• ASSINE NOSSA NEWSLETTER
  • O melhor da ELLE direto no seu inbox! Inscreva-se gratuitamente.
  • INSCREVA-SE AQUI
Foto Cortesia | Ronaldo Fraga

Ronaldo Fraga


"Filmado em Belo Horizonte numa noite fria de outono, num ano triste e sombrio da histĂłria do Brasil", o vĂ­deo apresentado por Ronaldo Fraga para encerrar a edição de 25 anos do evento Ă© vĂĄrias coisas: um ato polĂ­tico, uma homenagem a um Ă­cone criativo e de resistĂȘncia, uma crĂ­tica, um grito de sobrevivĂȘncia e uma mensagem de esperança.

É injusto dizer que os demais participantes do SPFW tenham se afastado de uma discussĂŁo polĂ­tica sobre o contexto atual do paĂ­s. Mas, Ronaldo faz isso de forma mais enfĂĄtica, falada ou desabafada num texto com tom poĂ©tico e teatral, Ă  sua maneira. Numa sala iluminada por velas coloridas, ele recebe Zuzu Angel para jantar.

Zuzu foi a primeira criadora do paĂ­s a destacar o artesanato local em suas criaçÔes. Diversas referĂȘncias da cultura nacional foram levadas por ela para o mundo, como as estampas de chita, peças com rendas e bordados feitos Ă  mĂŁo. Em 1971, ela realizou um desfile-protesto em Nova York com peças bordadas e estampadas por anjos com asas quebradas e canhĂ”es atirando flores. A intenção era chamar a atenção para o desaparecimento de seu filho, Stuart Angel, durante a ditadura militar. ApĂłs cinco anos de buscas, porĂ©m, Zuzu foi morta pelo mesmo regime.

"Zuzu, as notícias não são boas", diz Ronaldo no filme. A costureira foi a inspiração de uma de suas coleçÔes mais celebradas, Quem Matou Zuzu Angel, desfilada hå 20 anos. Nas palavras do estilista, é "a mulher que desafiou o regime militar e denunciou a barbårie no país por meio de um desfile de moda".

Mas seria esta uma aparição ou uma invocação feita pelo mineiro? "Afinal, quem gostaria de vir para esse país neste momento?", questiona. Ronaldo diz que nunca imaginaria se ver em uma situação tão parecida com a de 1975, ano em que Zuzu foi morta. "Queria estar te recebendo e falando que valeu demais, valeu uma mãe ter perdido o filho, mas nós estamos no mesmo lugar."

Para o estilista, o poder da arte estå em achar poesia, essa arma poderosíssima, em terreno årido. Sua coleção nasce dessa ideia. Ainda que não costurada, mas desenhada em um livro de memórias. Estão ali algumas estampas imaginadas por ele, como os anjinhos de asas quebradas. São anjos negros, trans, indígenas, "são o Brasil", diz ele. Ele recupera também outros traços de sua história, como a coleção na qual falou do desastre em Mariana.

Por causa da pandemia, Ronaldo teve que reinventar o formato da apresentação, que foi coproduzida pelo Studio Asteri. Foram eles os responsåveis por criar uma Zuzu 3D, desfilando pela sala com as roupas da coleção, a chuva de sangue que se solta do papel e inunda a sala e as chamas que parecem queimar Belo Horizonte atrås das janelas.

EdiçÔes anteriores do SPFW costumavam acabar em clima de celebração. Sensação de dever cumprido, alívio após dias de trabalho intenso e aquela boa reunião de colegas de trabalho no bar mais próximo (quando não nos próprios "fundos" de qualquer locação que sediasse o evento). Desta vez, porém, o tom foi outro. Foi de pesar. Ronaldo, que jå encerrou a semana de moda com samba e confetes, agora nos lembra que "não estå tudo bem". E a negação não farå nada para mudar esse cenårio.

Ângela Brito


Em conversas anteriores com Ângela Brito, a questĂŁo da identidade sempre foi um tema recorrente. O intuito, no entanto, nĂŁo era o de uma solução definitiva sobre quem de fato ela Ă©. Tratava-se de uma percepção mais ampla de se compreender no mundo e nĂŁo apenas como fruto de uma nacionalidade. A estilista nasceu em Cabo Verde, jĂĄ viveu em Portugal e, hoje, mora e trabalha no Rio de Janeiro. Segundo ela, tais deslocamentos sĂŁo a razĂŁo de nĂŁo se sentir pertencente a um sĂł canto, mas a todos.

