Desfile na pandemia? Ir para a China ou apresentar para apenas uma pessoa foram as saídas das grifes

Ao mostrar as suas coleções, durante a nova alta de Covid-19, Dior foi para Pequim, Chanel desfilou para uma convidada e Balenciaga criou um game.


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O ano de 2020 será marcado por muitos episódios. Na moda, certamente ficará para a história as alternativas que as grifes buscaram para mostrar as suas coleções em formatos além do já conhecido e tradicional desfile. Peguemos três dos últimos exemplos: Dior, Chanel e Balenciaga.


Dior na China

Na terça-feira, 08.12, a Dior apresentou o seu inverno 2021 masculino. Onde? Em Pequim, na China. Ou quase. A intenção era essa, principalmente após a primeira onda da Covid-19 por lá e pela Europa. Contudo, com a alta de contágios, os planos tiveram de mudar mais uma vez. No lugar de uma apresentação presencial, uma transmissão ao vivo do vídeo de apresentação aconteceu no Phoenix International Media Center, seguida de festa.

Se alguém dissesse isso no começo do ano, de que seria uma boa escolha uma grife se apresentar por lá, fora do calendário oficial da moda, muitos duvidariam. No entanto, a decisão de viajar (ainda que virtualmente) para o país não só é pragmática como também economicamente inteligente no momento atual.

A China não está mais entre as regiões extremamente afetadas pela pandemia, porque há um bom controle no número de casos por lá, realidade diferente da de países europeus e americanos. Fora isso, o país asiático se levanta como o destino mais próspero para uma marca de moda fazer negócios atualmente. Tem gente disposta a comprar e as lojas não perigam fechar mais uma vez. Resumo da ópera? Pequim foi o lugar ideal para a Dior (e deve ser para mais algumas outras marcas) apresentar um desfile com a presença de um público local e transmitir virtualmente para fashionistas estrangeiros.

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Clemence Couturier / Christian Dior

Ao som de um remix da DJ Honey Dijon, na qual Lady Miss Kier canta hits do Deee-Lite, enquanto repete a palavra Dior, o desfile ocorreu em um cubo escuro de paredes black-mirror, com telas que reproduziam explosões de cores, como uma galáxia neon. A imagem ficava entre um game e uma rave, mas fazia alusão, na verdade, à Caverna Cósmica, instalação do artista norte-americano Kenny Scharf. Scharf foi o escolhido da vez para uma colaboração com Kim Jones, o diretor criativo da ala masculina da etiqueta. O britânico, que é bem adepto às parcerias, já colocou no cardápio de collabs da Dior uma com o ícone do streetwear Shawn Stussy, e outra com o artista de Gana Amoako Bafo. Isso só para citar as mais recentes.

Kenny Scharf é um artista que emergiu durante os anos 1980, na cena do East Village, em Nova York, ao lado de nomes como Keith Haring e Jean-Michel Basquiat. Influenciado pelo movimento surrealista, ficou conhecido por ser um expoente da pop-art, da arte de rua e do grafite. Os seus trabalhos, marcados pela criação de seres imaginários e coloridos, têm influência dos desenhos animados, nas cores vibrantes da TV e na cultura popular norte-americana. Fora isso, uma de suas grandes características é propor um certo tipo de otimismo e bom-humor, como que para suavizar a vida por meio da arte. Não à toa, foi chamado por Jones para este ano tão amargo.

O estilista escolheu peças do arquivo do artista plástico para reproduzir nos looks. Dentre elas, está “When The Worlds Collide”, de 1984, obra que é parte do acervo permanente do Whitney Museum de Nova York. Scharf também participou ativamente estilizando animais do zodíaco chinês para celebrar a história e a tradição do país que sediou o evento. As figuras feitas por ele foram implementadas na malharia da coleção.

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Clemence Couturier / Christian Dior

Do artista americano também veio a escolha por cores vibrantes e os toques de neon. O surrealismo do cartoon navega entre uma memória infantil e uma psicodelia noturna, mas que definitivamente é positiva. Fora isso, a modelagem de Jones fica mais solta e leve no corpo, trazendo um look mais tranquilo, vibes e astral. Chega de tensões em 2020.

