Véronique Nichanian deixa direção criativa das linhas masculinas da Hermès

Após 37 anos no comando das linhas masculinas da Hermès, Véronique Nichanian se despede da marca.


Véronique Nichanian deixa direção criativa das linhas masculinas da Hermès.
Véronique Nichanian. Foto: Divulgação



Depois de 37 anos à frente das linhas masculinas da Hermès, a diretora criativa Véronique Nichanian decidiu deixar a empresa. Em entrevista ao jornal Le Figaro, a estilista disse: “Ainda amo este trabalho. No entanto, acredito que, para exercê-lo da maneira que gosto, preciso de cada vez mais tempo – e hoje, quero dedicar esse tempo a outras coisas. A Hermès demonstrou, acima de tudo, grande elegância ao me permitir escolher o momento que me pareceu certo para me aposentar. Tenho pensado nisso e discutido com Axel e Pierre-Alexis Dumas há um ou dois anos. É hora de passar o bastão”. Sua última coleção será apresentada em janeiro de 2026.

Abaixo, você confere a entrevista publicada com a Véronique no Volume 05 da ELLE Men Brasil, em agosto de 2025.

Objetos pessoais

Há 37 anos à frente do universo masculino da Hermès, Véronique Nichanian opera dentro de uma lógica de continuidade e evolução, e não de ruptura e substituição. Para uma indústria baseada em inovação e reinvenção constantes, é no mínimo curioso uma casa e uma criadora prosperarem ao fazer o oposto. Ou, pelo menos, algo diferente, no próprio ritmo. O sucesso tem a ver com peculiaridades de ambas as partes, empresa e estilista, e com um dos matches mais perfeitos e duradouros da moda. Ela é a diretora de criação com mais tempo de serviço em uma marca de luxo (exceto aqueles que criaram seus respectivos negócios).

A relação de Véronique com a Hermès começa em 1987, com uma ligação de Jean-Louis Dumas, então presidente da maison (ele foi o responsável pelo lançamento das bolsas Kelly e Birkin). O motivo da chamada era uma proposta de emprego, a qual não foi aceita de imediato. Na época, Véronique trabalhava para o italiano Nino Cerruti fazia 12 anos. Era seu primeiro emprego após a graduação na École de la Chambre Syndicale de la Couture Parisienne. Foi lá que ela aprimorou seu olhar para a alfaiataria e desenvolveu a paixão por tecidos.

Hermès, verão 2026 masculino.

Hermès, verão 2026. Foto: Divulgação

O “sim” aconteceu depois de um almoço, em 1988, quando o executivo francês lhe garantiu carta branca para guiar a linha masculina da etiqueta – sem interferências da chefia. Se parecia o acordo dos sonhos quase 40 anos atrás, hoje nem se fala. Na Hermès, Véronique encontrou o terreno ideal para seu método de trabalho, que une excelência artesanal, design preciso, atenção máxima aos detalhes, inovações têxteis e uma sensibilidade sem igual no uso de cor.

A seguir, Véronique Nichanian comenta suas quase quatro décadas na direção criativa da Hermès e as transformações que acompanhou ao longo de sua trajetória.

Você sempre se interessou pelo aspecto funcional da moda masculina ou foi algo que desenvolveu durante sua carreira?

Logo depois da faculdade, fui trabalhar especificamente com roupas masculinas. Achei que faria isso por um ou dois anos. No fim, 40 anos depois, ainda estou aqui. E feliz. Adoro criar moda masculina. Não sei por que há tão poucas mulheres fazendo isso. São tantos elementos para usar como forma de expressão. Os tecidos, por exemplo. Eu sou louca por inovação têxtil, pensar em como tornar novos materiais interessantes.

As cores também são bem importantes no seu trabalho, não?

Eu realmente amo cores. Elas são uma forma de expressar algo diferente, de transmitir poesia, alegria e, às vezes, um pouco de escuridão. Adoro experimentar com elas em tecidos variados. Eles se relacionam diretamente. Alguns ficam lindos em determinadas tonalidades, enquanto certas cores não funcionam bem em algumas superfícies. É um equilíbrio delicado escolher o tecido certo na cor certa.

