De blog a uma das marcas mais influentes do momento, conheça a Daily Paper

Entrevistamos o trio responsável pela label que vem ditando tendência no mercado de streetwear.


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Hussein Suleiman, Abderrahmane Trabsini e Jefferson Osei cresceram e se conheceram na parte oeste de Amsterdã, na Holanda. De início, os interesses em comum eram a cultura do streetwear, sneakers e suas origens e africanas. Em 2008, criaram um blog para documentar e discutir tudo isso. Nascia assim a Daily Paper, plataforma de comunicação que acabou virando marca – e uma das mais influentes do meio. Suas criações são inspiradas na diáspora africana, afrofuturismo e suas raízes. Combinando pontos de vista tradicionais e contemporâneos, suas roupas ganharam fãs famosos como Lil Nas X, Keke Palmer e collabs com marcas como Off-white.

Em entrevista à ELLE, o trio conta um pouco mais sobre a evolução do negócio e seus pontos de vista sobre moda, cultura e empreendedorismo.


Abderrahmane Trabsini, Jefferson Osei e Hussein Suleiman, fundadores da Daily Paper.

Abderrahmane Trabsini, Jefferson Osei e Hussein Suleiman, fundadores da Daily Paper.

Antes de qualquer pergunta sobre o trabalho de vocês, gostaria de saber de onde vieram e como se conheceram?

Hussein Suleiman: Éramos três crianças com heranças africanas que cresceram na parte oeste de Amsterdã. Eu nasci na Somália, o Jefferson tem ascendência ganesa e Abderrahmane, do Marrocos. Nós todos queríamos saber mais sobre de onde viemos, nos conectamos por isso e viramos amigos. Foi assim que a Daily Paper começou.

Como a moda apareceu na vida de vocês?

Jefferson Osei: Nós representamos a geração do it yourself (DIY). Nenhum de nós tinha histórico ou formação educacional em moda quando começamos. Aprendemos tudo fazendo e entendendo como as coisas funcionam. O Google foi nosso melhor professor.

Vocês começaram com um blog sobre a cultura do streetwear e se tornaram uma das marcas mais influentes desse segmento. Como isso aconteceu?

Hussein: Começamos como um blog, em 2008, em que entrevistamos amigos da indústria do streetwear e dos sneakers. Na época, tinha muitas marcas famosas que não chegavam a Amsterdã. Fiquei muito intrigado por aquela cena e cultura, então decidi documentá-las. Prestava muita atenção no porquê e na maneira como algumas grifes ganhavam status cult, enquanto outras não. Foram as primeiras sementes que tornaram a Daily Paper uma etiqueta global.

Modelo posa para campanha da cole\u00e7\u00e3o de ver\u00e3o 2021 da marca Daily Paper.

Daily Paper, verão 2021.

Qual é o papel de cada um na marca? No meio do processo todo, vocês descobriram novas habilidades ou funções?

Abderrahmane Trabsini: Nós evoluímos muito naturalmente dentro das nossas funções. Jefferson é mais autônomo e intuitivo, Hussein tem uma cabeça mais voltada para estratégias de marketing e eu sou o único que estudou design, então assumi esse papel na empresa. Quando você administra uma marca, acaba aprendendo um pouco sobre todas as áreas, das finanças ao desenho dos produtos. Por exemplo, eu posso criar uma peça que não é a melhor escolha de um ponto de vista de vendas. Às vezes, precisamos fazer sacrifícios e nos comprometer com a melhor ideia para o negócio como um todo.

Vocês acham que é importante empreendedores de moda terem conhecimentos além da sua expertise?

Jefferson: Sim, se você quer começar sua própria marca, recomendo definitivamente ter conhecimento sobre outras áreas. Você vai sempre se deparar com desafios em que precisa ter uma visão mais ampla para propor abordagens diferentes. Dito isso, é possível conseguir tais conhecimentos ao formar um time forte com expertises além das suas. É assim que se cresce um negócio.

É visível como a Daily Paper carrega várias referências africanas. Nas fotos, por exemplo, tem pessoas negras na frente, atrás das câmeras e em todos os processos criativos. Podem nos dizer a importância disso e também de onde vêm as inspirações para os produtos e projetos da marca?

Hussein: Desde o início, nossa maior motivação é entender mais sobre nossas origens africanas. Além disso, queremos mudar a percepção ocidental, muitas vezes limitada, sobre nosso continente ao jogar luz no passado, presente e futuro da África por meio de nossa cultura e dos talentos que vêm de lá. Viajamos constantemente para diferentes partes da África para descobrir novos criativos e locações. Assim, podemos conhecer mais países, pessoas e mercados. Toda a indústria da moda vai para Paris, Londres, Nova York, mas nunca para Lagos, Joanesburgo ou Cidade do Cabo. É aí que esperamos fazer a diferença e deixar um impacto – não só em cada cidade, mas no mundo.

