Leia nossa entrevista completa com Giorgio Armani, publicada na ELLE Men Brasil
Giorgio Armani, em rara entrevista, fala sobre suas paixões, a moda masculina, seus negócios e a importância de uma identidade resistente a turbulências e efemeridades.
Giorgio Armani morreu no dia 4 de setembro de 2025, aos 91 anos. Neste domingo (28.09), durante a semana de moda de Milão, a etiqueta apresenta a última coleção concebida pelo próprio estilista. O verão 2026 também marca o aniversário de 50 anos da label. A seguir, leia a nossa entrevista completa com o designer, publicada no volume 1 da ELLE Men Brasil.

Giorgio Armani ajustando a roupa de uma modelo antes de entrar na passarela. Foto: Getty Images
Nos anos 1980, quando a moda parecia ignorar absurdos e exageros estéticos, Giorgio Armani retirou o forro dos ternos masculinos, deixando-os mais leves, desestruturados e naturais. Alguns anos depois, quando o mercado de luxo se fechava cada vez mais em torno de uma elite consumidora, o estilista italiano deu um passo atrás (ou além) e lançou uma série de linhas de difusões – Emporio Armani, Armani Exchange, Armani Jeans, Armani Casa, entre outras.
Em meados dos anos 1990, no boom das supermodelos, o casting de seus desfiles mudou consideravelmente: nada de rostos conhecidos, apenas new faces ou modelos tidas como mais comerciais. Postura que permaneceu – e permanece – inalterada até com a explosão e a influência das redes sociais. Em contrapartida, o senhor Armani foi um dos primeiros a aderir ao mercado do tapete vermelho e às relações com as celebridades.
Antes mesmo de a Organização Mundial da Saúde decretar o surto de Covid-19 uma pandemia, suas marcas já haviam cancelado desfiles e migrado as apresentações para formatos digitais. Logo depois, toda uma reformulação interna cortou excessos e novas políticas de produção ambiental e socialmente responsáveis foram reforçadas (tudo detalhado em ArmaniValues.com).
Atualmente, campanhas dos anos 1980 e 90 da Giorgio Armani se tornaram referência para vídeos e fotos de jovens tiktokers apaixonados pela estética batizada na rede de “old money”. Apesar dos 88 anos do estilista, não há nada de muito velho sobre sua visão ou seu negócio, avaliado em cerca de 9 bilhões de dólares (e sem investimento de nenhum grande grupo). Prova disso são as discussões recentes em torno de algumas de suas ideias mais essenciais: os novos básicos, a roupa atemporal que dura mais e não precisa ser reposta com frequência, a importância da identidade.

Giorgio Armani ao fim do desfile de verão 2019. Foto: Getty Images
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Quando o senhor lançou sua marca, em 1975, revolucionou a maneira como os homens usavam ternos. Certamente, foi uma visão sua, mas não livre de influências externas. Poderia nos contar como foi esse processo?
Não foi tanto uma exigência, mas uma resposta instintiva à mudança dos tempos. Nos anos 1970, tínhamos avançado significativamente na tecnologia de fabricação de automobilismo, arquitetura e design de interiores. Mas continuávamos fazendo ternos como na época do meu pai ou até do meu avô, apesar da disponibilidade de novos tecidos, materiais mais leves. Foi quando decidi experimentar um novo tipo de jaqueta, com menos elementos de preenchimento e forro. Em outras palavras, uma jaqueta desconstruída. Minha motivação era buscar não apenas uma mudança estética, mas também de conforto. Acho que roupas modernas devem ser confortáveis. O resultado foi uma espécie de revolução. Meus ternos não eram como uma armadura, revestindo o corpo de forma rígida. Em vez disso, imaginei-os como uma roupa complementar, algo que realçava o físico, em vez de dominá-lo ou disfarçá-lo.
O filme Gigolô americano e a indústria cinematográfica como um todo foram fundamentais para a comunicação das ideias que moldaram esse novo terno. Li que o senhor não assiste TV com frequência, mas escolheu um canal para transmitir alguns de seus desfiles mais recentes. Como acha que a mídia ajuda na difusão das ideias de moda?
Quando vesti Richard Gere para o Gigolô americano, em 1980, não tinha ideia do impacto que o filme teria no meu perfil como estilista. Aquele filme levou a Armani para os Estados Unidos e para o mundo, sugeriu que minhas coleções poderiam ter um apelo internacional. Desde então, trabalhei nos figurinos de mais de 250 filmes, pois o cinema é uma paixão. O mundo do cinema, sem dúvida, tem o potencial de promover o trabalho de um designer para um público global. Assim como a TV e, nas mãos do artista certo, a indústria da música. Hoje, a maioria de nós usa serviços de streaming para assistir o que queremos, quando queremos. De fato, usei esse tipo de “TV” para levar meus desfiles a um público mais amplo do que a imprensa e os compradores. Mas a mídia também inclui jornais e revistas, e tenho um amor à moda antiga pela mídia impressa, independentemente dos dados que minha equipe de marketing me mostra sobre os hábitos digitais das pessoas. A fotografia tem mais impacto quando você a vê em escala em um pedaço de papel, e não na tela de um telefone. Embora alguns dos canais possam ser diferentes, o principal é o mesmo de sempre: você precisa mostrar ao mundo do que é capaz, e a mídia e seu parente, a publicidade, são as melhores maneiras de fazer isso.