Hermès, verão 2026 masculino.

Hermès, verão 2026. Foto: Divulgação

Minha próxima pergunta era justamente como você equaciona essas duas paixões.

É fácil, porque trabalho com tecidos e cores há anos. O encontro deles, ou de alguns padrões, provoca em mim uma sensação muito estranha. Por isso, sei que estou no lugar certo. A Hermès é um universo de tecidos e cores, de sensações, de toque. Eu amo isso. Gosto de expressar as cores dos materiais de um jeito diferente dos outros. Muitos criadores de moda masculina se limitam ao azul-marinho, ao cinza, ao preto, porque é mais fácil, assim se vê melhor a forma. Sei que muitas pessoas não se sentem confortáveis para misturar cores, mas, para mim, a combinação de nuances tem um forte poder de expressão.

Hoje os homens parecem menos resistentes às cores. Você está há mais de 40 anos no mercado, como avalia as transformações dos consumidores?

O mundo está mais aberto às diferenças e a outras representações masculinas. Os homens estão mais confortáveis com suas escolhas e com o que querem expressar sobre si. A mudança está aí: eles podem mostrar sua personalidade. É mais interessante do que antes, quando havia uma única regra: usar terno de dia e smoking à noite. Gosto de quem mostra quem é de verdade. Detesto quem segue regras. E, depois da covid-19, como as pessoas passaram um ou dois anos se vestindo de forma muito confortável, muito solta, percebo que elas desejam manter esse conforto, junto com algo sexy e formal. Não porque precisam, mas porque querem. É como acontece com as mulheres: às vezes escolhemos tênis, às vezes salto alto. Os homens descobriram um leque de opções mais amplo. E isso é fantástico. É ótimo. Torna tudo mais divertido.

Você comanda todo o universo masculino da Hermès, o que envolve diferentes ­ ateliês e equipes dentro da marca. Como funciona essa organização?

Como estilista da linha masculina, desenho as roupas com minha equipe e, no final, tomo minhas decisões. Sei exatamente aonde quero chegar com cada criação. Quando trabalho com acessórios, sapatos, lenços ou bolsas, atuo como uma maestrina. Cada designer, cada ateliê tem sua própria personalidade. E eu os conduzo na mesma direção. Não quero rumos diferentes. Tento manter a comunidade Hermès caminhando de forma coesa. Não é tão difícil porque temos em mente uma ideia clara sobre o que é a marca. É importante que todos entendam até onde podemos ir sem cair em modismos passageiros. Porque não somos assim. Precisamos nos manter no topo, sem seguir o caminho do muito clássico nem o das tendências efêmeras. Para mim, essa é a forma contemporânea de vestir os homens.

Hermès, verão 2026 masculino.

Hermès, verão 2026. Foto: Divulgação

Nesse sentido de equilíbrio entre tradição e modernidade, como as novas tecnologias são absorvidas? Existe alguma tensão entre o manual e o automatizado?

Não existe nenhuma tensão. É a nossa vida. Vivemos em um mundo permeado pela tecnologia. É tolice resistir. Na Hermès, nossas raízes vêm do trabalho manual, do uso do couro, de toda a atenção que damos às coisas. O que, para mim, já é bem moderno. Misturar isso com, por exemplo, um tecido à prova d’água, mais leve, que possa receber cores e estampas, é uma maneira contemporânea de unir coisas completamente opostas para criar um brilho extra.

Você costuma dizer que não cria roupas, mas objetos. Por quê?

Porque não desenho um look total, mas um objeto mesmo. A atenção que coloco em cada detalhe – na gola, nas mangas, no forro, no botão, em cada milímetro de tecido – tem uma razão. Significa que cada peça se sustenta por si só. A maioria dos estilistas cria pensando em um visual completo. Eu não. Digo isso também porque não existe o homem Hermès, mas muitos homens Hermès. Acho interessante que a mesma roupa possa ser usada de jeitos diferentes por um jovem de 18 anos, um homem de 60 ou seja lá quem for. Quero que cada pessoa se aproprie da roupa para a sua vida.

Esta reportagem foi publicada originalmente no volume 05 da ELLE Men Brasil. Para comprar seu exemplar, clique aqui.



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