Para Paul Andrew, o conforto é um caminho sem volta. Ainda bem

Em entrevista, o diretor de criação da Salvatore Ferragamo comenta o novo fashion film da marca, sua colaboração com Luca Guadagnino e os caminhos da moda em tempos pandêmicos.


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Paul Andrew estava quarentenado quando decidiu rever clássicos de Alfred Hitchcock. Começou com Marnie: Confissões de uma Ladra, depois foi para Os Pássaros, Um Corpo que Cai e não parou mais. De imediato, se prendeu nas cores, principalmente as dos figurinos das protagonistas. Elas – as cores – são elementos importantes no seu processo criativo e parte essencial da história da Salvatore Ferragamo, marca da qual é diretor criativo desde 2019 (ele ingressou em 2016, como diretor de design para sapatos femininos e, em 2017, assumiu a direção de todas as linhas femininas). Mas não era só isso que o prendia nos filmes: “No passado, assistir a eles era como habitar um mundo surreal e estranho. Durante o confinamento, foi diferente, parecia cada vez mais com a vida real”, diz ele, em entrevista a ELLE.


Tal impressão não saia de sua cabeça e o verão 2021 da casa italiano começou a tomar forma em torno daquela ideia. “Há várias homenagens diretas às produções de Hitchcock”, explica Paul. A cartela de cores é delicadamente saturada como no Technicolor de Um Corpo Que Cai, a principal bolsa da coleção, a nova Trifolio, é inspirada no modelo usado por Tippi Hedren em Marnie e os bordados de plumas pintadas à mão são uma clara referência a Os Pásssaros.

A comunicação da coleção é igualmente influenciada pelo clima de mistério e suspense. “Quando percebi que não poderia fazer um desfile com uma grande plateia, achei que seria interessante fazer um pequeno filme de ficção”, conta Paul. “Queria resgatar elementos do passado e projetá-los no futuro.” Esses elementos de outros tempos, no caso, são as conexões de Salvatore Ferragamo com a indústria cinematográfica estadunidense. “Ele foi um dos primeiros a vestir Hollywood a partir de uma perspectiva de moda”, diz o designer. O link era perfeito e ficou mais ainda com a chegada de Luca Guadagnino para dirigir o vídeo.


Como você chegou ao nome de Luca Guadagnino?

Conheci seu trabalho com o Io Sono l’Amore, doze anos atrás, e entendi imediatamente seu talento e capacidade para construir personagens de uma forma muito específica. Além disso, ele ama moda, como é evidente em toda sua obra. Música também é algo muito importante, a trilha sonora dos seus filmes são essenciais para criar uma atmosfera. De uma forma geral, acredito que seu trabalho seja muito conectado aos valores da Ferragamo: o cinema, a apreciação pelas cores e a ideia de representar a mulher de uma forma empoderadora. Foi a colaboração perfeita.

Além das cores e da trilha sonora, a arquitetura e a cidade são bem marcantes na construção estética e na narrativa.

É interessante você mencionar isso, sempre gostei muito de arquitetura. Antes de estudar moda, tinha certeza que seria arquiteto. Era obcecado por entender como um prédio é construído. Todo fim de semana, implorava a meus pais para me levarem para Londres para ver os novos empreendimentos em construção no início dos anos 1990. Tempos depois, fui trabalhar com design de sapatos, pois a maneira como eles são feitos é bastante arquitetônica. Só não estudei isso, porque, quando era criança, uma amiga arquiteta da minha mãe foi jantar em casa e disse que, aos 45, não viu nenhum de seus projetos serem construídos. Aquilo me deixou tão deprimido, a ideia de passar toda minha carreira sem ver o resultado do meu trabalho. O imediatismo da moda ficou mais interessante.

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Paul Andrew e Luca Guadagnino.

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O timing da moda está sendo cada vez mais questionado. Você acha que a indústria vai realmente mudar?