Foto: Reprodução
O que o senhor pensa sobre a maneira como os homens se vestem hoje?
Havia muita conversa durante os meses mais severos da pandemia sobre como isso mudaria a forma como os homens se vestem. O terno e a alfaiataria em geral estavam mortos, alguns comentaristas nos disseram. Em vez disso, seria tudo sobre roupas esportivas e athleisure. Mas a realidade é mais sutil. A Covid-19 definitivamente acelerou o desejo por roupas confortáveis, e o conforto sempre foi um princípio na minha criação. Há espaço para calças de jogging e moletons, mas acredito que a noção de se vestir descontraída e confortavelmente pode ser ampliada. Uma jaqueta não estruturada, que parece um cardigã, também pode ser fácil e agradável de usar. Quanto à ideia de que os homens não desejarão mais se arrumar de vez em quando, isso não é realista. Eles continuarão usando roupas de alfaiataria, que ainda terão que ser confortáveis. Esse é o futuro da moda masculina.
Quais são as peças mais essenciais que um homem deve ter?
Ainda acredito que o guarda-roupa de um homem é construído em torno da jaqueta. Ela pode ser desestruturada e de corte suave e, se for em uma cor neutra, como azul-marinho, você pode combiná-la com praticamente tudo. Depois, um estoque de camisetas simples de cashmere, que são altamente versáteis e adequadas para roupas casuais e inteligentes. Calças descontraídas, que funcionam com ou sem casacos. Para o inverno, acrescentaria um sobretudo que não seja muito comprido ou volumoso. Em tons de marinho ou preto, essa seleção é praticamente o que uso como uniforme todos os dias. É inteligente e elegante o suficiente para fazer você parecer chique, mas relaxado o suficiente para parecer contemporâneo. E há ainda ternos mais elegantes e roupas de noite para ocasiões mais formais, e sapatos de couro e camisas brancas para complementá-los.
Em muitas entrevistas, o senhor menciona a influência de sua mãe e de seu falecido parceiro, Sergio Galeotti, como duas figuras importantes na sua carreira. Quais são as principais lições que tirou deles?
Com minha mãe, aprendi sobre estilo e beleza. Ela era uma mulher incrivelmente elegante e refinada, que sempre garantiu que meu irmão, minha irmã e eu estivéssemos bem vestidos. Talvez ela tenha me ensinado a lição mais importante de todas. Ela dizia: “Se você quer criar beleza, faça apenas o necessário, e nada mais”. É uma filosofia que tento manter no meu trabalho. Quanto a Sergio, sua influência sobre mim foi profunda. Quando nos conhecemos, eu trabalhava como designer para outras empresas e não produzia nada com meu próprio nome. Sergio viu o potencial que eu tinha e me encorajou a acreditar em minhas próprias habilidades. Além disso, me convenceu de que deveríamos começar a Armani como um negócio e se tornou meu sócio. A confiança e o talento de Sergio foram cruciais para o sucesso da empresa. Ele se comportava como se já tivéssemos um negócio próspero, quando, na verdade, estávamos apenas começando. Esse tipo de confiança ajudou a persuadir as pessoas – clientes, compradores, imprensa – a tomar conhecimento de um novo designer chamado Giorgio Armani.

