Abram alas para os novíssimos baianos
Josyara, Giovani Cidreira, Illy e uma cena diversa provam que a música da Bahia não parou no axé.
A Bahia já deu à música brasileira de João Gilberto a Raul Seixas, de Dorival Caymmi a Caetano Veloso, de Astrud Gilberto a Maria Bethânia. Também deu, nos anos 80, a axé music de Luiz Caldas, Sarajane e tantas bandas e cantores que os seguiram pela década de 90. Desde então, o gênero virou sinônimo de música baiana.
Nos últimos anos, BaianaSystem, Baco Exu do Blues, Luedji Luna e Xenia França chamaram mais uma vez a atenção para a Bahia e sua diversidade musical – do rap à MPB –, além de abrir caminho para nova onda de artistas locais. “A quantidade de artistas baianos em festivais em São Paulo e no Rio é gigantesca”, diz Roberta Martinelli, apresentadora do programa Cultura livre (TV Cultura) e Som a Pino (Eldorado FM), dedicados à cena independente. “Nos últimos anos, a maioria dos artistas que recebo no Cultura livre são da Bahia. Cheguei a receber cinco nomes seguidos, cada um com sua característica”, diz.
“Na minha geração, sempre existiu essa diversidade na música. O que não tínhamos nesse período do axé era o holofote, o dinheiro e o espaço”, conta à ELLE Josyara, uma das representantes dessa nova cena. Amigo há mais de dez anos de Josyara, Giovani Cidreira é a encarnação do ecletismo musical baiano. Foi vocalista de banda rock, passeia por beats eletrônicos e vai até o pagode baiano – para ele a grande revolução da música local nos últimos tempos. “Ele tem vários elementos da cultura local, sem deixar nada [externo] de fora.”
Giovani vem acompanhando também a cena do rap e trap (subgênero do rap) soteropolitana. “Tem muita gente fazendo coisa dentro de casa, há ‘faça você mesmo’ em todos os níveis”, diz. Ele lembra que quando começou, na década passada, os artistas dependiam muito da mídia local. Em 2019, quando voltou a morar em Salvador depois de uma temporada em São Paulo, notou a diferença: “Percebi uma galera fazendo as coisas de forma independente, com os próprios seguidores, views e a facilidade de se ter um estúdio em casa”, disse. “Todo mundo faz seu som, sem se importar muito com o gênero. Acho que é essa a grande característica desta cena.” A seguir, conheça melhor Josyara, Giovani e outros novíssimos baianos.
Josyara: sertão, voz e violão.Foto Julia Rodrigues
Josyara
Baiana da Juazeiro de João Gilberto, a cantora foi para Salvador ainda adolescente. “O sertão está em mim como uma memória, uma raiz.” Josyara começou na música aos 14 anos, autodidata no violão. O dela é mais ritmado, mais percussivo, como um tambor. “Voz e violão são a grande referência do meu trabalho.” Em 2018, lançou Mansa fúria, com apoio do disputado edital da Natura Musical. Cantou no Masp, no festival Coala, foi premiada no Women’s Music Event e indicada à categoria de revelação no Prêmio Multishow.
Giovani Cidreira: experiências e projetos não param.Foto Arthur Vieira
Giovani Cidreira
“Minha história é pautada na experimentação”, diz Giovani. Cantor, compositor, arranjador e instrumentista, ele surgiu na cena musical de Salvador em 2006, como vocalista da banda de rock Velotroz, partiu para a carreira solo com um EP homônimo e despertou atenção na cena indie há três anos, com seu primeiro álbum, Japanese food. Em março, lançou com Josyara o álbum Estreite, com composição dos dois. “Sempre quis gravar esse disco com Josyara, é uma comemoração de dez anos de amizade, vivemos muita coisa juntos”, diz Giovani. Para Roberta Martinelli, o disco é uma boa forma de conhecer uma Bahia que não é previsível, “pelos menos nos padrões que a gente estabeleceu”, diz ela. Giovani também lança esta semana o EP MANO*MAGO, em parceria com Mahal Pita, produtor musical e ex-integrante do BaianaSystem. Nas faixas, a dupla incorpora de referências como Dorival Caymmi a batidas de hip hop, trap e ritmos baianos.