Para ser sincero, fico desapontado com o que outras marcas estão fazendo. Sinto que a indústria como um todo precisa se unir para fazer mudanças significativas. É muito difícil conseguir isso individualmente, cada um à sua maneira. No que cabe a mim, fiz algumas transformações internas. A primeira delas foi adequar as coleções à estação em que elas serão vendidas. Por exemplo, as coleções de primavera chegam às lojas em fevereiro, mas o clima só esquenta entre março e abril. Então, dividimos as entradas, para entregar as peças mais pesadas antes, quando ainda está frio.

A segunda, foi pisar no freio e reduzir. Existe produto demais no mundo e o consumidor não consegue comprar ou sequer assimilar tantas roupas. Minha principal filosofia é fazer menos e melhor. A última coleção, por exemplo, tinha apenas 32 looks masculinos e femininos. Normalmente, seriam 60 para cada uma das linhas. E tem a questão do processo artesanal, precisamos dar mais tempo para que esses profissionais possam se dedicar a cada item e garantir que sejam perfeitos.

A questão artesanal sempre esteve muito presente na sua vida. Seu pai era responsável pela tapeçaria e estofamento da rainha Elizabeth II, e você e sua mãe costumavam ir para Londres procurar peças de Christian Lacroix. Porém, suas criações – na sua própria marca ou nas que você já trabalhou e trabalha – são pautadas por linhas simples e estética modernistas. Como funciona essa equação de estilos?

Sempre falo sobre o passado do meu pai, de como cresci dentro do Castelo de Windsor – eu estava lá quase todo dia. O que não comento tanto é o fato de minha mãe trabalhar com informática e tecnologia. Fui muito influenciado por esses dois lados. Acho que a maneira como eu desenho é uma colisão harmoniosa desses interesses. Penso sempre sobre o feitio, a tradição de alguma peça, ao mesmo tempo, me preocupo em como evoluir em cima disso. De alguma maneira, o resultado tem as características que você mencionou: linhas puras, minimalismo. Porém, são peças muito coloridas e a escolha de materiais e tecidos têm muito da influência do meu pai.

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Luca Guadagnino e Mariacarla Boscono.

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Você se lembra da primeira vez em que viu um sapato de Salvatore Ferragamo?

Fui em uma dessas viagens para Londres com os meus pais. Fomos a um museu que tem uma seção dedicada a roupas antigas e moda. Um desses itens era a sandália plataforma de arco-íris de Ferragamo. Lembro de ficar impressionado com as cores e pensar o quão extraordinário era aquele sapato para a época em que foi criado, nos anos 1930.

Você e o Sr. Ferragamo têm trajetórias de vidas com alguns acontecimentos similares: ambos se mudaram para os EUA, voltaram para Itália, dividem uma paixão pelas cores… Isso ajuda de alguma forma o seu trabalho à frente da marca?

Sim, os caminhos são parecidos, mas nunca diria que tenho a genialidade do Salvatore. Naquela época, ele era revolucionário. Porém, acredito que esses pontos em comuns ajudam, sim, na conexão com a marca e na possibilidade de levá-la para o futuro. Depois de seu falecimento, nos anos 1960, o negócio ficou menos focado em quebrar barreiras e mais focado numa tal herança de luxo. Meu desafio é equilibrar esses dois lados.

Sapatos sempre foram uma espécie de significador social para as mulheres. O que você pensa sobre isso e o que diria sobre esse significado atualmente?

Nos últimos seis ou sete anos, só se via salto alto nas passarelas. Era aquela ideia (de um ponto de vista bem masculino) de elevar as mulheres por meio de stilettos. Agora, queremos vê-las livres, ainda mais depois dos acontecimentos dos últimos anos. A moda acompanhou o movimento com a redução dos saltos e construções de sapatos mais confortáveis. É um dos meus principais objetivos. Acredito que, mesmo após a pandemia, as pessoas não vão querer mais se sentir limitadas ou incomodadas com o que vestem. Elas se arrumarão mais para se sentirem chics e maravilhosas no primeiro instante em que puderem sair, encontrar amigos e irem a festas. Porém, desconfortáveis, jamais.

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