Fashion Revolution completa oito anos em 2021. Saiba mais sobre o projeto

Para descobrir o impacto do movimento em diferentes países do mundo, conversamos com suas diretorias no Brasil, África do Sul, Bangladesh e México.


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Em 24 de abril de 2013, mais de mil pessoas perderam a vida enquanto costuravam roupas. O acidente aconteceu na cidade de Dhaka, capital de Bangladesh. Além das mortes, mais de 2.500 pessoas ficaram gravemente feridas. Foram dias de buscas nos escombros do Edifício Rana Plaza. Em meio aos corpos, etiquetas de marcas globais de moda eram encontradas. Ficou ainda mais evidente por que a moda precisa de uma revolução.


A tragédia, considerada uma das maiores da história industrial, motivou a criação do movimento Fashion Revolution. O mote inicial foi a pergunta ‘quem fez minhas roupas?’, que instiga a pensar sobre quem são as vidas por trás daquilo que usamos todos os dias e demanda transparência das marcas sobre sua cadeia produtiva. Oito anos depois, o projeto cresceu e o que era conhecido como Fashion Revolution Day, virou toda uma semana de eventos e ações físicas e digitais. Hoje, a instituição elenca como missão ter uma indústria da moda global que conserva e restaura o meio ambiente, enquanto valoriza as pessoas acima do crescimento e do lucro.

Para 2021, a principal semana do movimento acontece entre os dias 19 e 25 de abril, sempre na data do acidente de Rana Plaza. Os temas que guiam a campanha a nível global são três: direitos, relacionamentos e revolução. A proposta é uma transformação radical na forma que nos relacionamos, seja na esfera individual ou coletiva, considerando os Direitos da Natureza em sinergia com os Direitos Humanos. Aqui você confere a programação completa no Brasil. O destaque é o lançamento do livro Revolução da Moda: jornadas para sustentabilidade e a parceria com a plataforma Design Ativista.

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Escombros do desastre em Rana Plaza, Bangladesh. 2013.Foto: Rahul Talukde

O movimento brasileiro

Em território nacional, o Fashion Revolution é um case de sucesso. Depois da sede global, em Londres, é onde se concentra sua maior capilaridade e número de pessoas. Sua chegada no país foi em 2014, por meio de Fernanda Simon, atual diretora executiva ao lado diretora educacional, Eloisa Artuso. ”Quando o movimento chegou no Brasil, já existiam iniciativas sobre moda sustentável, mas elas estavam pulverizadas. Acredito que nosso formato de trabalho, em rede e com diálogo entre diferentes atores, ajudou a unir e conectar tudo isso”, explica Eloisa.

De fato, o movimento garante sua força através do diálogo e estrutura pulverizada. Existe uma equipe nuclear em contato com os mais de 70 representantes locais, em 22 estados do país, responsáveis por organizar ações nas suas cidades; e mais de 200 estudantes e docentes embaixadores, que têm a mesma tarefa, só que em suas instituições de ensino.

Para Matheus Solem, estudante de moda que representa o movimento o IFSULDEMINAS, o movimento trouxe ”uma mudança de pensamento para os discentes”. Em sua visão, a participação dos professores é essencial para o desenvolvimento do debate. Débora Idalgo, docente embaixadora no Senac-RS, concorda. “O objetivo é que isso se torne pauta dentro da comunidade acadêmica e que inclua aspectos sociais. No Brasil, não tem como pensar em sustentabilidade sem pensar em distribuição de renda. Essa abordagem é algo que precisamos abraçar cada vez mais”, comenta ela.

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Mobilização de estudantes embaixadores em Fortaleza. 2019.Foto: Sarah Muniz.

A comunicação é um outro pilar fundamental, que desenvolve conteúdos em todas as plataformas de mídia, somando mais de 150 mil espectadores. Outros projetos importantes são o Índice de Transparência da Moda no Brasil, que analisa a disponibilidade de dados públicos de grandes marcas de moda, e o Fórum Fashion Revolution, evento que reúne pesquisas e trabalhos acadêmicos no escopo da sustentabilidade na moda.

Um giro pelo mundo

Presente em mais de 90 países, o movimento funciona com diretorias nacionais que coordenam equipes formadas, quase sempre, por voluntários. lguns locais têm equipe mais robusta e anos de atuação. É o caso do Fashion Revolution África do Sul, gerido por Cyril Naicker, desde 2014. De lá para cá, ele viu cada vez mais pessoas se engajando nas campanhas e buscando saber quem fez suas roupas. Isso pode ser percebido pela participação nas mídias e dezenas de mensagens recebidas. ”Neste ano, conseguimos traduzir a hashtag oficial ‘quem fez minhas roupas?’ para os 11 idiomas oficiais sul-africanos”, conta ele. Para a equipe, é um avanço conseguir acessibilizar ainda mais o questionamento.