Armani no backstage do desfile de inverno 2006. Foto: Getty Images
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Isso me leva a outra pergunta, sobre a qual estou curioso: quão importante é o amor dos outros para o senhor? Acha que teria conseguido tanto sem ele?
Costumo falar sobre como você precisa ser obstinado para ter sucesso em um negócio de moda, como você deve evitar ouvir demais as opiniões dos outros e seguir seus próprios instintos e visão. Mas isso nunca deve ser tomado como uma recomendação para evitar a presença de outras pessoas em sua vida. Meus amigos e minha família foram e são muito importantes para mim. É com eles que posso ser eu mesmo, e é o apoio deles que me dá confiança para fazer o que faço e assumir os riscos que corri.
Quem são as pessoas que ainda fazem o senhor se sentir assim?
Tenho consciência de como sou sortudo por ter um apoio tão leal e constante. Recebo isso da minha família, de amigos e muitos dentro da minha empresa. Da minha irmã Rosanna, a quem recorro para bons conselhos desde sempre, e das minhas sobrinhas Roberta e Silvana, que trabalham comigo lidando com celebridades e como chefe do escritório de estilo feminino, respectivamente. Tem também meu sobrinho Andrea Camerana, que recentemente voltou ao negócio, e meu amigo de longa data e braço direito Leo Dell’Orco, chefe do escritório de estilo masculino. Todas essas pessoas, e muitas outras, estão lá para mim todos os dias.
Quase todas as principais mudanças na sua empresa vieram como resposta a algum tipo de excesso. Seus ternos são o maior exemplo disso. Antes da pandemia, a moda parecia não ver limites. O que o senhor acha que havia demais?
Havia muito de tudo. Muitas roupas sendo feitas muito rapidamente, muitos desfiles de moda, muitas coleções. E certamente, muito desperdício. O que percebi foi que o setor de luxo da nossa indústria havia sido excessivamente influenciado pela busca incansável pelo novo, a busca pela próxima tendência. Isso nos levou a um triunfo do excesso sobre o gosto e do marketing sobre o desejo real. Esse tipo de abordagem faz as pessoas acreditarem que precisam de mais e mais, e cada vez mais rápido. E as marcas de luxo caíram na armadilha de pensar que é assim que devem se comportar.
A sua empresa foi uma das primeiras a não só interromper suas atividades, mas a reduzir tudo. O que mudou, agora que as vacinas nos permitiram retomar algumas das atividades com que estávamos acostumados?
Na minha opinião, não mudou o suficiente. No início da pandemia, havia pistas que apontavam para uma nova forma de pensar, de agir. Fui encorajado por isso, por um sentimento de que talvez redescobriríamos o valor das roupas e dos acessórios bem feitos e projetados para durar. E não me refiro apenas à durabilidade por causa da qualidade, mas também por sua estética atemporal. Também esperava que o consumidor passasse a apreciar essa abordagem mais lenta e ponderada e se tornasse menos suscetível à pressão para renovar tudo tão rapidamente. A realidade provou ser menos forte, com um rápido retorno aos velhos hábitos. Mas estou esperançoso. É possível que algumas das ideias para uma nova atitude menos frenética em relação à moda possam se infiltrar, especialmente entre os clientes mais jovens, que parecem ser as pessoas mais engajadas e com o desejo de se comportar de forma mais sustentável.

Giorgio Armani em 1990. Foto: Getty Images
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Por que o senhor optou por manter seu negócio independente, mesmo quando todas as marcas italianas procuravam um investidor externo?
Armani é o produto da minha visão pessoal e da minha paixão. Sempre senti que seria muito difícil para mim trabalhar ao lado de outras pessoas que detinham uma parte do negócio, porque sempre gozei de total liberdade criativa e comercial. Provamos ser bem-sucedidos ao longo dos anos e, portanto, nunca precisamos de investimento externo para fazer as coisas que desejávamos. Talvez, se não tivéssemos sido um negócio tão sólido e em crescimento, pensaríamos em deixar outra pessoa entrar. Certamente tive muitas ofertas!
Seria possível ver uma holding italiana com marcas poderosas? Por que o senhor acha que isso não aconteceu antes?
Pode ser, mas a cultura na Itália é de uma indústria da moda cheia de empresas familiares, muitas vezes com os fundadores ou membros da família ainda envolvidos ativamente. Isso torna difícil ver como um grupo pode ser formado, pois a posição instintiva de uma empresa familiar é preservar sua independência. Vendo o sucesso de alguns grupos de moda em outras partes do mundo, talvez os italianos possam, em algum momento, seguir o exemplo. Mas acredito que leve algum tempo para que isso aconteça.
Teria feito algo diferente em sua carreira?
Sim. Quem afirma o contrário não está sendo honesto. Mas não acredito em arrependimento. Eu costumava pensar que gostaria de ter passado mais tempo com meus familiares e amigos queridos e ser menos workaholic. Mas agora entendo que isso é quem eu sou. É assim que sou feito. E a vontade de continuar criando e trabalhando é o que me energiza e me faz sentir vivo.
Esta reportagem foi publicada originalmente no volume 01 da ELLE Men Brasil. Para comprar seu exemplar, clique aqui.
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