teve crescimento de 180% nas vendas online em 2020, acaba de anunciar que lançará novas coleções a cada 24 horas.

Entretanto, grande parte desses negócios depende de fabricantes chineses. Pelo fato de a Shein ser uma empresa sediada no país, com núcleos de criação e produção locais, todo o processo é otimizado. Pesa ainda o fato de Guangzhou ser a capital nacional de manufatura de roupas, com uma infinidade de fornecedores e estrutura já consolidada.

A produção da marca sai de lá e é direcionada para centros de distribuição regionais, com um prazo de entrega, para clientes brasileiros, entre nove e 40 dias. O tempo elástico é fruto de características primordiais para o sucesso do negócio: a marca não possui lojas físicas e só produz a partir dos pedidos feitos, ou seja, não acumula estoque.

VELOCIDADE QUE QUEIMA

Nem tudo é perfeito no pretenso mundo diverso e inclusivo da Shein, que já esteve envolvida em controvérsias e disputas de propriedade intelectual com outras empresas. Nomes como Dr. Martens, Levi’s e Kikay, uma marca de brincos de Los Angeles, fizeram contestações, públicas ou legais, contra a gigante chinesa.

Um dos casos mais vultosos a tocar seu nome está relacionado ao uso da suástica como pingente de um colar, lançado em julho do ano passado. A empresa retirou o produto do site, desculpou-se e afirmou que a inspiração para a peça era a concepção budista do símbolo, que carrega espiritualidade e sorte.

Deslizes acontecem por várias razões, mas uma delas, possivelmente, é a velocidade de produção que não abre espaço para reflexão sobre o que está indo para a prateleira. Quando o ritmo e os números são grandes, ou estelares, como na Shein, suspeitas inevitavelmente são levantadas. E, principalmente, se a empresa não compartilha informações detalhadas.

“Este é um equívoco comum envolvendo a nossa marca. A nossa página de responsabilidade social corporativa evidencia as nossas práticas trabalhistas e como nós estamos trabalhando para nos tornar mais sustentáveis”, argumenta a empresa à ELLE.

A Shein afirma que seus armazéns trabalham com tecnologia “green friendly” e que cada modelo de peça é reproduzido apenas entre 50 e 100 vezes até que sejam classificadas como itens best-sellers. Isso, em tese, ajudaria “a reduzir desperdícios”.

Frequentemente, porém, a marca é atribuída ao “greenwashing”, que nada mais é do que uma apropriação, sem base, de valores ambientalistas. Em outra página de responsabilidade social é feita a seguinte afirmação: “nós também estamos orgulhosamente em conformidade com padrões rígidos trabalhistas estabelecidos por organizações internacionais, como o SA8000®.”

A norma internacional de avaliação de responsabilidade social tem como objetivo garantir boas condições de trabalho e abrange pontos como trabalho infantil e escravo. Estar alinhado com ela é uma coisa, mas ser uma empresa certificada é, na verdade, outra. A Shein, nessa mesma página, não afirma que as suas fábricas são certificadas, por exemplo.

O discurso responsável, como já foi apontado por diversos artigos sobre a empresa, parece sair com frequência pela tangente. Não é que ele esteja necessariamente errado, mas com dificuldade transmite alguma exatidão –e retidão.

Mas num universo em que a capa parece ser mais importante, como é o da moda criada pela Shein, o que está “por dentro”, só para citar a origem do nome da marca, pode não ser mesmo tão importante assim.

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