Nawshin Khair é uma bangladeshiana que viu seu patriotismo vir à tona com o colapso do Rana Plaza. No mesmo ano, em 2013, tornou-se a diretora nacional do Fashion Revolution em seu país. Uma das primeiras ações foi arrecadar fundos para auxiliar os sobreviventes da tragédia do dia 24 de abril, bem como ajudar a visibilizar suas lutas. Em entrevista à ELLE, ela conta que algumas coisas mudaram desde então. ”Marcas internacionais finalmente admitiram sua contribuição para o atual estado da moda. Além disso, por conta do Índice de Transparência da Moda, mais delas começaram a listar suas fábricas”, o que contribui para uma maior prestação de contas sobre as condições e negociações de trabalho entre as empresas, fabricantes e trabalhadores.

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Fashion Revolution ao redor do mundo.Foto: Reprodução.

No início, ninguém queria saber muito do Fashion Revolution bangladeshiano. Mas, com muito trabalho e uma rede de voluntários engajados, Nawshin relata que, hoje, vê ”um esforço enorme de colegas revolucionários, em 90 países diferentes, realizando eventos, palestras, exibições, diálogos sobre políticas e fomentando discussões importantes sobre sustentabilidade”. Segundo ela, cerca de 400 parcerias globais aconteceram em 53 nações, só em 2020.

Apesar dos desafios, a diretora não nega seu otimismo. ”Acredito que o Made in Bangladesh tem seu potencial, se continuarmos a desenvolver um projeto coerente e inclusivo para apoiar esse ecossistema”, diz. A missão do Fashion Revolution no país sul-asiático é de ”manter um equilíbrio entre ser ativista e salvaguardar os interesses dos fabricantes, dos trabalhadores de vestuário e do meio ambiente, pois é muito importante para Bangladesh sustentar sua indústria ao mesmo tempo em que faz todas essas melhorias”, finaliza.

O México é um dos principais exportadores de vestuário para os Estados Unidos. Em 2016, o país abriu as portas para o Fashion Revolution, atualmente coordenado por Efraín Miranda. Em entrevista, ele explica que a busca por mão de obra barata no território é recorrente, muito motivada pelos conflitos econômicos entre EUA e China. Isso acaba enfraquecendo a rica produção de artesãos e artesãs locais que preservam a cultura mexicana. Porém, com o advento da organização, o coordenador viu aumentar a valorização desses saberes ancestrais, ”graças a interação e apoio de organizações civis que se dedicam à promoção e documentação dessas técnicas”.

Além disso, em 2020, o México foi selecionado para realizar uma edição nacional do Índice de Transparência. ”O relatório tem nos permitido dialogar com diferentes setores sociais sobre a importância da transparência e rastreabilidade. Tem sido interessante para as pessoas perceberem quais são as maiores empresas mexicanas e, principalmente, quais são seus níveis de transparência”, conta.

Perguntas ‘quem fez minhas roupas?’ é só um primeiro passo, não o único

Mesmo com o crescimento do movimento e do debate sobre os problemas do setor como um todo, pessoas ainda continuam submetidas à regimes análogos à escravidão na produção de roupas e a crise climática se intensifica com a colaboração da indústria. Tudo isso embalado por opacidade. De 250 grandes marcas analisadas no Índice de Transparência da Moda Global 2020, mais de 70 não divulgam, ou divulgam muito pouco, sobre sua cadeia produtiva e impactos socioambientais.

Saber sobre quem fez nossas roupas é um passo importante, mas a pergunta deve vir acompanhada por outras: onde foram feitas, em que condições, qual é a média salarial, como isso impactou aquela comunidade – só para citar algumas. Se não aprofundarmos o debate, ficamos na inércia de soluções insuficientes para a classe trabalhadora e com uma imagem pasteurizada de post engajados apenas no Instagram. A mudança é sistêmica e envolve sociedade civil, setor público e iniciativa privada. No fundo, não é tanto sobre comprar ou não comprar de marca x ou y, mas transformar todo o alfabeto da moda. Essa é, inclusive, uma diretriz do próprio Fashion Revolution.

Parece exaustivo, e é. Ir na contracorrente da hegemonia da moda não é para amadores. Ao mesmo tempo, é uma tarefa necessária se não queremos mais ver pessoas perdendo a vida para produzirem roupas que, na maioria das vezes, nem precisamos. Quem tem esperança é Cyril: ”a sustentabilidade é uma jornada. E eu estou confiante de que chegaremos lá.”

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