Criadora sensível, parte desses sentimentos frequentemente encontravam caminho no processo criativo de Ângela. "Mas eram apenas fragmentos, pequenos pedaços da minha identidade, o que penso, sinto e sou", diz. "Agora, foi tudo mais intenso, mais abrangente e completo", continua, sobre a coleção que, segundo ela, a melhor representa.

O vĂ­deo de apresentação começa com a imagem de um jovem artesĂŁo com um tear de madeira. Ele trabalha um Panu di TerĂĄ, tecido original de Cabo Verde, que servia como moeda de troca em tempos coloniais e se viu ressignificado como sĂ­mbolo de resistĂȘncia no processo de luta pela independĂȘncia do paĂ­s. Ao lado do algodĂŁo sustentĂĄvel em tons de azul, verde, laranja, preto e branco, Ă© este material que serve de base para a coleção.

A cena seguinte Ă© de uma sala branca, como uma galeria de arte, em que modelos caminham e interagem com objetos como galĂ”es de plĂĄstico, areia, plantas e rĂĄfias. Ao fundo, ouvimos Ângela explicar seu autoquestionamento, um desafio mais profundo no sentido de se entender mais intensamente como pessoa e em relação a tudo que a cerca. O resultado disso nas roupas Ă© uma modelagem mais jovem, urbana e menos etĂ©rea. A busca por si mesma, traz ainda alguns signos e sĂ­mbolos do passado, mas se engana quem tentar reduzir esta coleção a uma ode Ă  ancestralidade. Essa leitura Ă© frequente quando a inspiração passa por pesquisas de tradiçÔes e tecnologias africanas. O que se vĂȘ nessa coleção, no entanto, Ă© uma abordagem bastante contemporĂąnea nĂŁo sĂł pessoal como do mundo. Fala da potencialidade de olhar, sim, para dentro e para o passado, mas com o intuito de investigar o presente e o futuro.

Isaac Silva


Com quase dez minutos a mais do que o tempo acordado pela organização do evento, o vĂ­deo de apresentação de Isaac Silva começa com Areta Saddick, atriz, modelo e aqui contadora de histĂłrias, declamando um itan, espĂ©cie de causo em iorubĂĄ, sobre IemanjĂĄ, OdoyĂĄ, Oxum e ExĂș BarĂĄ. O ensinamento Ă© de que nĂŁo se pode esquecer dos antepassados ao ganhar algo.

Já estava nos planos do estilista fazer uma coleção de flores para Iemanjá. O que não estava programado era a perda de sua Tia Jacira. "Ela era a avó, a mãe, a esposa, a mulher, a vizinha. Ela era tudo do ser feminino", diz ele no filme. Foi Jacira quem o apresentou ao orixá que inspira a coleção. "É um agradecimento pela vida, um agradecimento por essa tia tão incrível e uma homenagem a tudo que veio antes", explica o estilista, em entrevista à ELLE.

Ambientado na loja e ateliĂȘ da marca, no bairro de Santa CecĂ­lia, em SĂŁo Paulo, a apresentação conta com os funcionĂĄrios da casa nas vezes de modelo. As roupas sĂŁo uma continuação do desfile de estreia do estilista no SPFW, um ano atrĂĄs. Por isso, os looks de abertura sĂŁo todos brancos, com tecidos leves, texturas e volumes arredondados. Em seguida, vĂȘm os azuis e roxos, naquele mix de produtos jĂĄ conhecido: camisetĂ”es, vestidos longos com caimento solto e camisas leve. De novidade, a alfaiataria ganha destaque em itens de algodĂŁo e numa leitura mais casual.

Dedicado a reduzir os impactos causados pela pandemia, Isaac deu preferĂȘncia Ă  fornecedores e tecelagens nacionais em dificuldade financeira. E as estampas de flores foram criadas pela artista plĂĄstica Jaqueline Paz. "TambĂ©m falamos muito sobre diversidade, sobre fazer uma roupa que vista vĂĄrios corpos, sem limitaçÔes de gĂȘnero", comenta.

Neriage


Onde Ă© sua casa? Ou melhor, o que Ă© casa? Foram essas perguntas que direcionaram o processo criativo de Rafaella Caniello, fundadora da Neriage. O olhar para dentro que tanto se falou nesta temporada tem conexĂŁo direta com o lugar que identificamos como nosso lar. Acontece que ele nada ou pouco tem a ver com o endereço em nossas correspondĂȘncias, Ă s vezes nem com o lugar onde nascemos. Para a estilista, Ă© onde nos sentimos seguros, onde colecionamos memĂłrias. "Somos somatĂłrias de lugares e pessoas", diz ela. "E tudo isso molda nosso caminho, altera nossa rota e nos torna quem somos".