Illy: novo álbum traz canções de Elis.Foto Julia Pavin
Illy
Em seu segundo e recém-lançado disco, Te adorando pelo avesso, Illy interpreta canções de Elis Regina, mas com um toque regional. A cantora fez de “Querelas do Brasil” um samba-reggae, chamou Baco Exu do Blues para dividir com ela “Me deixas louca” e é acompanhada por um berimbau em “Na baixa do sapateiro”. “Estão sempre aparecendo coisas novas na Bahia, mas, de cinco anos pra cá, tem muita coisa surgindo com frescor, principalmente de estética. Todo mundo bebe do tambor, do Caymmi, do mar, mas é tudo muito fresco, para uma nova geração”, diz Illy. “Acho que a gente está vivendo um momento bem especial na Bahia, com uma turma que está fazendo história na MPB: Josyara, Luedji, Teago [Oliveira, voz do Maglore], Larissa Luz e Xenia, que foram indicadas ao Grammy. Baco coloca o rap em outro patamar. BaianaSystem vem revolucionando tudo com o pagode e o eletrônico.”
Illy cresceu em Salvador e chegou a puxar trio elétrico no interior da Bahia quando era adolescente. Neste Carnaval, cantou axé durante seis dias seguidos na Varanda Elétrica, do Expresso 2222, da família Gil. “Axé é uma referência para todo mundo. É uma nova era musical, mas todo mundo tem seu ijexá”, diz, sobre o gênero africano levado à Bahia por escravos africanos.
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Livia Nery: álbum de estreia não se prende a um único estilo.Foto Eduardo Dall´Oglio
Livia Nery lançou no ano passado Estranha Melodia. “É maravilhoso o trabalho dela com loop station [pedal de guitarra que repete trechos do instrumento], de autoprodução, soltando as bases no show solo, é bem interessante”, indica Josyara.
Jadsa Castro é outra indicação de Josyara. A cantora tem um EP e se prepara para lançar um disco. “Vai além do que a gente possa achar que é [a música] da Bahia. Ela tem uma psicodelia, tem canção também, mas é uma coisa bem Itamar Assumpção [nome conhecido pelo experimentalismo].”
Larissa Luz é filha do axé. Foi cantora do Araketu por quatro anos e se reinventou em sua carreira solo. Lançou três álbuns solos, com letras contundentes. O segundo deles, Território Conquistado (2016), foi indicado ao Grammy Latino e contou com participação de Elza Soares, que ela interpretou em musical sobre a cantora. Larissa está na edição francesa do influente festival Afropunk, adiado para 2021 por conta da pandemia, com Lauryn Hill e FKA Twigs no line-up. “É um show que tem que ir, quando a gente voltar a ter show”, diz Roberta sobre o trabalho de Larissa.
Majur, apadrinhada por Caetano Veloso, participou de “AmarElo”, faixa que dá nome ao álbum de Emicida. Cantou no desfile da Ellus no ano passado e prepara seu primeiro álbum.
Os integrantes do Afrocidade: pagode baiano com bandeiras nas letras.Foto Divulgação / Afrocidade
Afrocidade é um nome que se destaca no pagode baiano, diz Giovani Cidreira. “Geralmente, as letras do pagode são muito doidas, mas eles levantam bandeiras, o diálogo é outro”. O pagode, conta, é hoje a grande música de massa da Bahia e conversa com o funk carioca, “não só nas letras, mas no flow”.
Àttøøxxá, coletivo que une o pagode baiano à música eletrônica, já tem três discos lançados. “São quase filhos diretos do BaianaSystem, que veio com essa mesma força”, diz Roberta Martinelli.
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