Destaque para a silhueta New Look que o estilista tem colocado nos meninos Dior há um tempo e que, agora, é feita com o auxílio de cintos finalizados por meio de um tassel ou laçarote na parte de trás do paletó. O acabamento de alguns tecidos, com aspecto plastificado ou engomado, é uma bonita alternativa ao couro. E os cabelos dos modelos, assinados por Guido Palau, puxam a atenção: coques duplos, no topo da cabeça, que ficaram divertidíssimos.

Entre os acessórios estão várias promessas de hit, como as boinas de Stephen Jones, os brincos e os broches de medalha de Yoon Ahn, além da mule acolchoada, pantufa que deve permanecer para além das quarentenas. Afinal, quando o quesito é acessório, Kim Jones sabe vender. Enquanto as lojas de Nova York permaneciam vazias, na metade do ano, a butique da marca francesa causou uma fila de virar quarteirão no SoHo, com interessados no modelo Air Dior recém-lancado. Nem parecia que os Estados Unidos eram o país com mais casos de contágio no mundo. E, em 2021, parte disso deve chegar ao Brasil com a abertura da primeira loja masculina da Dior no país.

Chanel ultra V.I.P.

A Chanel também anda de olho na China, é verdade. A grife planeja abrir uma nova loja em Shenzhen, além de uma butique de calçados em Pequim, mas a sua coleção Métiers d’art 2020/2021, famosa por ser sempre temática e ter um destino especial para os convidados, ficou em casa, na própria França. O destaque no dia 3 de dezembro, porém, foi o fato da grife ter convidado apenas uma pessoa para assistir a nova coleção: Kristen Stewart. No vídeo, a atriz escolhe um assento para ver, sozinha, as modelos cruzarem o salão.

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Juergen Teller / Chanel

A ideia, a princípio, não era esta. A Chanel havia se programado para receber ao menos 200 convidados neste que seria o primeiro desfile fora de Paris de Virginie Viard, atual diretora criativa da casa. O evento ultraprivado (ok, só de equipe da marca havia 300 pessoas) aconteceu no Château de Chenonceau, no Vale do Loire. E muitas foram as justificativas para a escolha do palácio. Este é um edifício conhecido por suas mulheres, dentre elas, Diane de Poitiers e Catherine de Medici, respectivamente amante e esposa do rei Henrique II, que viveram lá no século 16.

Outro fator decisivo? O emblema de Catherine de Medici, dois C entrelaçados, são idênticos ao da Chanel. Fora isso, de acordo com Virginie Viard, o Chenonceau, além das nobres que o habitaram, foram uma inspiração e tanto para Gabrielle Chanel, de tal maneira que La Pausa, a casa de Coco, localizada no sul da França, remete a arquitetura do lugar.

E é o próprio palácio que vai ajudar a estilista a desenhar os 67 looks desta coleção. Com o desfile ambientado no salão de baile, onde o chão é um xadrez preto e branco, dá pra sacar a escolha PB da maioria das roupas e o padrão que cobre as minissaias, usadas com leggings de lycra ou veludo elástico. Os tons quentes das malhas e dos suéteres puxam as tonalidades das tapeçarias do castelo. E o chapeuzinho em formato de cone, bem princesona — ainda que meio gótica, enfatizado pelo make escuro e esfumado — é o ponto literal desse conto de fadas ao modo Chanel.

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Chanel

Os jardins do castelo aparecem em desenhos florais bordados e os nobres, parte da história do lugar, surgem como referência na joalheria. A coleção também é influenciada pelo desfile de outono de 1983 de Karl Lagerfeld para a Chloé. É interessante avaliar que, ainda que o olhar esteja em cinco séculos para trás e os signos tradicionais da casa sejam bem identificáveis, Viard consiga executar imagens ainda mais jovens do que a de seu mestre.