A coleção se chama Lampejo em referĂȘncia Ă queles momentos em que uma faĂ­sca ou clarĂŁo "pode nos fazer mudar de caminho, desviar escolhas ou mergulhar nelas". Nos Ășltimos meses, nĂŁo foram poucas essas ocasiĂ”es na vida de Rafaella. Ela estava com a coleção bem encaminhada quando a pandemia interrompeu todas suas atividades, perdeu um membro importante de sua equipe, precisou repensar todo o funcionamento do seu negĂłcio, teve crises existenciais e chegou atĂ© em pensar fechar a Neriage. Por sorte, nĂŁo foi isso que aconteceu e o que vimos neste domingo (07.11) Ă© quase como que um recomeço da grife.

Acelerando um processo de evolução tĂ­mido nas Ășltimas coleçÔes, Rafaella desapega de alguns vĂ­cios do passado (os metros sem fim de tecidos, a obsessĂŁo por plissados, texturas e babados) e apresenta uma variação mais real e possĂ­vel de tudo que mais gosta. Começa pela cartela de cores, toda focada no vermelho e azul royal, os tons mais icĂŽnicos da marca. Depois vem a silhueta: alongada, fluida, porĂ©m bem mais leve, sem perder o primor tĂ©cnico e preciosidade de materiais. A alfaiataria tambĂ©m ganha espaço, bem como um mix mais abrangente de peças: calças, blusas, camisas e nĂŁo sĂł vestidos.

Destaque ainda para os acessórios feitos em parceria com o Museu Casa e a Ancur. "Com ajuda da Fraternidade Humanitåria Internacional, co-criamos as bolsas e chapéus com mulheres indígenas da etnia Warao, refugiadas da Venezuela", diz. Além do valor da prestação de serviço, parte do lucro vindo das vendas desses itens serå revertido para a comunidade.

Aluf


Assim como para muita gente, os Ășltimos meses foram de introspecção e questionamentos para Ana LuĂ­sa Fernandes, criadora da Aluf. Ela voltou aos tempos de faculdade, recuperou seu TCC e sentiu necessidade de falar, mais uma vez, do propĂłsito da marca: a indumentĂĄria como ferramenta de expressĂŁo e comunicação para quem a veste.

Seus processos criativos sĂŁo bastante intensos, tĂȘm a ver com arteterapia, psicologia e psicanĂĄlise. E desta vez nĂŁo Ă© diferente: ela explora como arquĂ©tipos sĂŁo iluminados e se manifestam em nossas mentes. Com direção de Guilherme Muniz e Giulia Braide, o vĂ­deo de apresentação Ă© como uma viagem ou imersĂŁo de autoconhecimento em nosso inconsciente. Com recursos 3D, o filme se sobressai pela qualidade tĂ©cnica. Os efeitos tecnolĂłgicos do curta ainda conversam com a jaquetinha em tecido de efeito plastificado, usada pela modelo Gzebel, mas sĂŁo as peças com aparĂȘncia mais natural, em tons de areia, que melhor representam a estĂ©tica de Aluf.

Para alĂ©m do vĂ­deo, a coleção Ă© divida em trĂȘs entradas: a primeira, composta por tecidos crus, tĂȘm costuras e acabamentos desfiados, decotes e construçÔes tipo corset. "A ideia Ă© pensar nessas peças como telas em branco, nas quais podemos construir nossa identidade e expressar o que sentimos", diz Ana. Em seguida, os tons neutros ganham detalhes de listras com brilhos sutis e cores. Por fim, a partir de tecidos com tramas de linho vazado, a estilista aborda a questĂŁo da profundidade, em camisas e calças volumosas numa silhueta jĂĄ bem conhecida da marca.

Apartamento 03


Modelos marionetes com mĂĄscaras nos rostos e usando looks brancos tĂȘm os seus movimentos regidos por quatro manipuladoras. Vestidas de preto, camufladas no breu, sĂŁo como "assombraçÔes" que nos limitam e controlam pelo medo e invisibilidade. A explicação veio do prĂłprio estilista, em entrevista dias antes da apresentação. Luiz ClĂĄudio diz que seu ponto de partida foi o romance Ensaio Sobre a Cegueira, de JosĂ© Saramago. "Estamos mansamente nos habituando a nĂŁo enxergar - nĂŁo olhar ao redor - manipulados por mĂŁos que nos mimetizam sem ao menos nos tocar", continua.

