Por trás do boom da Nail Art
A artista transdisciplinar Cyshimi conta como a técnica milenar de adornar as unhas se tornou um fenômeno da cultura pop contemporânea.
“As unhas podem desafiar muitas ideias nocivas de normatividade estética de corpos e de vidas. Mesmo assim, elas são frequentemente associadas a conceitos negativos como exagero, sujeira e vulgaridade”, defende a artista transdisciplinar Cyshimi (nome artístico de Viviane Lee Hsu). “Usá-las é também celebrar a diferença e a pluralidade dos corpos. Onde se imagina uma única possibilidade de existir, na verdade, existem infinitas.” Aos 22 anos, a jovem brasileira de ascendência chinesa e taiwanesa desenvolve nas unhas experimentações visuais e pesquisas profundas a respeito de ancestralidade decolonial, identidade, corpo e beleza. “Como forma de expressão, as unhas são usadas há muito mais tempo do que assume o senso comum”, alerta sobre a nail art, técnica que tem seus primeiros registros na história por cerca do ano 3000 a.C na China.
Segundo ela, o boom que vemos hoje em dia está muito ligado à apropriação que o mainstream faz de elementos estéticos originários de certas comunidades que têm as unhas inscritas em sua identidade e formação. “O que, certamente, muda bastante a leitura social das unhas uma vez que essa popularização colabora para que o mercado associado a elas aumente e torne-se mais acelerado dia após dia”, continua. Cyshimi, inclusive, destaca o protagonismo de mulheres racializadas no impulsionamento das unhas na cultura pop. “É sempre importante lembrar que muito dessa influência vem, principalmente, de mulheres negras, asiáticas, latinas, trans e outras identidades dissidentes”, aponta antes de questionar-se a respeito do referencial quase sempre norte-americano quando se fala no assunto. Não raro, estrelas como as rappers Cardi B e Nicki Minaj e as cantoras Beyoncé e Rosalía são apontadas como pioneiras exclusivas desse novo momento da Nail Art ao redor do globo e isso, evidentemente, acaba por eclipsar um processo histórico muito mais complexo que não pode ser ignorado.
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A irmandade Long Nail Goddesses (em tradução livre: “Deusas das Unhas Longas”) é um exemplo da descentralização da Nail Art de figuras do imaginário mainstream. Elas são um grupo de mulheres de Nova Jersey, em Nova York, que deixam as suas unhas crescerem ao máximo chegando até 50 centímetros de comprimento. O salão Ortiz (fundado por Maria Ortiz) é onde elas se encontram para celebrar quem são independentemente de suas diferenças entre si. Por lá, as unhas ganham cores sólidas ou gemas brilhantes, pérolas e outros adornos que chegam para somar às individualidades das frequentadoras. As unhas, tornam-se ali suporte para arte em celebrações que chegam a reunir por vezes até 40 mulheres que comemoram seus aniversários, fazem um social e, claro, refletem sobre a potência estética na ponta de seus dedos.
“As unhas podem desafiar muitos conceitos nocivos de normatividade estética de corpos e de vidas. Mesmo assim, elas são frequentemente associadas a conceitos negativos como exagero, sujeira e vulgaridade”, Cyshimi
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“É uma escultura performática”, define Cyshimi que não esquece de inserir a funcionalidade das unhas no debate. “Ter unhas longas, no seu dia a dia, é uma coisa que afeta o seu cotidiano: exige certo comprometimento e dedicação. Então, acho importante pensar nelas como uma beleza em movimento que faz contraposição à beleza hegemônica estática”, segue. Sobre isso, ela discorre largamente no segundo episódio do podcast RAWR, idealizado pela pesquisadora multidisciplinar Caroline Ricca Lee, que discute espaços de pertencimento e reconhecimento na sociedade por meio de conversas plurais e narrativas que prezam pela diversidade. “Além disso, vejo as unhas como um símbolo de resistência para diversas culturas e grupos de pessoas no decorrer da história. Os cuidados com ela, não raro, representaram e ainda podem representar um senso de comunidade e coletividade que, por vezes, ajuda até na superação de traumas devido ao seu caráter ritualístico”
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Processos particulares
Ultimamente, a artista vem atravessando um momento de experimentação em que, cada vez mais, percebe suas unhas como um espaço para canalizar seus diversos conhecimentos, talentos, inspirações e técnicas. Um espaço de convergência: “Nesse sentido, consigo interseccionar pintura, escultura e arte digital com as minhas pesquisas sobre ancestralidade e decolonialidade”, explica sobre o processo que pode demorar mais de um dia para completar as duas mãos. “Tento ir com calma porque é uma atividade que demanda criatividade e precisão. Gosto de fazer uma unha diferente da outra, então vai um tempinho para completar tudo.” Para resolver em um só dia, a sessão chega ter entre seis e oito horas.
Entre as suas referências mais centrais estão as Nail Guards, acessórios historicamente associados a imperatrizes e nobres chinesas. “Elas são usadas nos últimos dedos das mãos como um símbolo de status. A atriz Gong Li representa isso se forma impecável no filme A maldição da flor dourada (2006).” Christine Walton, uma das últimas recordistas de maiores unhas do Guinness Book é também uma importante personagem para a formação de Cyshimi. “Por último, uma pessoa muito querida é a artista brasileira Ana Matheus Abbade, autora do projeto Surra de Unha. Me identifico muito com suas ideias e me sinto menos sozinha com a presença dela nesses espaços.”
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“Recentemente comecei a fazer unha em outras pessoas e isso sido uma experiência bem intensa. Ao mesmo tempo que trata-se de uma extensão do meu trabalho artístico, estou também prestando um serviço”, pondera. “Ando questionando um pouco essa ideia de uma manicure perfeita, que tenta esconder um processo que contém falhas. Tenho dificuldade em lidar com ideais de perfeição, acabamento e polidez.” Se há alguma palavra de ordem na arte de Cyshimi, ela só pode ser “subversão”. “Não à toa, tenho um coletivo chamado @_Inserto“, indica. Vale o follow!
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