Mas esta é realmente uma grife de tradição e o Métiers d’art da Chanel existe há oito anos justamente para jogar holofote no savoir-faire francês e nas delicadezas produzidas por artesãos (boa parte deles de ateliês adquiridos pela maison ao longo de anos). Neste sentido, o evento deste ano foi uma celebração ainda mais especial. Em 2021, a casa deve inaugurar o Le 19M, espaço dedicado a 600 artesãos que são os principais fornecedores da Chanel e outras grifes.

Balenciaga via console

Em mais uma cartada inovadora na moda, a Balenciaga decidiu criar nada menos que um videogame para apresentar a sua mais nova coleção. O inverno 2021 da grife foi lançado junto com o jogo “Afterworld: The Age Of Tomorrow”, no dia 6 de dezembro.

O desenvolvimento de tudo aconteceu ao longo de oito meses, porque Demna Gvasalia, diretor criativo da marca, tinha sacado logo de cara a importância de restrições a eventos físicos e não tinha interesse em fashion filme. Além disso, a ideia de um jogo caiu como uma luva para a conversa que ele evolui com a sua equipe dentro do ateliê. Antes mesmo da pandemia começar a dar as caras, o estilista havia questionado o próprio time: como nos vestiremos daqui uma década? Por que não começamos a desenhar essas roupas hoje? Eles chegaram a uma resposta (ou problema) óbvia, mas que enfrenta esforços tímidos da moda para se concretizar: nós não precisamos de tantas roupas assim. Bem, pelo menos não da maneira convencional como as conhecemos. Por isso, todos os looks foram desenvolvidos de maneira digital.

Inverno 2021 da Balenciaga.

Balenciaga

Na empreitada foi utilizada tecnologia de ponta, com o auxílio da empresa Unreal Engine, que produz para a companhia Epic Games, dona de jogos como o Fortnite. De acordo com a Balenciaga, trata-se do maior projeto de vídeo volumétrico já realizado até hoje. Algo como horas e horas de captação e digitalização de pessoas, cenários e movimentos na formulação dos seus modelos avatares.

O roteiro do game é do tipo “jornada do herói”, que se passa no ano de 2031. O jogador anda por diferentes zonas até o momento no qual ele “transcende o além”, segundo a grife, e “vira o mestre de dois mundos, o real e o virtual, podendo se mover entre eles”. O prêmio, como foi explicado aos jornalistas, é o de “respirar na vida real por meio de uma utopia ambientada no virtual”.

Nas roupas, os moletons dividem espaço com botas medievais (elas devem existir na realidade, em uma versão de couro e limitadíssimas), que remetem a um Rei Arthur e a uma Joana D’arc. A escolha pela armadura ainda é particularmente interessante. Para a história da moda a criação deste artefato está conectada com a compreensão do corpo humano por partes e a produção de roupas que privilegiam o movimento. Ainda que sejam conhecidas pelo peso, foram uma revolução e tanto na história para a produção de vestimentas mais confortáveis e ajustáveis ao corpo. Ou seja, ela não parece uma imagem tão longe da ideia de uma roupa bastante funcional, como a que Gvasalia sempre propõe.

Look de armadura do inverno 2021 da Balenciaga.

Balenciaga

A maioria das peças tem uma aparência desgastada, usada, que, segundo o estilista, é muito menos uma visão pessimista do amanhã e mais uma projeção de que as próximas gerações usarão os seus looks até o fim. A abordagem segue esse mesmo esquema por todo o universo do jogo. Apesar de o game e a coleção soarem meio apocalípticos, o ambiente é, sim, mais esperançoso, de acordo com a marca. Trata-se de uma era “pós-treva”, segundo Gvasalia, quando a natureza viverá em maior harmonia com os cidadãos urbanos (em suas motos à la Tron).

Como escreveu a crítica de moda Cathy Horyn, do The Cut, “Gvasalia sabe que a roupa importa para um público relativamente pequeno. O resto de nós espera mesmo por outras coisas online”. E, provavelmente, é esse o recado maior que o estilista passa com a sua coleção gameficada. A moda é muito mais do que roupa. Agora, inclusive, ela é sobre várias outras coisas que não roupa, como uma foto, um vídeo, um zoom e um game, por exemplo.

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