A coleção começou a ser feita antes do carnaval, mas aĂ­ veio a pandemia e tudo precisou ser interrompido. As roupas foram colocadas dentro de sacos plĂĄsticos e penduradas no ateliĂȘ por meses. "Tudo que havia, agora, Ă© outra coisa. A apresentação Ă© um registro de um trabalho interrompido em choque com uma nova realidade." É preciso olhar com atenção para perceber que muitas das peças da Apartamento 03 estĂŁo propositalmente sem acabamento: tĂȘm barras desfiadas, jaquetas e camisas sem botĂ”es, formas desestruturadas caĂ­das sobre o corpo.

O livro de Saramago fala sobre o mal branco, uma cegueira sĂșbita. Com direção de Paulo Raic, o vĂ­deo simula a perda de visĂŁo por meio de luzes e sombras. Nas roupas, o foco nas texturas, com peças repletas de plissados, bordados e babados, remetem a importĂąncia do tato quando nĂŁo se pode enxergar.

Junto com o filme de Renata Buzzo, esta é uma das coleçÔes com visão menos positiva apresentada nesta semana de moda. Ainda assim, ela dialoga com sensibilidade sobre os vazios e as dores do período em que vivemos. Não é uma apresentação que nega a melancolia e a tristeza que assolou grande parte do mundo em 2020. No final, as manipuladoras encapuzadas abraçam uma das modelos que, na imagem completa, parece abraçar a si mesma. Difícil não conectar com o ano da distùncia social, da interrupção do toque e da demonstração de afeto, que passaram a ser controlada por medidas sanitårias e toques de recolher.

Gloria Coelho


Com jeitĂŁo de lookbook em movimento, o vĂ­deo apresentado por Gloria Coelho neste Ășltimo dia de SPFW tem um objetivo bem especĂ­fico: ressaltar caracterĂ­sticas essenciais da marca. "Essa coleção surgiu da uniĂŁo de todos os temas que a gente mais gosta, de tudo que nos influenciou atĂ© agora", explica a estilista. As referĂȘncias sĂŁo uma combinação de anos 1970, 1980, 1990 e começo dos 2000, japonismo, alfaiataria e camisaria, tudo devidamente adaptado Ă s demandas atuais de uma roupa confortĂĄvel e prĂĄtica.

Alguns hits de coleçÔes passadas podem ser facilmente identificados, como as peças filetadas em faixas, o flerte com um esportivo futurista e as assimetrias. A paleta de cores é também bastante particular da grife, como off-white, preto, bege e vinho. Os destaques ficam com os vestidos quadrados, sisudos e com aberturas laterais, além do trabalho com ilhoses, fivelas e cintos para amarrar, prender e fechar.

No release, Gloria diz que o tema da coleção Ă© "consciĂȘncia. Palavras que nos levam a semente de cada ideia". Em junho deste ano, a estilista se viu no centro de acusaçÔes de prĂĄticas racistas. Ela se desculpou e se disse comprometida com mudanças estruturais em sua empresa para que pessoas racializadas sejam melhor representadas e tratadas com o devido respeito. Contudo, com exceção de uma modelo negra e outra de ascendĂȘncia asiĂĄtica, quase todos os profissionais listados na ficha tĂ©cnica do vĂ­deo sĂŁo brancos. A falha nĂŁo Ă© exclusiva de Gloria, muitas marcas nacionais ainda estĂŁo bem aquĂ©m da equidade racial. PorĂ©m, dado fatos recentes envolvendo a designer, Ă© um pouco decepcionante nĂŁo ver demonstraçÔes mais efetivas de mudança.

PUBLICIDADE




Tenha acesso a conteĂșdos exclusivos
ASSINE A ELLE

A ELLE Brasil utiliza cookies prĂłprios e de terceiros com fins analĂ­ticos e para personalizar o conteĂșdo do site e anĂșncios. Ao continuar a navegação no nosso site vocĂȘ aceita a coleta de cookies, nos termos da nossa PolĂ­tica de Privacidade.

Assine nossa newsletter

Doses Semanais de moda, beleza, cultura e lifestyle, além, é claro, de todas as novidades e lançamentos da ELLE no seu inbox.
Increva-se gratuitamente.