“A moda comunica e na comunicação ela ensina”
Isaac Silva reabre a sua loja física com uma linha que, além de financiar a coleção de estilistas parceiras, procura espalhar a necessidade de uma reforma policial.
Isaac Silva decidiu reabrir a sua loja física, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, com a chegada da primavera. A pandemia, dados mostram, segue feia lá fora, como um inverno duro que ninguém sabe ao certo quando vai acabar. Mas o número 384 da Rua Jaguaribe não tinha mais como esperar, precisava seguir, reflorescer. A chegada da nova estação bateu como um bonito simbolismo e foi a aposta para abrir as portas mais uma vez, respeitando as normas sanitárias que a pandemia exige.
“Fomos uma das primeiras lojas a fechar e agora somos uma das últimas a reabrir. Continuamos passando por um momento delicado, mas para a marca sobreviver é o que precisa ser feito”, justifica Isaac. O fato é que um dos principais estilistas da nova geração vinha em caminhada ascendente, principalmente depois de sua apresentação de estreia no São Paulo Fashion Week, no final de 2019. O impacto da Covid-19 foi alto. Mesmo assim, ele não parou. Foram várias as saídas que procurou para fortalecer o seu negócio. De live à tutorial de tie-dye, usou as redes sociais para reforçar a importância do que a sua grife comunica. Para girar o caixa, e ajudar o outro, produziu máscaras com tecidos coloridos de padronagens africanas. Os clientes compraram online, ficaram com quatro e doaram um par para quem não pudesse adquirir.
Modelos: Gzebel e Wesley BaianoFoto: João Bertholini
Agora, ele, enfim, mostra a potência de sua marca por meio de uma coleção neste ano. Trata-se de Panterona, linha que tem concepção assinada pelo estilista e por Neon Cunha, artista, ativista e designer, além de parceira de outros projetos socialmente importantes da etiqueta. Essa referência felina é coisa antiga ali nas ideias de Isaac, vem sendo trabalhada desde 2016, logo após o nascimento da marca. Mas as garras ficam mais de fora nesse momento, porque ganha o status de uma linha perene, que permanecerá nas araras ao longo das estações. Por ora, é possível encontrá-la em conjuntos de camisas e calças em estampas animalescas — para serem usados trocados ou combinandinho, mesmo. E o destaque fica para as jaquetas de algodão, com o nome e o logo da coleção bordados nas costas.
“A coleção é pequena, mas eu amo tudo o que crio, uso tudo antes, para ter certeza que o cliente também vai gostar”, diz o estilista, se referindo aos modelos que ele mesmo classifica entre um “pijama” e um “uniforme”. A inspiração, como dá para pegar pelo nome, vem dos Panteras Negras, o partido e movimento político antirracista que ganhou força nos EUA, durante as décadas de 60 e 70. Com ele, mulheres e homens resgataram entre outras coisas o Black Power, o Black is Beautiful, além de uma investigação maior pelas referências africanas.
Corta para 2020 e as violências policiais, além da omissão do Estado frente à elas, transformaram o acúmulo insustentável de racismo, injustiça e desigualdade ao longo de séculos em um movimento de reação que foi para as ruas pedir um grande basta. Foi assim que avenidas encheram novamente com levantes antirracistas, liderados principalmente pelo coletivo norte-americano Black Lives Matter, com repercussão em todo o globo.
“Os atos mexeram muito comigo, porque se trata de uma revolução antirracista. E a moda pode ter uma participação efetiva nisso. A moda comunica e nesta comunicação ela ensina.”, diz Isaac que, apesar de não ser literal aos recentes episódios em suas criações, tratou de deixar muito evidente como pode. É por isso que no comunicado à imprensa a coleção Panterona veio com um pedido pela reforma da polícia (uma das principais reivindicações do levante norte-americano), além de uma legislação mais eficiente para lidar com as desigualdades raciais.
E não só. Parte da venda da coleção será destinada à outras designers: Diop Soda e Dona Marisa Moura. Colaboradoras da marca, ambas são consideradas por Isaac Silva grandes bases de sua produção. Diop Soda, também conhecida como Mama Nossa Cultura, é uma estilista senegalesa e importante fonte na pesquisa do designer com tecidos que recuperam ancestralidades. Já Dona Marisa Moura é quem ele chama de “patrimônio da moda afro brasileira de raíz”, com o seu trabalho caracterizado sobretudo pelo uso da palha, dos bordados e do algodão cruz, que já deram as caras na coleção Egito, apresentada na 45ª edição da Casa de Criadores. No dia 20 de novembro, Diop Soda e Marisa Moura apresentarão as suas próprias coleções digitalmente. “Elas já me ajudaram tanto que a melhor maneira que eu enxergo de ajudar também é espalhando o trabalho maravilhoso delas por aí. Isso é Axé”, ele diz.
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