“Não se preocupe, querida” é ofuscado por dramas de bastidores
Florence Pugh salva o thriller de Olivia Wilde sobre uma dona de casa feliz que começa a se ver em uma prisão.
A iconografia sedutora dos anos 1950 e 1960, com carros rabo de peixe, cores pastel, arquitetura modernista, saias rodadas, esconde algo mais sinistro em Não se preocupe, querida, segundo longa de Olivia Wilde, que estreia nesta quinta-feira (22.09) no Brasil.
A atriz e diretora reuniu um time de primeira para construir esse mundo que só na aparência é perfeito. Na direção de fotografia, Matthew Libatique, indicado ao Oscar por Cisne negro (2010), e Nasce uma estrela (2018). No figurino, Arianne Phillips, que concorreu à estatueta por Johnny & June (2005), W.E. – O romance do século (2012) e Era uma vez… em Hollywood (2019) e trabalhou em todos os longas dirigidos por Tom Ford. No design de produção, Katie Byron, que vem se destacando em filmes como Sempre em frente (2021) e Zola (2021).
Recrutou uma das melhores jovens atrizes de Hollywood atualmente, Florence Pugh, para interpretar Alice Chambers, a dona de casa que vive um casamento de sonhos com Jack (Harry Styles), funcionário do misterioso Projeto Victory. Os dois moram em uma comunidade criada pelo dono da companhia, Frank (Chris Pine), e a única preocupação de Alice é cozinhar jantares com vários pratos, limpar a casa e transar com o marido. Mas nada é o que parece, e ela logo passa a desconfiar disso.
Não Se Preocupe, Querida | Trailer Oficial 2
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Wilde começou a trabalhar no roteiro com Katie Silberman (uma das roteiristas do longa anterior da diretora, Fora de série, de 2019) na época do “Make America great again” (ou “Torne os Estados Unidos grandes novamente”), o slogan de Donald Trump embebido na nostalgia pelos anos 1950 e 1960, uma época de prosperidade e felicidade – pelo menos para os estadunidenses brancos, do sexo masculino, heterossexuais. “Estávamos interessadas na natureza problemática da nostalgia”, disse Wilde durante entrevista coletiva no Festival de Veneza, em setembro, onde o filme foi exibido fora de competição. “Questionamos o que exatamente significava aquele slogan. Com esse filme, é preciso entender que tudo é uma metáfora. O paradoxo de Victory é que tudo que é belo também é sinistro, e isso foi de propósito.”
A cineasta inspirou-se na história para criar esse mundo, trazendo algo do Projeto Manhattan (o desenvolvimento secreto da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial), e do fascismo, pregando o controle como forma de alcançar a beleza e a perfeição. Mas, infelizmente, também no presente. “Pensamos muito nas mulheres que vieram antes e na nossa geração em termos de autonomia sobre o corpo”, disse Wilde.
Apesar dessa equipe de primeira e da vontade de incluir discussões interessantes em um filme que também quer divertir, Não se preocupe, querida não funciona. O longa soa como um pastiche de diversas referências, de Esposas em conflito (1975) e sua refilmagem Mulheres perfeitas (2004) a Corra! (2017). Em dado momento, o roteiro parece simplesmente desistir de tentar fazer algum sentido.
Florence Pugh e Harry Styles em cena do filme de Olivia Wilde.
O que salva é Pugh, que dá tudo no papel da dona de casa feliz que começa a se ver em uma prisão. Harry Styles? Ele é devorado por sua companheira de cena e não chega a fazer muita diferença, porque sua apatia funciona para o papel.
Para piorar tudo, Não se preocupe, querida foi engolido pelas histórias de bastidores. Quem não gosta de uma fofoca, não é mesmo? A coisa ficou tão absurda que, em Veneza, Styles foi acusado de cuspir em Pine durante a apresentação do elenco em plena sessão de gala, quando todas as câmeras estavam apontadas para eles.
Mas o drama vai além. Wilde anunciou o novo e ambicioso projeto pouco depois da estreia do simpático Fora de série (2019), que ganhou o prêmio de melhor estreia no Film Independent Spirit Awards. Em setembro de 2020, porém, foi anunciado que Shia LaBeouf, que faria o papel de Jack, tinha saído do projeto, “por conflitos de agenda”. Styles assumiria o personagem.
Poucos meses depois, na época em que FKA Twigs acusou o ator de abuso físico e sexual, reportagens afirmaram que LaBeouf tinha sido demitido por Wilde porque seu estilo de trabalho conflitava com o da diretora e do resto do elenco.
Olivia Wilde, qua também atua como atriz no longa.