Quando vocês começaram, imaginavam estar tão profundamente ligados à moda? Se imaginaram no lugar onde estão hoje?

Hussein: O blog, inicialmente, era um lugar para dividirmos nosso ponto de vista sobre streetwear, a cena em volta disso e criar conexões com nossa herança africana. Foi só depois que as camisetas ficaram mais famosas do que o blog que começamos a mudar nosso modelo de negócio e ver oportunidades no mercado de moda. Mas não era algo que prevíamos.

Modelo posa para campanha da cole\u00e7\u00e3o de ver\u00e3o 2021 da marca Daily Paper.

Daily Paper, verão 2021.

A Daily Paper lançou, recentemente, uma linha para casa com uma série de óleos essenciais de aromas vindos da África. Podem contar mais sobre isso?

Abderrahmane: Nós criamos as fragrâncias para casa junto à marca de lifestyle holandesa Zenology. Os três principais ingredientes são chá de hortelã marroquino, olíbano da Somália e cacau ganense e foram pensados para proporcionar uma viagem nostálgica pela África.

Conheço a Zenology há algum tempo e, depois de conhecer Jeroen Oude Sogtoen (fundador da marca), sabia que precisávamos ter nossa fragrância, uma capaz de capturar o DNA da Daily Paper e conectada às nossas heranças e identidades.

2020 foi um ano difícil para todos nós. Na moda, a COVID-19 mudou os planos de muitas marcas e algumas conseguiram se reinventar dentro das possibilidades disponíveis. Como foi isso para vocês?

Jefferson: Foi um ano extremamente desafiador, tivemos que achar novos meios de atingir nossa comunidade, uma vez que nossa loja teve de ser fechada por algum tempo e não pudemos (e não podemos ainda) fazer os eventos e atividades de interação com nossos clientes. Com isso, mudamos nosso foco para o online e lançamos nossa newsletter UNITE Hub. Por sorte, conseguimos nos adaptar rapidamente às novas circunstâncias, já que tínhamos uma comunidade digital formada. A partir daí, foi só reforçar esse lado com storytellings autênticos e inclusivos.

Modelo posa para campanha da cole\u00e7\u00e3o de ver\u00e3o 2021 da marca Daily Paper.

Daily Paper, verão 2021.

Modelo posa para campanha da cole\u00e7\u00e3o de ver\u00e3o 2021 da marca Daily Paper.

Vocês costumam fazer pesquisa no mercado brasileiro? Existe algum nome de moda ou arte que vocês admiram por aqui?

Abderrahmane: Com certeza temos esse desejo. A cena de moda e arte local estão no topo das nossas listas para pesquisas futuras. Aos poucos, estamos olhando mais para o mercado latino. Na coleção de inverno 2020, trabalhamos com o cartunista Emilio Utrera, da Argentina, e estamos atentos a outros talentos como J Balvin e Maluma. O Brasil é o próximo! Com sua ampla mistura de culturas e identidades, o país e a América do Sul como um todo são muito interessantes para nós.

Quais são os próximos projetos em vista para 2021?

Jefferson: Não estamos parados e temos muitos planos para o ano. Podemos contar que nossa primeira flagship em Londres está prevista para abrir em 2021. Recentemente, também lançamos nossa colaboração com a Off-White e com o coletivo Surf Ghana, para criar um parque de skate do país. As construções estão previstas para começar no primeiro trimestre e a inauguração, para o fim do ano.

Para terminar, podem deixar uma mensagem para pessoas jovens que sonham em trabalhar com moda?

Abderrahmane: Antes de tudo, pensem no que o mundo precisa hoje, identifiquem brechas e tentem encontrar alguma oportunidade aí. Depois, se você souber o que quer fazer, não deixe que ninguém o pare e saia para o mundo – fale com pessoas, se conecte. Nunca se sabe quem vai trombar com você e no que isso pode levar. Da minha experiência pessoal, recomendo começar pequeno e realista. Sempre dá para crescer a partir daí. Nós começamos com cinco camisetas, porque era o que dava para fazer com o dinheiro disponível naquele momento. É mais sobre networking e construção de uma comunidade do que criar uma grande coleção. Você precisa ver suas ideias na rua antes de fazê-las crescer comercialmente. E meu último conselho é olhar além da sua própria bolha e explorar outras oportunidades e nunca se limitar.

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