Em janeiro de 2021, Wilde e Styles foram fotografados de mãos dadas durante um casamento. Os dois tinham começado um romance durante as filmagens. Wilde teria se separado do noivo, Jason Sudeikis (Ted Lasso), um ano antes.
Em abril de 2022, enquanto estava no palco promovendo Não se preocupe, querida na CinemaCon, uma convenção de exibidores de cinema em Las Vegas, Wilde recebeu o pedido de custódia dos dois filhos pelo ex – Sudeikis depois negou ter conhecimento de que os documentos seriam entregues dessa maneira.
A diretora também falou de como queria ver sexo sob o ponto de vista feminino. Quando o trailer saiu, com uma cena de aparente sexo oral (que está no filme), Pugh disse em entrevista que entendia o barulho gerado por uma sequência assim com um astro pop, mas que o filme era maior que isso.
No meio do ano, começaram os rumores de brigas entre Pugh e Wilde, porque a atriz não respondeu a postagens da diretora nas redes sociais. Também surgiram boatos de que Pugh ganhou três vezes menos do que Styles, apesar de ser claramente a protagonista.
Em agosto, Wilde disse que tinha demitido LaBeouf para proteger o set de sua energia agressiva. Dois dias depois, o ator desmentiu a diretora, dizendo que deixou o filme por causa da falta de tempo de ensaio. Ele mandou à revista Variety o e-mail que enviou a Wilde explicando sua decisão. Ele também teria vazado mensagens de texto e de vídeo da cineasta pedindo que ele reconsiderasse. No vídeo, ela chamava Pugh de Miss Flo, dizendo que podia ser um momento de despertar para a atriz. Em outra mensagem, ele pedia a Wilde para corrigir a informação de que tinha sido demitido.
Florence Pugh (à esquerda)
Em 5 de setembro, Pugh não compareceu à coletiva de imprensa do filme no Festival de Veneza. A desculpa foi a de que estava presa nas filmagens de Duna 2. Mas ela foi fotografada chegando à cidade mais ou menos na hora da entrevista, na qual Wilde respondeu vagamente ao ser indagada sobre os rumores de brigas nos bastidores. “A Florence é uma força, e somos muito gratos que ela seja capaz de estar aqui na sessão de gala, estando em produção em Duna”, disse a diretora. “Sei como diretora como é disruptivo não ter um ator mesmo que por um dia. Sou muito grata a ela e a Denis Villeneuve (diretor de Duna) por nos ajudar e estamos felizes de poder celebrar o trabalho dela na noite de hoje. Não posso destacar o bastante quanto estou grata por ela ser nossa protagonista. Ela está incrível no filme. Em relação à fofoca de tabloide e ao ruído infinitos por aí, a internet se alimenta, não vejo necessidade de contribuir para isso. Acho que está suficientemente bem alimentado.”
A mediadora da coletiva recusou uma pergunta de um repórter sobre a saída de LaBeouf.
À noite, Pugh apareceu no tapete vermelho e posou com o resto do elenco, apesar de não interagir com Wilde – ela brincou com seus colegas de elenco Pine e Nick Kroll, além de abraçar a atriz Gemma Chan com carinho. Após a exibição, a atriz direcionou aplausos para a diretora, que devolveu o mesmo gesto.
Harry Styles
Sua stylist, Rebecca Corbin Murray, postou no Instagram uma foto da atriz no tapete vermelho, com o texto: Miss Flo. A atriz publicou nas redes uma galeria de fotos e deu parabéns a todos.
Em uma entrevista à Vanity Fair, publicada em 8 de setembro, Wilde voltou a dizer que demitiu LaBeouf. Ela também negou que seu relacionamento com Styles tenha começado quando ainda estava com Sudeikis, uma das razões apontadas para as supostas desavenças com Pugh. Wilde também disse que trabalhou muito bem com a atriz e que esperava que as fofocas não ofuscassem o trabalho de Pugh. É verdade que talvez a confusão toda atrapalhe qualquer perspectiva de indicação ao Oscar para a atriz, mas isso provavelmente tem mais a ver com a qualidade do filme.
Quem sai realmente prejudicada nessa história toda é a própria diretora, que teve de se explicar novamente em aparição no programa The late show com Stephen Colbert, na noite de quarta-feira (21.09). Ela disse que o vídeo vazado por LaBeouf mostrava apenas uma cineasta tentando mediar a relação complicada entre seus dois atores principais. No fim, precisou escolher e preferiu Pugh. Wilde também apontou que, se fosse homem, não estaria passando por essa situação. Os diretores do sexo masculino são elogiados por serem tirânicos e não precisam falar de problemas no set, só de seus filmes.
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